Sentimentos negativos do eleitor 'moldam' estilo dos pré-candidatos
Quando um pré-candidato à Presidência da República deixa transparecer sua raiva em público isso também pode ser pura estratégia.
Estadão Conteúdo
Publicado em 24 de junho de 2018 às 10h11.
São Paulo - Nem sempre as declarações enviesadas, a impaciência com o contraditório e o tom excessivamente bélico devem ser atribuídos a um descontrole ocasional ou a um mero traço de personalidade. Quando um pré-candidato à Presidência da República deixa transparecer sua raiva em público isso também pode ser pura estratégia.
A explicação para o comportamento tenso e até prematuramente agressivo de alguns postulantes ao Planalto pode estar na percepção do (mau) humor do eleitor. Um levantamento do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), realizado em março, ouviu 1.200 eleitores sobre os sentimentos em relação às eleições de outubro. Nesta amostragem, 83% dos pesquisados declararam ter emoções negativas; enquanto apenas 14% estariam imbuídos de sentimentos positivos. Os outros 3% não quiseram ou não souberam responder.
Os sentimentos negativos estão divididos em "preocupação" (33%), "indignação ou raiva" (27%); "tristeza" (12%) e "medo" (11%). Entre os sentimentos positivos, aparecem: "esperança" (12%), "orgulho" (1%) e "alegria" (1%). A opção "entusiasmo" não atingiu 1% das menções.
O cientista político e coordenador da pesquisa do Ipespe, Antônio Lavareda, afirmou que "o voto não é apenas uma opção racional" e que "o modelo de inteligência afetiva é um dado importante para as campanhas".
O problema, segundo ele, é a forma como os pré-candidatos estão trabalhando com a negatividade do eleitor. "É um erro dos candidatos incorporarem a raiva ou o medo do eleitor. O que eles precisam fazer é administrar e equalizar esses sentimentos e, principalmente, oferecer respostas para essa indignação do eleitor", disse.
A tentação de encarnar a raiva aumenta quando um dos pré-candidatos mais bem colocados nas pesquisas é o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) - que traz em seu discurso elementos do "contra tudo o que está aí" e um tom mais contundente. "Mas é um erro um candidato que não tem um perfil agressivo tentar passar essa imagem. O candidato não age com naturalidade, vai contra sua própria natureza, e o eleitor percebe que aquilo é teatro."
Cientistas políticos e profissionais do marketing ouvidos pela reportagem afirmaram que pré-candidatos como Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) não ganhariam pontos com explosões de raiva e indignação - porque essas reações não seriam da natureza deles. Já Ciro Gomes (PDT) e o próprio Bolsonaro já possuem esse tipo de reação em seus respectivos "vocabulários" - e não causam estranhamento ao agir assim.
O marqueteiro do presidente Michel Temer, Elsinho Mouco, admite que "os sentimentos prevalecentes na população são os mais negativos". "Sem administrar o medo do eleitor, sem resgatar a esperança nessas pessoas, não há como ter sucesso na eleição", disse.
Mouco completou dizendo que "o voto é retrospectivo". Segundo ele, "as pessoas imaginam sua vida no futuro por aquilo que aconteceu no passado". "Resgatar o estado de espírito da sociedade é o desafio."As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.