Siqueira, da Anamatra: Terceirização aprovada é ruim
Na noite de quarta-feira, o plenário da Câmara aprovou por 231 votos a favor, 188 contrários e 8 abstenções o projeto de lei 4.302/1998, que trata da terceirização. Se o texto for sancionado pelo presidente Michel Temer, as empresas poderão contratar intermediadoras para cuidarem de qualquer parte de seu negócio, inclusive as atividades-fim. A medida é […]
Da Redação
Publicado em 23 de março de 2017 às 18h39.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h08.
Na noite de quarta-feira, o plenário da Câmara aprovou por 231 votos a favor, 188 contrários e 8 abstenções o projeto de lei 4.302/1998, que trata da terceirização. Se o texto for sancionado pelo presidente Michel Temer, as empresas poderão contratar intermediadoras para cuidarem de qualquer parte de seu negócio, inclusive as atividades-fim. A medida é vista pelo governo e por entidades patronais como fundamental para destravar a economia do país e voltar a gerar empregos. Por outro lado, sindicatos e associações de trabalhadores dizem que a lei da terceirização vai tornar o mercado de trabalho mais precário para empregados.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) foi uma das instituições que mais criticou o texto aprovado. Para o presidente da entidade, Germano Silveira de Siqueira, o principal problema do projeto aprovado é que ele não foi debatido com a sociedade. Em entrevista a EXAME Hoje, ele afirma que o texto da lei é frágil e confuso, o que não trará segurança nem para funcionários, nem para empregadores.
Por que a Anamatra está pedindo o veto do presidente Temer ao projeto de lei de terceirização aprovado?
Porque, de todos os projetos sobre o assunto que tramitam no Congresso, esse é o pior. Somos contra esse projeto. Mas, infelizmente, a base do governo, junto com as centrais e organizações sindicais de empregadores, resolveu pinçar o pior projeto que havia, de 1998. O que tramita no Senado, o 4.330/2004, vinha sendo bem debatido e poderia ser melhorado e aprovado.
Por que esse é o pior projeto?
Ele é o pior porque libera a terceirização na atividade meio e na atividade fim e faz isso sem nenhum tipo de garantia aos trabalhadores. Não há uma construção de regras que regulem a atividade, ele simplesmente libera e acabou. A terceirização contribui para que haja um processo de precarização no trabalho. Os dados revelam que quem trabalha por empresa intermediadora recebe 30% a menos do que o dos contratados diretamente. Esses não são números construídos falsamente, como entidades patronais dizem, isso a gente verifica no dia a dia como juiz do trabalho. Além disso, de cada 10 trabalhadores que sofrem acidente de trabalho, oito são terceirizados. Já há esse grave elemento de precariedade no trabalho terceirizado, e agora ele poderá ser expandido para além das atividades intermediárias. Com esse projeto, nada impede que as companhias aéreas resolvam terceirizar seu corpo de pilotagem. Isso não está escrito na lei, mas está permitido. Quem controla isso?
Os deputados afirmaram que esse projeto é importante porque trará garantias tanto para empregadores como para empregados. O senhor acha que isso deve acontecer?
Esse projeto não cria nenhum tipo de garantia. Isso acontece porque o texto do projeto é muito ruim. E não só para os trabalhadores, mas também para as empresas. Quem votou comprando o discurso de que o texto traria segurança jurídica para o mercado, comprou gato por lebre. Por exemplo, qual é a convenção coletiva que vai reger o direito desses trabalhadores terceirizados? Eles terão igual salário de quem está trabalhando ao lado dele? Esses terceirizados que vão receber o padrão de 30% a menos poderão reivindicar isonomia de salários na justiça do trabalho? Essa resposta só virá quando esses casos começarem a surgir. Não sei como isso vai ser. Ele também pode trazer outros problemas básicos. O texto introduz um conceito novo e abstrato, em que “a prestadora de serviço é aquela que faz contrato determinado a prestar serviços”. É extremamente genérico e abre espaços para que se discuta amplamente na Justiça do Trabalho quais são as possibilidades de esse contrato poder ou não ser realizado.
A reivindicação de mudança na lei do trabalho é antiga, principalmente por parte dos empregadores. O senhor acha que ela precisa de mudanças?
Eu acho que um projeto que tratasse da terceirização, mas que fosse debatido, como o 4.330, poderia ser interessante. Se essa discussão fosse levada até o final, ela poderia trazer ganhos para a sociedade. Eu acho que o deputado Arthur Maia (PPS-BA, que foi relator do projeto) fez um esforço importante e o Paulo Paim (PT-RS, que relata o mesmo projeto no Senado) também. Eles organizaram audiências públicas no país inteiro, debateram com a sociedade. Isso é sinônimo de um debate democrático. O processo que levou à aprovação do projeto de lei ontem na Câmara é antidemocrático. O encaminhamento foi feito por uma maioria arrogante no Congresso Nacional, que não dialoga com a minoria e acaba produzindo textos com esse conteúdo. Ou as maiorias entendem que deve fazer concessão e dialogar com a sociedade, ou produzirão apenas a vontade de quem detém poder político e econômico. Isso não é bom para o país.
No dia 8 de março, o presidente da Câmara disse que a Justiça do Trabalho “nem deveria existir”. O que o senhor acha dessa declaração?
Foi uma declaração completamente infeliz. Ele está completamente desconectado da realidade do mundo do trabalho e da realidade dos trabalhadores do Brasil. Com essa fala, ele não tem a menor noção de como é o universo de quem necessita da Justiça do Trabalho em nosso país. Ele não sabe o que é desigualdade social. Quem vai na Justiça do Trabalho talvez esteja muito distante da realidade do Rodrigo, que tem plena satisfação econômica e financeira. Essa não é a realidade dos trabalhadores e dos pequenos empresários do Brasil.