Na quarta-feira o líder nas pesquisas, o ex-presidente Lula, foi condenado a nove anos e seis meses de prisão (Nacho Doce/Reuters)
Raphael Martins
Publicado em 15 de julho de 2017 às 09h30.
Última atualização em 15 de julho de 2017 às 15h33.
A pergunta que já tirava do prumo qualquer político, analista ou acadêmico ficou ainda mais aberta esta semana: afinal, quem leva as eleições presidenciais de 2018?
Com a Operação Lava-Jato e seus desdobramentos nas ruas há três anos, a única certeza é que estamos diante das eleições menos previsíveis de nossa história recente. Apenas nas últimas duas semanas, os líderes de três partidos majoritários no jogo político brasileiro, o PMDB, o PSDB e o PT foram fortemente impactados pelas investigações.
Na quarta-feira o líder nas pesquisas, o ex-presidente Lula, foi condenado a nove anos e seis meses de prisão, aumentando ainda mais as incertezas sobre os 449 dias que nos separam do primeiro turno. Segure-se na cadeira.
A primeira dúvida é em relação ao presidente Michel Temer. Ao longo da semana, ele conseguiu barrar na Câmara dos Deputados o relatório que recomendava a apreciação da denúncia contra si por corrupção passiva.
Promoveu duas dezenas de trocas na Comissão de Constituição e Justiça até que tivesse número suficiente para derrotar o texto de seu correligionário, o deputado federal Sergio Zveiter (PMDB-RJ).
Deu certo, mas pegou mal, e deixou ainda mais claro que Temer vive num mundo paralelo. “O resultado hoje alcançado deixa claro que é sólida a maioria de quem defende a democracia, os direitos constitucionais e o estado de direito. A vitória é da democracia e do direito”, disse por meio de seu porta-voz, Alexandre Parola.
Se Temer cair, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), assume o país. Dificilmente teria chances nas urnas em 2018, mas seu espectro nubla ainda mais o horizonte.
Outro potencial favorito fora do jogo é Aécio Neves (PSDB), candidato a presidente pelo partido em 2014 e comandante nacional da legenda. Ao retornar ao Senado, no último dia 4 de julho, fez um discurso vazio para um plenário vazio.
“Não cometi crime algum, não aceitei recursos de origem ilícita, não ofereci vantagens indevidas a quem quer que seja”, disse. “O país vive, sim, um importante e inédito acerto de contas da sociedade com o mundo político. E temos que estar preparados para ele, separando o que é crime daquilo que não é”.
Para o tucano, não é crime o pedido de 2 milhões de reais a Joesley Batista, supostamente para pagar honorários de advogados. A Procuradoria-Geral da República entende que tratava-se de propina. Aécio responde ainda a mais nove inquéritos no Supremo Tribunal Federal.
Chega-se ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O petista recebeu na quarta-feira 12 sua primeira condenação. Determinada pelo juiz federal Sergio Moro, foi sentenciado a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso de tríplex de Guarujá, no litoral paulista.
“Se alguém pensa que com essa sentença me tiraram do jogo, pode saber que eu estou no jogo. (…) Quem acha que é o fim do Lula vai quebrar a cara. Quem tem o direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro”, disse em coletiva de imprensa no dia seguinte. “A Justiça não pode mentir, não pode tomar decisões políticas. Tem que tomar decisões baseadas nos autos”.
Apesar de se lançar candidato à Presidência, Lula pode ficar inelegível se o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmar a sentença de Moro. A Lei da Ficha Limpa proíbe candidatos condenados em instâncias superiores. Pela resolução do Supremo Tribunal Federal, é também a partir da segunda instância que se pode começar a cumprir pena. Por ser maior que oito anos, Lula iria para o regime fechado.
Enquanto todos se dizem injustiçados, o eleitor vai se cansando. É sintomático o resultado da última pesquisa Datafolha, do fim de junho. O ex-presidente Lula lidera cenários eleitorais para o ano que vem, com ao menos 30% das preferências. Mas amarga 46% da rejeição. Para a dupla restante, nem a aprovação é consolo. Michel Temer e Aécio não aparecem na última pesquisa. Em abril, tinham rejeição de 64% e 44%, respectivamente. Intenções de voto? O primeiro tinha 2%, o segundo, 6%.
Estamos no caminho de uma revolução? Motivos para isso, evidentemente, não faltam. “A sociedade civil tem que apresentar candidatos a presidente da República, governadores, senadores e deputados federais, com quadros completos, para substituir os políticos profissionais que estão no Congresso”, disse em perfeito exemplo do sentimento do eleitor o jurista Modesto Carvalhosa em entrevista a EXAME Hoje.
“A sociedade tem a obrigação de botar esse povo para fora. Temos uma chance histórica de melhorar o país. A crise permite que possamos sair dessa rotina aparelhada, apresentando uma série de candidatos. Mas se não fizermos isso, tchau”.
A busca por novos quadros movimenta todos os partidos. É um cenário que lembra a completa imprevisibilidade de 1989. Com duas dezenas de candidatos, havia de tudo. Líderes de esquerda que batiam entre si, herdeiros da ditadura militar, grandes empresários de terra e conservadores.
Havia grandes partidos e legendas inexpressivas. O segundo turno representou o ápice de polarização. Como se sabe, saiu vencedor um novato, de um partido nanico, que propunha acabar com a corrupção dos “marajás”. Fernando Collor de Mello tinha como trunfo o desânimo com a política e o entusiasmo com a novidade. Infelizmente, para o Brasil, deu no que deu.
Quase 30 anos depois, o Brasil se vê prestes a escolher entre a agenda conservadora e reformista da atual base aliada do governo Michel Temer, cujo favorito é o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), terá líderes de esquerda duelando, casos de Ciro Gomes (PDT) e Lula, e algumas novidades.
Elas vão de Marina Silva (Rede) ao prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). O que aterroriza os mais céticos é quem pode surgir nos meandros deste processo. O deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) aparece empatado com Marina Silva segundo o Datafolha. Ele tem 15% das intenções de voto, ela, 14%.
“O crescimento eleitoral será dos desafiantes, com propostas, trajetórias e posições muito diferentes do mainstream político. Figuras mais tradicionais, como Geraldo Alckmin, terão vida mais difícil”, diz Cláudio Couto, professor do Departamento de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.
“Partidos menores, como a Rede Sustentabilidade ou o Partido Novo, que teriam capacidade de desafiar as grandes legendas, têm pouco tempo de TV e farão uma disputa muito desigual com os tradicionais. Não tem um grupo de cabos eleitorais estabelecidos. Isso deixa difícil demais haver uma renovação completa da política”.
A aposta dos novatos é no descrédito das atuais legendas. Também de acordo com o Datafolha de junho, os partidos políticos têm hoje “muita confiança” de 2% da população, enquanto 69% dizem não confiar. Para os cientistas políticos consultados por EXAME Hoje, a situação se explica pelos escândalos de corrupção e falta de contato com as bases eleitorais.
“Os políticos fazem sempre a mesma defesa, como se fossem perseguidos politicamente, vítimas de um complô contra o país. Uma coisa básica da democracia é fiscalizar quem tem muito poder. Eles não entendem isso”, diz José Álvaro Moisés, professor do departamento de Ciência Política e diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP. “Mas com tudo que está acontecendo eles são vistos como farinha do mesmo saco”.
Na Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, no Partido Novo, e em legendas que mudaram de nome, como o Podemos e o Livres, o exemplo a se inspirar é o francês Emmanuel Macron, que, aos 39 anos, saiu da obscuridade para ganhar a presidência do país.
Ele criou há pouco mais de um ano o movimento independente “En Marche!” como alternativa aos partidos estabelecidos no país, em um momento de estafa dos franceses com o cenário político. Mas a estrutura política brasileira dificulta muito a chance de termos um Macron por aqui. E isso não é necessariamente uma má notícia.
“O pior dos caminhos [para resolver a falta de líderes] é achar que se resolve um problema dessa magnitude criando artificialmente lideranças. Boa parte dos problemas que temos hoje é a ideia de que se pode botar um poste para disputar eleição porque é forte demais e vai poder dizer que elegeu alguém do zero”, diz a EXAME Hoje a ex-senadora Marina Silva.
“A sociedade tem que fazer um esforço de inovação política, sem negar a política. Pois, para mudar as estruturas é necessário uma mudança de postura. Se continuar a lógica do ‘poder pelo poder’, e só discutir eleição no tempo de TV, o resultado sabemos qual é. É esse que está aí”.
O Partido Novo, posto mais à direita do espectro político, aposta em três fundamentos: o desgaste de governos da esquerda na América Latina, a agenda de diminuição do Estado e a mobilização pelas redes sociais. Para difundir princípios como privatização de estatais, financiamento com o mínimo de dinheiro público e nomes de fora do mainstream, o Novo usa a potência de seus 1,37 milhão de seguidores no Facebook.
A fanpage é a maior entre as legendas registradas — o PSDB tem 1,3 milhão e o PT, 1,23 milhão. “Nosso projeto era de longo prazo, mas nos últimos anos, as coisas se precipitaram, por movimentos da sociedade e a Justiça funcionando mais rapidamente. Passamos a ganhar corpo mais rapidamente”, diz Moisés Jardim, vice-presidente do Partido Novo.
A ideia é lançar deputados federais em 16 estados e, nos maiores, senadores e governadores. Está certo também que haverá candidato à Presidência da República. O sonho de consumo é o ex-técnico da seleção brasileira de vôlei masculino Bernardinho.
Uma agenda nova poderia ser a saída inclusive para partidos tradicionais. Para isso, contudo, seria necessário abrir espaços para novos líderes. “O velho está morrendo e o novo não nasceu. E não está claro quanto tempo vai levar essa frase de transição e quais as consequências na economia”, diz Salo Coslovsky, professor de desenvolvimento internacional da New York University.
“A sociedade nunca esteve tão interessada em política e há um número grande de possibilidades novas. As energias renováveis, smart cities, planejamento urbano, aumento de produtividade são assuntos ótimos, mas que praticamente não são discutidos no Brasil”. Infelizmente, isto não deve mudar em 2018.