Atualmente, essa descriminalização total já acontece em diferentes países da Europa, além de Canadá e alguns estados dos EUA (OpenRangeStock/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 24 de maio de 2023 às 07h40.
Última atualização em 24 de maio de 2023 às 15h05.
Além da definição de parâmetros de quantidade permitida para o porte de drogas, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode nesta quarta decidir pela descriminalização de todas as substâncias, incluindo cocaína, como vista em Portugal. O ministro Gilmar Mendes foi o único, até agora, a ter esse entendimento. Atualmente, essa descriminalização total já acontece em diferentes países da Europa, além de Canadá e alguns estados dos EUA.
Em muitos desses lugares, a medida foi acompanhada de ações de redução de danos, como oferta de espaços seguros para consumo, em um tratamento sob a ótica da questão da saúde pública. Já em termos de comércio, a legalização em outros países só é válida para a maconha.
O neurocientista Sidarta Ribeiro, professor do Instituto do Cérebro da UFRN e pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, é um dos especialistas que defendem a descriminalização de todas as drogas.
— Como cientista, entendo que todas as drogas podem ser benéficas ou danosas, e precisamos regular todas. Independente da visão mais restrita ou não, é importante avançar na questão de não criminalizar usuários — explica o neurocientista. — A droga faz parte da história humana, lícita ou não. É preciso ter atenção pelo lado da saúde, não da polícia.
Ribeiro diz que as experiências internacionais justificam a descriminalização. Em Portugal, a medida veio em 2000, e desde então o consumo da maconha e de outras drogas mais pesadas não cresceu, afirma o neurocientista, estudioso do tema. Ele também cita o exemplo da Inglaterra, onde uma comissão decidiu, há 20 anos, mudar a política de drogas. O chefe da comissão disse, na época, que a diferenciação entre drogas lícitas e ilícitas não fazia sentido, e que se fosse para proibir práticas perigosas na sociedade seria necessário proibir atividades como hipismo e boxe.
— Toda substância tem pessoas em grupo de risco, e isso não justifica a proibição. O Brasil está atrasado nesse debate, precisamos de educação de qualidade. Existe um pânico moral focado em certas substâncias, enquanto somos completamente negligentes sobre outras. Normalmente, as pessoas que mais são contra as drogas vão às drogarias com frequência e se entopem de drogas com bulas assustadoras.
Por causa dessa política, crianças como a Ágatha Felix (morta com um tiro de fuzil disparado por um PM no Complexo do Alemão, em 2019) são assassinadas na favela. O voto do Gilmar Mendes diz muito bem que, independente do dano da substância, você cercear uma pessoa, expor ela a ser agredida e morta, em nome de proteger a sociedade dessa substância não faz o menor sentido — diz Sidarta Ribeiro
O Supremo Tribunal Federal (STF) pautou para esta quarta-feira a análise de uma ação que discute se o porte de drogas para consumo próprio é crime. Entenda os principais pontos do julgamento:
A descriminalização prevê que o usuário não seja punido criminalmente pelo consumo pessoal de drogas — por isso, ela é considerada uma etapa inicial. Já a legalização seria a criação de um conjunto de regras para regular o mercado de produção e comercialização da substância.
Não. Pelo entendimento firmado até agora por três ministros do Supremo, os usuários ainda estariam sujeitos a sanções administrativas previstas na Lei de Drogas. O relator do processo, ministro Gilmar Mendes, chegou a citar o exemplo da Espanha que aplica multas de até 30 mil euros ou suspensão da carteira de motorista a usuários de substâncias ilíticas.
Até agora não há um consenso entre os ministros sobre esse assunto. Gilmar defendeu a descriminalização, mas não especificou a que drogas ele se referia. Barroso e Fachin definiram que o novo entendimento só alcance usuários maconha.
De acordo com o voto dos três ministros, dependerá da interpretação do juiz e do policial se a droga encontrada era para consumo pessoal ou para o tráfico de drogas. Se a substância for para uso próprio, não caberá a prisão. Em contrapartida, a pessoa poderá ser sancionada com medidas administrativas, como "advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo", conforme define a legislação.
O julgamento foi iniciado em agosto de 2015, mas foi interrompido por um pedido de mais tempo para análise do então ministro Teori Zavascki. Após a morte de Zavascki, em 2017, o caso foi repassado para Alexandre de Moraes, seu sucessor. Moraes liberou o processo para julgamento em novembro de 2018. Desde então, entrou e saiu da pauta algumas vezes. Quando a análise for retomada, Moraes será o primeiro a votar.
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