Um basta dos economistas: "o governo federal precisa mudar de rumo e agir"
Em entrevista à EXAME, o economista Cláudio Frischtak fala da carta aberta assinada por mais de 1.500 economistas e empresários que cobra aceleração na vacinação e coordenação nacional no combate à crise sanitária
Fabiane Stefano
Publicado em 23 de março de 2021 às 06h35.
Última atualização em 23 de março de 2021 às 12h28.
Tudo começou no WhatsApp. Atônitos com a escalada tétrica da pandemia no Brasil, com quase 300 mil mortos, economistas que debatem em diferentes grupos da rede social – em especial, no grupo Economistas do Brasil, com mais de 200 membros - passaram a vocalizar a necessidade de uma carta sóbria, sem panfletagem, com críticas ao combate da pandemia no país.
O resultado foi um documento duríssimo de quase 2.700 palavras, divulgado no domingo, 21, e que já foi assinado por mais de 1.500 economistas, empresários e ex-membros do alto escalão do setor público. Entre eles estão Armínio Fraga eIlan Goldfajn, ex-presidentes do Banco Central; Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, co-presidentes do conselho de administração do Itaú Unibanco; e Luis Stuhlberger, gestor da Verde Asset. Também assina o documento Arthur Mota, economista da EXAME Invest Pro.
O carioca Cláudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B, é um dos cinco economistas que redigiram a carta – em parceria com Sandra Rios (do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento), Thomas Conti, Marco Bonomo e Paulo Ribeiro (os três últimos são professores da escola de negócios Insper).
Em entrevista à EXAME, Frischtak diz que, embora a carta não cite nominalmente nenhuma autoridade, implicitamente as críticas são direcionadas ao presidente Jair Bolsonaro e aos ministros que deveriam protagonizar o combate da pandemia, como o da Saúde e o da Educação, dado o impacto na vida de milhões de estudantes fora das escolas.
“Hoje, vivemos a exceção da exceção. Temos um líder que não se convence diante das evidências, pelo contrário, apela para notícias falsas e indícios completamente contestáveis. Ele ouve algo e fica repetindo coisas que não fazem sentido. Isso causa um dano colossal”, diz Frischtak, que tem doutorado em economia na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e por mais de uma década trabalhou no Banco Mundial.
O documento elenca quatro frentes de ação: acelerar o ritmo da vacinação; incentivar o uso de máscaras, implementar medidas de distanciamento no âmbito local com coordenação nacional; e criar mecanismos de coordenação do combate à pandemia em âmbito nacional.
Bolsonaro, que já criticou vacinas, passou a defender a imunização recentemente. O presidente, porém, raramente usa máscaras em público e está em uma cruzada contra governadores e prefeitos que adotaram medidas mais duras de isolamento.
Nesta terça-feira, 23, o Supremo Tribunal Federal deverá julgar a ação de inconstitucionalidade proposta por Bolsonaro contra os lockdowns adotados pelos governos do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul como tentantiva de conter o avanço da pandemia.
A carta dos economistas, como tem sido chamada, foi encaminhada ao presidente do STF, ministro Luiz Fux; ao senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado; e ao deputado Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados. O documento também foi encaminhado ao ministro da Economia, Paulo Guedes.
No final do texto ridigido pelos cinco economistas e apoiado pela elite financeira e do pensamento econômico do Brasil, o recado é claro: "O país pode se sair melhor se perseguimos uma agenda responsável. O país tem pressa; o país quer seriedade com a coisa pública; o país está cansado de ideias fora do lugar, palavras inconsequentes, ações erradas ou tardias. O Brasil exige respeito."
Leia a seguir a entrevista com Frischtak.
Depois de um ano de pandemia, por que os economistas se juntaram em uma carta aberta com duras críticas à condução da pandemia?
A razão dessa carta tem a ver com o desconforto da sociedade com os rumos da pandemia e da economia diante da inoperância e o negacionismo do governo federal. A antinomia entre o curso da pandemia e a inoperância do governo federal explodiu no último mês, em meados de fevereiro, agora com a situação piorando diariamente. Hoje, o número de óbitos por milhão no Brasil é o maior do mundo, passando os Estados Unidos.
Estamos vendo a pandemia sendo usada politicamente pelo presidente, pelo seu entorno. Isso é inaceitável. A insatisfação da sociedade, esse quase desespero da sociedade, resulta no fato que todos estamos sujeitos a essa roleta-russa.
A carta não nomeia um responsável - ou responsáveis - pela situação da crise sanitária no Brasil. Qual a responsabilidade do presidente Bolsonaro e do governo federal?
De fato, a carta não nomeia uma pessoa, mas implicitamente é direcionada ao presidente e aos ministros que tratam do tema. A pandemia é o maior desastre sanitário dos últimos 100 anos, no qual o governo central não combate com eficácia. Não há precedente internacional. Posso afirmar em nome do grupo que redigiu a carta que não há outro presidente ou líder mundial nos últimos meses que tenha agido da forma como a nossa liderança política agiu aqui.
No início da pandemia, sim, havia líderes céticos como Andrés Manuel Lopes Obrador, presidente do México, ou mesmo o presidente da Bielorússia, mas eles foram convencidos pela evidências dos fatos. Hoje, vivemos a exceção da exceção. Temos um líder que não se convence com as evidências. Pelo contrário, apela para notícias falsas e evidências completamente contestáveis. Ouve algo e fica repetindo coisas que não fazem sentido. Isso causa um dano colossal.
É fato que a liderança do país flertou com o movimento antivacina. Isso é inaceitável. É fato também que este governo faz crítica implícitas ao uso de máscaras. E isso também é inaceitável. A liderança do país está promovendo aglomerações diariamente, o que é inaceitável.
O documento fala em medidas de baixo custo para conter a pandemia. Como avalia o auxílio emergencial?
Está muito explícito na carta que há medidas de custo baixo que o país poderia ter tomado, como o uso de máscaras e a promoção do distanciamento social. Além disso, o Brasil não encomendou as vacinas a tempo e Bolsonaro chegou a criticar a vacina chinesa, o que é uma coisa completamente estapafúrdia.
Hoje, a Coronavac é a vacina que mais imunizou brasileiros – inclusive, a mãe do presidente. Assim como outros líderes mundiais, Bolsonaro já deveria ter dito: “brasileiros, eu vou tomar a vacina. E tem que tomar a vacina que está disponível.”
Mas o país fez tudo ao contrário. O Brasil foi um dos países que mais gastaram na pandemia e que mais alocaram recursos fiscais. Tomamos as medidas mais caras e deixamos de fazer o mais barato e o mais eficaz. Tenho certeza que há gente no Ministério da Economia que entende perfeitamente isso, mas a liderança política não tem esse discernimento.
E quais as consequências disso?
Bom, o Brasil se especializou em dar tiros no próprio pé nos últimos dois anos. Veja o que aconteceu com o meio ambiente, com a política externa. O país está pagando um preço altíssimo. Só os ingênuos acreditam que a política externa desvairada desse governo não tem um custo para o país. Só os ingênuos acreditam que não há consequências uma crítica sistemática à China, no momento que o país precisa de vacinas e insumos chineses.
E o presidente se especializou em dar igualmente tiros no pé da sociedade com a promoção de aglomerações e com manifestações ao não-uso das máscaras.
Ao enviar a carta ao STF e ao Congresso, quais medidas podem ser esperadas? Faz sentido falar impeachment agora?
Esperamos que os chefes dos Poderes leiam essa carta com atenção. O objetivo único do documento é de construção e de alerta para o mal caminho que o Brasil tomou.
A palavra impeachment não aparece na carta e, do nosso ponto de vista, seria inapropriado - independemente do que individualmente pensem as pessoas que redigiram ou assinaram a carta. A mudança de rumo precisa ser feita num regime presidencialista e pelo presidente. Se estivéssemos num regime parlamentarista, o primeiro-ministro poderia ser trocado. Diga-se de passagem, se tivéssemos um regime parlamentarista nas atuais circunstâncias, o primeiro-ministro não estaria aí.
E esperamos uma mudança de rumo na condução da pandemia. Na hipótese de uma não-mudança - e honestamente, não gosto nem de imaginar isso – a pressão da sociedade vai crescer e se dará sobre o Congresso.
A despeito do que se ache de fulano ou de beltrano, o Congresso é a casa do povo. A pressão da sociedade será sobre os senadores e deputados. E temos um Congresso que é permeável à opinião pública. Esse é um fato muito importante. No limite, existem instrumentos ( para afastamento de um presidente).
Eu, pessoalmente, espero que não chegue a esse ponto. Espero que haja uma mudança de fato por parte do presidente. Infelizmente, até hoje não houve.
Por que Bolsonaro reluta em aceitar medidas como uso de máscara e distanciamento social?
Existe um problema que muitos de seus seguidores, assim como nos Estados Unidos e muitos dos apoiadores do ex-presidente Donald Trump, não aceitam a mudança de rumo. Lembrando que Trump e sua esposa, Melania, tomaram vacina escondido na Casa Branca, esse é o grau de sociopatia em jogo, que era preciso esconder que se tomou uma vacina. E por que isso? Para se resguardar das críticas de seus seguidores.
Acho que o presidente Bolsonaro está, por um lado, pressionado por seus seguidores, parte deles muito radicais. De outro, ele está pressionado pelo Congresso. Não sabemos qual o resultante desses dois vetores.
O senhor mencionou os Estados Unidos, mas o país tem sido considerado um exemplo ao frear rapidamente o avanço da pandemia...
É tão evidente, tão na nossa cara. Em 20 de janeiro, o presidente Joe Biden tomou posse e estabeleceu como prioridade a guerra contra a covid-19. Isso porque ele entendeu - e sua equipe e boa parte da sociedade também entenderam - que somente derrotando a pandemia que a economia poderia voltar a crescer de forma sustentada.
O que Biden fez é o que estamos pedindo que seja feito aqui. Que o governo federal aja de forma responsável e pare com essa luta insana e política contra estados e municípios visando apenas a eleição de 2022. Que o governo federal assuma a liderança e coordene as ações. Não só via Ministério da Saúde e da Educação, mas que o governo dê o exemplo.
E o presidente Biden tem de fato dado o exemplo. Ainda que em 20 de janeiro os EUA tivessem grande parte das vacinas estocadas, o governo ameriano conseguiu fazer um esquema logístico muito eficiente, organizando a distribuição com estados e esses, por sua vez, com os municípios, acelerando o processo. No último fim de semana, os Estados Unidos alcançaram a marca de 3 milhões de vacinas aplicadas em um dia. Quando Biden assumiu, seu objetivo era aplicar 100 milhões de vacinas em três meses. E ele antecipou a meta em 30 dias.
Estamos vendo uma resposta espetacular dos Estados Unidos. Isso porque o governo se engajou completamente, exigindo o uso de máscaras em órgãos e instalações federais, como nos aeroportos, onde é absolutamente proibido entrar sem máscara. O resultado é uma queda dramática de casos e de mortes.
Parece bastante evidente que não há dicotomia entre economia e saúde, mas Bolsonaro tenta derrubar no STF as medidas mais duras impostas no Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Bahia...
A equação é simples e qualquer brasileiro pode entender. Estamos neste momento num processo recessivo. Nem terminou o primeiro trimestre de 2021, mas é bem possível que o primeiro semestre irá vivenciar uma recessão. Serão dois trimestres consecutivos de crescimento negativo em relação ao trimestre anterior. E só vamos conseguir sair desta recessão se conseguirmos atacar a pandemia de frente, com medidas eficazes e de custo eficiente.
Se continuar uma atuação leniente em relação às aglomerações, o não uso de máscaras, a falta de coordenação e mais atacar a coordenação de quem está tomando alguma iniciativa... enfim, nós não vamos sair da pandemia.
É importante que se diga: é uma ilusão achar que dá para fazer diferente. Há poucos dias o Chile declarou lockdown em Santiago e outras províncias, sendo que é o país que mais vacina na América Latina. No ano passado, o presidente chileno Sebastian Piñera saiu pelo mundo comprando vacinas e conseguiu doses suficientes para imunizar toda a população do país.
Hoje, os chilenos vacinam numa velocidade quase dez vezes superior à do Brasil. E mesmo assim, o Chile foi obrigado a estabelecer regras rígidas de distanciamento social, porque o impacto da vacina não é imediato, não é instantâneo.
O Brasil tem desafios enormes. O país precisa acelerar a vacinação e precisa aumentar o grau de transparência nos dados do governo federal em relação à pandemia. Ninguém sabe ao certo quantas e quando as doses vão chegar. É mais uma camada de confusão no entendimento da população.
Como Brasil deverá sair da pandemia?
Infelizmente, regredimos como sociedade. O Brasil será um país mais pobre, mais desigual, mais desestruturado e com mais animosidade entre diferentes partes da população no pós-pandemia. Também haverá um enorme impacto na educação das crianças, sobretudo, as mais pobres porque temos no momento um Ministério da Educação completamente omisso.
Mas não espero, em nenhuma hipótese, que o país volte a flertar com o autoritarismo em 2022. A eleição deverá ser livre e competitiva. Em algum momento, vamos reconstruir a máquina administrativa deste país.
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