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Leo Branco e Luciano Pádua A história do empreendedor Thiago Brandão, de 28 anos, é um exemplo de que só ter uma boa ideia não basta para um negócio decolar. Em 2011, Brandão fundou no Rio de Janeiro a Cuponeria, um sistema online que permite a varejistas como Pão de Açúcar e Carrefour distribuir cupons […]

Google Campus: centro de inovação fez parceria com app de lições rápidas e envolveu as startups aceleradas (Germano Lüders/Exame)
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Da Redação

Publicado em 22 de novembro de 2016 às 16h10.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h22.

Leo Branco e Luciano Pádua

A história do empreendedor Thiago Brandão, de 28 anos, é um exemplo de que só ter uma boa ideia não basta para um negócio decolar. Em 2011, Brandão fundou no Rio de Janeiro a Cuponeria, um sistema online que permite a varejistas como Pão de Açúcar e Carrefour distribuir cupons de descontos e angariar clientes. O negócio demorou a pegar: a barreira dos 100 000 usuários só foi batida após três anos. Parte do problema estava no site criado para divulgar as ofertas. “Era confuso e não despertava a atenção dos clientes”, diz Brandão. Em 2015, o empreendedor decidiu se mudar para São Paulo a fim de ficar próximo dos clientes e contratar novos profissionais para arejar o negócio. Foi o início da virada. A empresa se instalou no Google Campus, um prédio de seis andares na capital paulista montado pela gigante de tecnologia para sediar startups. Ali, Brandão assistiu à palestra de Noam Bardin, presidente do Waze, popular aplicativo que indica rotas de fuga para os congestionamentos. O tema era como criar um produto atraente. A palestra motivou Brandão a deixar o site mais enxuto, acrescentar cores quentes e montar uma versão para celular. Os resultados já apareceram. Hoje, a Cuponeria atende 1,8 milhão de consumidores em busca de descontos. A receita estimada para 2016, de 1 milhão de reais, deverá quadruplicar em 2017. Qual foi a chave da virada? “Quando estava no Rio de Janeiro, eu não tinha apoio para compartilhar dilemas”, afirma Brandão. “Em São Paulo, estou ao lado de gente que já enfrentou os mesmos problemas, e aprendo bastante.”

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Não é por acaso que a mudança de ares fez tão bem à Cuponeria. São Paulo é o melhor lugar do Brasil para empreendedores que querem ver seu negócio deslanchar. A capital paulista é bicampeã do ranking preparado pela Endeavor — organização internacional de fomento ao empreendedorismo — das melhores cidades do país para empresas com alto potencial de crescimento, publicado com exclusividade por EXAME. Em 2016, o estudo avaliou 60 indicadores, divididos em pilares vitais para o crescimento de um negócio, como ambiente regulatório, acesso a capital e mercados, infraestrutura e qualidade da mão de obra em 32 cidades, entre capitais e polos econômicos do interior. Esses municípios concentram 40% do PIB e 41% das 31 000 empresas brasileiras, de diversos setores, que ampliam o número de funcionários em mais de 20% ao ano. Em relação a 2015, 16 cidades avançaram e cinco mantiveram a posição no ranking. “A economia depende como nunca de negócios inovadores que cresçam e gerem empregos”, diz Juliano Seabra, diretor-geral da Endeavor. “O estudo reflete como as cidades estão se importando mais com o assunto.” Onze delas, incluindo grandes centros, como Rio de Janeiro e Recife, não tiveram um bom desempenho. A capital pernambucana caiu 14 posições e agora ocupa o 18olugar. É o pior desempenho da pesquisa, explicado por fatores ligados à crise: 26 000 vagas de cursos técnicos foram cortadas e a prefeitura diminuiu em 25% o volume de compras públicas. O Rio de Janeiro perdeu quatro posições, indo para o 14olugar, devido à combinação de aluguéis acima da média nacional com burocracia lenta da prefeitura e queda nos investimentos privados — os aportes de fundos de private equity diminuíram 34% na cidade em 2015. “Tudo isso desencoraja o empreendedor”, diz Seabra.

Já São Paulo lidera o ranking porque está sabendo atrair empresas inovadoras. Em 2015 foram abertas na cidade quase 800 novas empresas da economia criativa, como são chamadas as boas ideias que, usando tecnologia, se tornam negócios promissores. É uma expansão de 14% em relação ao ano anterior. No mesmo período, o número total de empresas da cidade caiu 2%. Um dos motivos para esse nicho crescer é a proliferação de berçários de startups, como o Google Campus. Desde o ano passado, além do Google, grandes empresas, como a seguradora Porto Seguro e o comparador de preços de imóveis VivaReal, abriram espaços que, a um custo acessível para quem está começando, permitem aos empreendedores entrar em contato com potenciais parceiros e clientes. “Mais que isso, são lugares para troca de conhecimentos essenciais para um negócio decolar”, diz André Barrence, diretor do Google Campus no Brasil. Em cinco meses de funcionamento da unidade em São Paulo, a sexta do Google no mundo, foram oferecidas mais de 350 palestras, boa parte delas com gente do Vale do Silício que compartilhou histórias de sucesso com os empreendedores. Os possíveis ganhos com a reunião de gente talentosa também inspiram a prefeitura local. Há dois anos, o prefeito Fernando Haddad (PT) montou o MobiLab, um espaço no centro de São Paulo compartilhado por 12 startups cujo objetivo é melhorar a mobilidade urbana, mas que está aberto a visitas de quem tenha algo a acrescentar aos negócios — recentemente, Brandão, da Cuponeria, relatou ali algumas de suas vitórias. Desse caldeirão de conhecimentos que é o MobiLab já saíram -boas ideias, como o Zona Azul Digital, um aplicativo da Companhia de Engenharia de Tráfego da capital paulista que permite ao motorista visualizar vagas de estacionamento e pagar a tarifa pelo celular. No ar desde julho, o sistema tem 160 000 usuários e já ajudou a prefeitura a economizar 168 000 reais por mês na impressão de talões para estacionamento. O potencial é tamanho que uma das promessas do prefeito recém-eleito, João Doria (PSDB), é montar outro abrigo para start-ups no terreno onde hoje está a Ceagesp, a maior central de distribuição de alimentos de São Paulo, localizada na zona oeste da capital. “A ordem é estender um tapete vermelho aos novos negócios”, diz Wilson Poit, ex-presidente da SP Negócios, empresa de atração de investimentos da cidade, e nomeado por Doria para a Secretaria de Desestatização e Parcerias.


QUADRO TESTEB


Nas demais cidades analisadas pela Endeavor, a preocupação com a tecnologia definitivamente entrou na agenda dos prefeitos eleitos neste ano. Dos novos mandatários, apenas um, José Crespo (DEM), de Sorocaba, não abordou o tema em seu plano de governo, segundo um levantamento da Rede Cidade Digital, movimento de um grupo de voluntários para o incentivo da inovação no poder público. Em tempos de contas públicas para lá de apertadas, os ganhos de eficiência com tecnologia receberam bastante atenção: de 321 propostas ligadas ao tema, 21% versaram sobre informatização da gestão. É um assunto no qual o país ainda precisa avançar muito. Apenas quatro em cada dez prefeituras têm um departamento de tecnologia estruturado, de acordo com um estudo recente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), autoridade certificadora de endereços eletrônicos no país. Embora metade dos brasileiros já acesse a internet pelo celular, apenas 4% dos 5 570 municípios oferecem serviços públicos por meio de aplicativos, segundo o mesmo levantamento. “É improvável imaginar que as prefeituras consigam planejar, sozinhas, uma presença digital”, diz Manuella Ribeiro, coordenadora do CGI.br.

Em cidades com vocação empreendedora, mas com um serviço público que ainda deixa a desejar, a ideia dos novos prefeitos é contar com a inovação para resolver os gargalos. Em Florianópolis, que manteve o segundo lugar no estudo da Endeavor graças à qualidade da mão de obra local, o desejo do prefeito eleito, Gean Loureiro (PMDB), é simplificar a burocracia municipal, o maior nó da cidade na pesquisa: Florianópolis foi a cidade com maior complexidade para pagar impostos. “Vamos pedir ajuda às startups locais para os problemas da prefeitura”, diz Loureiro. Em Porto Alegre, sétimo melhor lugar para empreender no país, o tucano Nelson Marchezan Júnior pretende integrar os radares de multas veiculares às centrais de segurança da polícia e da guarda municipal. O objetivo é reduzir a taxa de roubos de veículos, hoje em 833 casos por 100 000 carros, a maior das capitais e quase o dobro da média nacional. Além disso, ele busca tecnologias para resolver a falta de comunicação entre as 37 secretarias e autarquias da prefeitura. “É o que está por trás de problemas como a demora para a abertura de empresas na cidade, hoje em 82 dias”, diz Marchezan Júnior.



Há prefeitos que apostam na economia criativa para evitar a decadência de suas cidades. É o caso de Udo Döhler (PMDB), reeleito para o comando de Joinville, no norte de Santa Catarina que subiu cinco posições no estudo da Endeavor — hoje está em quarto lugar. A cidade de 570 000 moradores cresce rapidamente desde os anos 60 tendo como motor a indústria metalmecânica. Hoje, Joinville disputa com a Grande São Paulo o posto de maior parque de autopeças do país: são mais de 600 empresas, que contribuem com 40% do PIB local. Tudo isso corre o risco de minguar nas próximas décadas com o advento de tecnologias para compartilhar veículos, como o Uber, o que deve reduzir as vendas e os postos de trabalho na cadeia automotiva. “Não queremos ser a próxima Detroit”, diz Döhler, em referência à cidade americana que entrou em colapso com o fechamento de postos de trabalho nas montadoras locais, como Ford e GM. A estratégia é montar um fundo de investimentos, chamado de Join.valle, que deverá investir 400 milhões de reais até 2027 na atração de indústrias que estão despontando, como a de sensores para a internet das coisas, biotecnologia e fabricação de novos materiais. O projeto surgiu de consultas a jovens empresários locais bem-sucedidos na economia criativa. Eles ganharam uma cadeira num conselho de inovação da prefeitura. Entre eles está Vinicius Roveda, criador do ContaAzul,- software que usa a computação na nuvem para fazer a gestão de pequenas e médias empresas. Com apenas cinco anos de vida, a ContaAzul já fatura cerca de 20 milhões de reais e recebeu aportes do fundo americano Tiger. “O plano é usar nossa experiência e treinar as indústrias de hoje em Joinville para atender às demandas do futuro”, afirma Roveda.

Ganhos políticos

Alguns dos prefeitos reeleitos em 2016 conseguiram a vitória depois de abrir os olhos para o potencial da economia criativa no desenvolvimento urbano. Teresina, no Piauí, talvez seja o caso mais emblemático. Em 2015, a cidade estava na penúltima posição no estudo da Endea-vor. Na edição deste ano, obteve o maior avanço entre as 32 cidades — subiu oito posições — e conquistou um razoável 23olugar. No primeiro mandato, o prefeito tucano Firmino Filho fechou parcerias com empreendedores locais para criar uma escola pública para ensinar conceitos avançados de tecnologia, como programação de jogos online em 3D. Além disso, financiou a realização da Virada Geek, evento anual cuja organização lembra a da Campus Party, maior feira de tecnologia do país, realizada em São Paulo. Na quinta edição do evento, em agosto, mais de 300 desenvolvedores de sistemas e apaixonados por games reuniram-se numa das principais praças da cidade para trocar dicas de programação. O resultado é que Teresina está se consolidando como um polo de startups para jogos online — o movimento já recebeu o apelido de Cajuína Valley, em homenagem à bebida típica do Piauí. “São mais de 200 empresas, o dobro do que havia dois anos atrás”, diz Joseler Martins, presidente do Interaje, grupo de empreendedores digitais da cidade. Agora, a ideia da prefeitura é dar incentivos fiscais às empresas do setor para evitar a fuga de cérebros. “Queremos deixar de ser uma economia de serviços de baixo valor agregado”, diz Firmino Filho, agora reeleito. Em Campinas, terceiro melhor lugar para empreender no país — duas posições acima da obtida em 2015 —, o prefeito reeleito Jonas Donizette (PSB) financia há dois anos uma aceleradora de negócios para startups que tragam boas ideias ao serviço público. Um exemplo é o GlicOnline, aplicativo em que profissionais da rede pública de saúde monitoram o nível de açúcar no sangue de moradores com diabetes. Além disso, a gestão municipal criou um comitê de tecnologia frequentado pela Softex Campinas, associação local das empresas de tecnologia, e por institutos de pesquisas públicos com sede na cidade. Da troca de ideias, surgiram parcerias como o Hiperespaço, projeto para levar startups a testar soluções dentro do laboratório do CPqD, centro de pesquisa em telecomunicações, e do laboratório vizinho CNPEM, focado em novos materiais, ambos considerados de altíssimo padrão. “Nada disso seria possível sem o apoio da prefeitura”, diz Edvar Pera Junior, coordenador da Softex Campinas.



Os ganhos políticos e econômicos dessa interação entre as prefeituras e as startups têm chamado a atenção de grandes empresas, investidores e filantropos. Na paulista São José dos Campos, sexta melhor cidade para empreender no país e o melhor ecossistema no quesito inovação, o prefeito eleito Felício Ramuth (PSDB) fala em realizar na prefeitura pelo menos uma vez por mês um pitch, termo usado para encontros em que empreendedores apresentam negócios a potenciais investidores. “Vamos investir na startup que trouxer soluções inovadoras para os problemas da cidade”, afirma Ramuth. O projeto está sendo acompanhado de perto pelo Centro de Liderança Pública (CLP), escola de gestores públicos. No primeiro semestre, o CLP reuniu 2 milhões de reais de apoiadores na iniciativa privada, como o Bank of America Merrill Lynch e o fundo de investimento em causas sociais do Instituto Betty e Jacob Lafer, para lançar o Brazil Lab, uma espécie de aceleradora de negócios voltada para startups que resolvem problemas típicos de prefeituras, como a gestão da educação, da saúde e do lixo urbano. De um universo de 600 startups com soluções inovadoras para a gestão pública, 11 foram selecionadas. “Elas estão se reunindo com prefeitos e visitando repartições tendo em vista prestar serviços no futuro”, diz Letícia Piccolotto, criadora do Brazil Lab. O braço de filantropia do bilionário da mídia Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, deve anunciar em dezembro os vencedores de um prêmio de até 5 milhões de dólares para prefeituras da América Latina com boas ideias no uso de tecnologia. Dos 20 finalistas, cinco são do Brasil. Da capital paulista há a sugestão de um mercado virtual para ligar agricultores a donos de restaurantes. Já Curitiba busca recursos para montar uma espécie de Waze para mapear as ruas com menos obstáculos às pessoas com deficiência. “São maneiras inteligentes de usar a tecnologia na gestão pública”, afirma a americana Andrea Coleman, coordenadora do prêmio. Algumas cidades brasileiras já chamam a atenção do mundo por causa da economia criativa. Para as demais, fica o exemplo.

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