Sujeira da Baía de Guanabara preocupa em evento-teste
Mário Moscatelli, biólogo que há mais de duas décadas luta contra a degradação da baía alerta: "Nós vamos passar muita vergonha"
Da Redação
Publicado em 28 de julho de 2014 às 09h47.
Rio - O primeiro evento-teste para os Jogos Olímpicos de 2016 , que serão disputados no Rio de Janeiro , começa no próximo final de semana com uma perspectiva um tanto quanto turva, assim como estão as águas da Baía de Guanabara.
Enquanto o Comitê Rio assegura que os 320 velejadores de 34 países encontrarão condições adequadas para a disputa por medalhas, Mário Moscatelli, biólogo que há mais de duas décadas luta contra a degradação da baía alerta: "Nós vamos passar muita vergonha".
Moscatelli é um dos mais respeitados estudiosos da Baía de Guanabara. Na última sexta-feira, em meio a um forte odor de gases sulfídrico e metano que emanava nas margens do Canal do Cunha, na Ilha do Governador, ele avaliou a condição das águas que esperam os velejadores que estarão no local para a disputa olímpica.
"Dos 55 rios que deságuam na baía, 50 são valões (como são conhecidos, em alguns locais do País, os rios que, com o tempo, se transformam mais em esgotos a céu aberto)", destacou. O Canal do Cunha é um deles.
O Aquece Rio International, primeiro dos dois eventos-teste de vela, será disputado na Marina da Glória, a mais de uma dezena de quilômetros, mas o local escolhido pelo ambientalista para conversar com a reportagem, na zona norte do Rio, foi representativo. "Isso é o microcosmo não apenas da baía, mas do Brasil", disse, apontando para o lixo que se acumula aos montes nas margens. "Hoje a enseada de Botafogo (que fica ao lado da Marina) é esgoto puro", afirmou.
O presidente do Comitê Rio, Carlos Arthur Nuzman, foi questionado sobre o tema em evento realizado na cidade, na última quarta, do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), o qual também preside. Ele disse que não se posicionaria sobre o assunto, mas defendeu o evento-teste brasileiro atacando os Jogos Olímpicos de 2008. "Os velejadores já disseram que não há nenhum inconveniente (no Rio), que Pequim foi o pior lugar em que estiveram", disse.
Não é o que já afirmaram alguns atletas de ponta da vela brasileira. Robert Scheidt, vencedor de cinco medalhas olímpicas, já criticou publicamente as águas da baía - mas agora prefere não falar mais do assunto, a fim de se concentrar para a disputa da competição. Martine Grael e Patrícia Freitas, outras representantes do Brasil no Aquece Rio, pensam como Scheidt. A declaração de Nuzman foi rebatida por Moscatelli. "A gente vai se nivelar por baixo? Então a história do legado é só engodo?", questionou o biólogo.
O Comitê Rio garantiu "condições adequadas" para todos os velejadores que estiverem classificados para a disputa por medalhas na cidade. "A competição não vai expor nenhum atleta a risco de saúde", afirmou Mario Andrada, diretor de comunicação da entidade. Mas o ambientalista não concorda com Andrada: "Se eu fosse um atleta ou pai de atleta, não entraria na água sem estar vacinado contra a hepatite A, por exemplo", alertou Moscatelli.
Avaliação
Ainda segundo os organizadores, o objetivo principal do Aquece Rio é avaliar os locais de prova para a Olimpíada. "Nas áreas onde estão as raias a água está em condições adequadas para banho e competição", ponderou o Comitê. Segundo a entidade, três ecoboats - embarcações adaptadas para recolher lixo nas águas - já estão em ação no local e o número saltará para 24 nesta segunda.
Para Moscatelli, porém, a solução é meramente paliativa e não resolve o problema nem mesmo para o evento-teste. "As autoridades não explicaram como é que os atletas vão sair da Marina da Glória e chegar à raia passando por aquele mar de esgoto. Vão ser lançados de helicóptero? Porta-Aviões?", ironizou. "Aí me disseram que vão colocar ecobarreiras. Para quê? É cocô de dinossauro?", prosseguiu, destacando a fragilidade da contenção desse tipo de barreira e sua ineficácia.
No que diz respeito exclusivamente às condições para velejar, o biólogo vislumbrou sucesso se as condições climáticas forem totalmente favoráveis, com maré alta e vento empurrando "toda a porcaria" para dentro da baía, além da falta da chuva. "Mas isso não quer dizer que algum sofá não venha torpedear alguma embarcação durante as disputas".
As ironias cessaram quando o pesquisador avaliou o que acontecerá com a baía após os eventos. "Essa preocupação é exclusivamente por causa dos Jogos Olímpicos de 2016. Eu não tenho a menor dúvida de que no dia seguinte ao fim da Olimpíada a Baía de Guanabara vai ser esquecida novamente", afirmou com contundência.
O Comitê Rio informou que os 24 ecoboats vão operar até 9 de agosto, último dia do Aquece Rio.