Trem-bala: custo total de R$ 33 bilhões estimado para a obra no Brasil pode dobrar (China Photos/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 29 de abril de 2011 às 08h08.
São Paulo – Apesar de ter adiado duas vezes o leilão que decidirá as empresas que vão tocar o projeto de construção do trem-bala, o governo está convicto de que a obra é viável do ponto de vista técnico e econômico, com muitos benefícios para as regiões de Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro.
Especialistas ouvidos por EXAME.com, no entanto, levantam inúmeras dúvidas que vão desde o custo da obra até as prioridades que o Brasil tem na área de transportes (veja quadro resumo no final da matéria).
“O trem-bala é um grande equívoco por vários motivos, começando pelo custo astronômico. O BNDES vai financiar R$ 20 bilhões e entrará com mais R$ 5 bilhões a fundo perdido”, afirma Paulo Fernando Fleury, diretor-geral do instituto ILOS (Instituto de Logística e Supply Chain). A obra está orçada pelo governo federal em R$ 33 bilhões.
O professor da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp e coordenador do Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transportes (LALT), Orlando Fontes Lima Júnior, considera o trem-bala uma solução confortável, rápida e eficiente, mas questiona as prioridades. “É como você construir um hospital para tratamento de câncer numa periferia do interior. Ninguém vai dizer que não é importante, mas talvez 20 postos de saúde sejam mais úteis para aquela região.”
Os dois especialistas defendem que os investimentos em metrô sejam colocados no topo das prioridades. O professor da Unicamp destaca a necessidade de transporte de massa na região metropolitana de Campinas enquanto o diretor do instituto ILOS cita a superlotação do metrô paulistano. “Com esse volume de recursos daria para quintuplicar a rede em São Paulo, passando de 60 quilômetros para 300 quilômetros de linhas”, diz Fleury.
Lima considera que a principal dúvida envolvendo o projeto é a estimativa de demanda dos passageiros. “É difícil modelar qual será o grau de adesão quando a obra ficar pronta. Ao contrário da Europa, o Brasil não tem cultura de ferrovias, o que vai requerer um aprendizado da população. Quando o metrô foi inaugurado, as pessoas tinham medo de escada rolante. Hoje isso não faz sentido, mas na época foi um empecilho para a utilização do metrô.”
Além disso, o professor da Unicamp prevê uma guerra de tarifas por parte das empresas aéreas. Recentemente, o presidente do Conselho de Administração da Azul Linhas Aéreas, David Neelemen, disse não acreditar que o trem de alta velocidade sairá do papel por causa do custo subestimado e garantiu que as companhias aéreas vão reduzir o valor das passagens para não perder passageiros.
Paulo Fernando Fleury, do ILOS, questiona o custo de R$ 33 bilhões calculado pelo governo. “As empresas estão desconfiadas porque o risco é brutal, já que o projeto pode custar 60 bilhões. Você não tem informações confiáveis de quanto vai custar, quanto vai demorar, quais são as incertezas ambientais. A obra será realizada numa região extremamente difícil, pois entre Rio e São Paulo existe uma diferença de 700 metros de altura que precisa ser dividida ao longo de 400 quilômetros. Ninguém em sã consciência é capaz de dizer quanto vai custar esse projeto. Não será nenhuma surpresa se custar o dobro porque não foi feito nem o projeto detalhado de engenharia.”
Ainda sobre o valor da obra, o diretor do instituto ILOS diz que “o governo tem suposições genéricas sobre quanto poderá custar. No começo, se estimava o custo em 10 bilhões, depois foi para 18 bilhões, já está em 34 bilhões e ninguém sabe em quanto vai terminar. Para poder saber o preço correto, seriam necessárias sondagens geológicas na Mata Atlântica, mas não há nem licenças ambientais. Isso vai exigir uma quantidade enorme de pontes e túneis, que são caros”.
O professor da Unicamp Orlando Fontes Lima Júnior considera que seria mais adequado utilizar um trem de média velocidade (150 km/h), que reduziria o custo da obra e da manutenção. “Além disso, a estrutura do trem-bala restringe o transporte de cargas por causa do peso.” Paulo Fleury acrescenta: “Por que não se duplica a Dutra (rodovia presidente Dutra)? Por que não se constrói uma ferrovia de média velocidade, que custa muito menos e teria velocidade de 150 km/h a 180 km/h contra 350 km/h do trem-bala, e com a vantagem de permitir algumas curvas. É inexplicável fazer um investimento desse porte e não comparar alternativas.”
Os técnicos do governo federal argumentam que o Brasil ganhará conhecimento tecnológico nessa área. “Tecnologia de trem-bala para quê?”, indaga Fleury. O professor Lima lembra que o Brasil já tem alguns centros de pesquisas ferroviárias, como a própria Unicamp e a Vale.
Por causa da demora na definição das empresas que vão tocar a obra, não será mais possível concluí-la antes dos Jogos Olímpicos de 2014. “Põe seis ou oito anos nisso. Nenhuma chance de o trem-bala ficar pronto até os Jogos Olímpicos, que era uma das justificativas do projeto”, diz Fleury. "Caiu por terra a ideia de usar o trem-bala como vitrine do evento."
Os dois especialistas em infraestrutura lembram que o eixo Rio-São Paulo-Campinas já é bem servido por outros meios de transporte, mas divergem na hora da avaliação final.
Paulo Fernando Fleury é categórico ao afirmar que “o governo deveria ter bom senso e desistir do leilão”. “É um projeto que não vai resolver problema nenhum. As opções para uma viagem do Rio a São Paulo são as melhores possíveis. Você pode ir de automóvel, de ônibus ou de avião. Para que o trem-bala? Ele vai melhorar a vida de quem tem medo de avião”, ironiza.
Já o professor Orlando Fontes Lima Júnior defende “a continuidade do leilão desde que o governo não aumente sua participação, caso o projeto se mostre inviável do ponto de vista econômico”. Ele diz que falta planejamento de longo prazo, mas destaca positivamente o trem-bala “como eixo de organização e desenvolvimento econômico das regiões de Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas. "Insisto que (o trem-bala) não é uma solução técnica ruim, mas é um problema de prioridade de soluções”.
Após dois adiamentos, o prazo final para as empresas interessadas no projeto de trem de alta velocidade entregarem os envelopes é 11 de julho e o leilão está marcado para o dia 29 de julho.
Veja um resumo das críticas dos analistas ao projeto do trem-bala
Crítica | Detalhamento dos especialistas |
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Prioridades | Com tantas carências em transporte público, o trem-bala não é prioridade |
Dinheiro público | A obra será da iniciativa privada, mas o BNDES vai desembolsar R$ 25 bi |
Custo do projeto | Estimado em R$ 33 bi, o custo do projeto pode até dobrar |
Incertezas técnicas | Sem sondagens geológicas, crescem custos com túneis e pontes |
Volume de passageiros | Sem estimar demanda potencial, fica impossível calcular retorno da obra |
Preço da passagem | Custo da obra pode inviabilizar bilhete barato para concorrer com aéreas |
Prazo da obra | Por causa da demora, trem-bala não ficará pronto antes da Olimpíada |