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Sem legado olímpico, ar do Rio é poluído e mortal

Quando o Brasil apresentou a sua candidatura para sediar os Jogos, afirmou que os níveis de poluição atmosférica estavam “nos limites recomendados pela OMS"

Poluição atmosférica: há anos o Rio vem excedendo os padrões da OMS para a classe mais perigosa de poluentes do ar (Ricardo Moraes / Reuters)
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Da Redação

Publicado em 1 de agosto de 2016 às 09h28.

Rio de Janeiro - O ar do Rio de Janeiro é muito mais poluído e letal do que o retratado pelas autoridades, e a promessa de uma cidade mais limpa como legado dos Jogos Olímpicos , que começam nesta semana, ficou longe de se tornar realidade, mostraram análises de dados do governo e testes realizados pela Reuters.

Quando o Brasil apresentou há sete anos a sua bem-sucedida candidatura para ser o primeiro país sul-americano a sediar o evento, afirmou que os níveis de poluição atmosférica estavam “dentro dos limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde”.

Isso não era verdade na época e tampouco é verdade agora, apesar das promessas das autoridades de que o ar do Rio estaria menos poluído devido ao controle de emissões e melhores condições do transporte público de massa antes da Olimpíada, cuja abertura será na sexta-feira.

Há anos o Rio vem excedendo os padrões da OMS para a classe mais perigosa de poluentes do ar, o material particulado (MP), que é lançado na atmosfera por milhões de veículos que cruzam as ruas e avenidas da cidade.

Em uma região metropolitana que abriga cerca de 12 milhões de pessoas, o número anual de mortos por complicações relacionadas às más condições do ar chega aos milhares.

Especialistas dizem que as pessoas expostas à poluição carioca têm maior risco de desenvolver câncer de pulmão, enfarte, derrame, asma e outras doenças.

“Definitivamente, isso não é ‘ar olímpico’”, disse o patologista Paulo Saldiva, da Universidade de São Paulo (USP) e membro de um seleto comitê de cientistas da OMS que estabeleceu padrões mais rígidos para a poluição em 2006.

“Muito se falou sobre a poluição da água no Rio, mas muito mais pessoas morrem por causa da sujeira do ar do que da água”, afirmou. “Você não é obrigado a beber água da Baía de Guanabara, mas você é obrigado a respirar o ar do Rio.”

O despejo de esgoto da cidade e arredores ganhou grande atenção da imprensa, e a cidade padece com níveis endêmicos de doenças gastrointestinais nas águas onde os nadadores de maratonas aquáticas e triatlo, velejadores e remadores disputarão medalhas.

Mas pouco se falou sobre a poluição atmosférica, causada em grande parte pelos escapamentos de 2,7 milhões de veículos que lotam as vias da cidade.

Mais de 75 por cento de toda a poluição do ar é causada pela frota de veículos, segundo o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) do Rio.

Dados do governo estadual mostram que, desde 2008, o ar na região metropolitana do Rio de Janeiro se mantém constantemente duas a três vezes acima do limite anual da OMS para o MP 10, chamado assim porque esse material particulado tem o diâmetro de 10 mícrons ou menos. Traduzindo-se: sete vezes menor do que um fio de cabelo.

Isso significa que o Rio de Janeiro tem o segundo ar mais poluído de todas as cidades olímpicas cujo nível de MP 10 foi aferido, a partir do fim da década de 1980. Apenas Pequim, em 2008, esteve pior nesse quesito.

Tânia Braga, chefe de Sustentabilidade e Legado do Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016, disse que a qualidade do ar não pode ser julgada somente pelos dados de materiais particulados.

De acordo com ela, outros tipos de poluentes estão apresentando níveis aceitáveis.

Essa avaliação é considerada equivocada por Saldiva. Para ele, “os danos à saúde associados ao MP 10 são os mais severos que existem” e, por causa disso, pode-se dizer que o ar da cidade olímpica é ruim.

A OMS afirma em seu site que o “MP afeta mais pessoas do que qualquer outro poluente”, que a sujeira do ar causou 3,7 milhões de mortes prematuras no mundo em 2012 e que esses óbitos ocorreram por conta da exposição humana ao MP 10.

A OMS não respondeu aos pedidos para que comentasse sobre a qualidade do ar no Rio.

Saldiva calculou que os níveis de poluição por material particulado no Rio causaram cerca de 5.400 mortes em 2014, de acordo com os dados mais recentes. Ele usou uma metodologia da OMS para realizar o cálculo.

Na comparação, a temida violência do Rio de Janeiro gera menos mortes do que isso: foram 3.117 homicídios no ano passado.

De 2010 a 2014, a região metropolitana do Rio apresentou média anual de 52 MP 10 por metro cúbico de ar, de acordo com o Inea. Para a OMS, o limite é de 20.

Jamie Mullins, professor de pesquisa econômica da Universidade de Massachusetts-Amherst, crê que a cada dez unidades acima do limite os atletas de pista têm suas performances reduzidas em 0,2 por cento.

Mullins baseou esse cálculo no exame de quase 656 mil resultados de esportistas norte-americanos de atletismo em mais de oito anos. Ele cruzou os resultados com a poluição atmosférica e o clima durante cada competição.

“Triste realidade”

Durante os Jogos de Pequim, estudos mostraram que os níveis de MP 10 estavam em 82, bem acima do Rio. Mas em Londres, o número era de apenas 23, de acordo com dados do governo.

Em Atenas, nos Jogos de 2004, o nível era 44, contra 24 em Sydney 2000 e 28 de Atlanta 1996, disse Staci Simonich, professora da Oregon State University que em 2009 publicou um estudo sobre a poluição na Olimpíada de Pequim.

“Números como os do Rio são comuns nos países em desenvolvimento. Essa é uma triste realidade”, afirmou Simonich.

Ela lembrou que os índices de poluição variam de acordo com o clima, já que as chuvas temporariamente tiram o MP do ar. Contudo, o Rio passa por um período seco, então os índices estão no máximo.

O Inea se negou a mostrar à Reuters os dados de nível de MP para 2015 e neste ano.

Mas há especialistas que questionam até a confiabilidade dos dados do instituto, já que 75 por cento das 64 estações de monitoramento automático são geridas pela iniciativa privada, que polui e as mantém em troca de obter licenças ambientais.

“A agência local deveria administrar direta e independentemente as estações”, disse James Lents, especialista mundial em poluição atmosférica.

O Inea não respondeu aos pedidos para comentar sobre as estações privadas.

Saldiva e sua principal pesquisadora, Mariana Veras, juntaram-se à Reuters para analisar os dados do governo e realizar testes independentes sobre o MP 2,5 — a partícula fina que apresenta o maior risco para a saúde.

Os dados do Inea mostram que, desde 2011, os níveis de MP 2,5 do Rio ultrapassaram os limites anuais da OMS em 83 por cento do tempo.

A Reuters realizou 22 testes de uma hora cada separados para níveis do MP 2,5: em frente ao Parque Olímpico e à Vila Olímpica, próximo à arena do vôlei de praia, em Copacabana, e do lado de fora do estádio do Engenhão, que receberá as competições de atletismo e futebol.

Não há um padrão preestabelecido para testes de uma hora para MP 2,5, mas a OMS usa o nível médio de 25 para o período de 24 horas de testes.

Saldiva e outros especialistas afirmam que os resultados mostram que os atletas olímpicos, torcedores e moradores do Rio estão expostos a altos níveis de material particulado desse tipo.

O Engenhão liderou negativamente os testes, com pico de 65 MP 2,5 durante um teste no dia 30 de junho, realizado no meio da manhã, mesmo período do dia em que os atletas competirão.

Copacabana acusou nível 57 no mesmo dia, enquanto que a Vila Olímpica não passou de 32.

Legado perdido

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, criou o BRT —corredores de ônibus expressos— e o governo estadual construiu uma nova linha do metrô, mas a frota de veículos da cidade ainda cresce em 100 mil carros por ano.

A Prefeitura do Rio informou à Reuters que as melhorias no transporte público vão reduzir significativamente a emissão de gases de efeito estufa; e que os BRTs já resultaram na retirada de circulação de 750 ônibus, e que 525 mil toneladas de dióxido de carbono foram removidos do ar da cidade neste ano.

Mas Saldiva disse que o sistema de transporte ainda tem muito a avançar para realmente fazer diferença na poluição, devido à vasta frota de carros do Rio. “Para os brasileiros que permanecerem aqui depois dos Jogos, não há um grande legado de ar limpo”, disse.

Com suor no rosto após uma corrida ao redor do Engenhão, o professor Lucas Pereira, de 22 anos, disse que sentiu pouca melhora: “Você consegue sentir a sujeira enquanto corre... Parece que gruda na pele”.

Perguntado se a Olimpíada ajudaria a melhorar a qualidade do ar, disse: “É uma promessa que não será cumprida”.

São Paulo – Faltando exatos sete dias para a abertura da Olimpíada do Rio de Janeiro, não faltam preocupações em torno da organização do megaevento. Com o país sede vivendo uma recessão econômica e diante da ameaça do Estado Islâmico, o clima ainda não é de festa – pelo menos entre os brasileiros.  Uma pesquisa recente do Ibope concluiu que 60% dos brasileiros consideram que a Olimpíada trará mais prejuízos do que benefícios ao país.  Reunimos, nas imagens a seguir, alguns dos problemas que rondam a edição da Rio-2016 antes mesmo da pira olímpica ser acesa no Maracanã, no próximo dia 5.
  • 2. Alojamentos em mau estado

    2 /11(Ricardo Moraes / Reuters)

  • Veja também

    Inaugurada no último domingo (24), a Vila Olímpica foi alvo de queixas por conta de problemas no encanamento, falta de luz, excesso de sujeira e banheiros bloqueados. A delegação da Austrália, por exemplo, se recusou a instalar seus atletas no espaço, classificado por seus membros como “inabitável”. Delegações de outros países, como Suécia, Argentina e Venezuela, também endossaram a onda de reclamações.  Após as reivindicações, o comitê organizador dos Jogos contratou 600 funcionários para resolver os problemas. A expectativa era de que tudo ficasse em ordem até a última quinta. Não suficiente, os agentes da Força Nacional de Segurança, que estão instalados em um conjunto habitacional na Zona Oeste da cidade, também protestaram contra as condições dos alojamentos – que estariam sem chuveiro, com pia entupida e camas improvisadas. Os agentes ameaçaram abandonar a segurança da Olimpíada se as instalações não fossem ajustadas.
  • 3. A morte de uma onça

    3 /11(Ivo Lima/ ME)

  • A onça pintada Juma, que participou do desfile da tocha em Manaus (AM), foi abatida horas depois da cerimônia após escapar do Zoológico do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) e tentar atacar um militar.  A morte do animal, ameaçado de extinção, gerou revolta nas redes sociais. Veja algumas reações:
  • 4. Tour da tocha

    4 /11(Roosevelt Cassio/Reuters)

    Como se não bastassem os tombos durante o revezamento do símbolo máximo dos Jogos, um manifestante tentou apagar a chama olímpica com um extintor de incêndio. O homem invadiu a pista em Joinville, Santa Catarina. Em Porto Alegre, pelo menos duas pessoas tentaram jogar água na tocha durante a passagem. A tocha olímpica percorreu 327 cidades em 95 dias e foi carregara por 12 mil pessoas..
  • 5. Queda de ciclovia

    5 /11(Fernando Frazão/ Agência Brasil)

    Em abril, um trecho da ciclovia Tim Maia, um dos legados olímpicos, desabou ao ser atingida por uma onda. Duas pessoas morreram. A ciclovia, que liga os bairros de São Conrado e Leblon, na Zona Sul do Rio, foi inaugurada em janeiro deste ano.  A Polícia Civil abriu inquérito contra 14 pessoas que responderão por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. De acordo com as investigações, os denunciados foram negligentes na realização e execução do projeto. O trecho possui 3,9 quilômetros de extensão e custou mais de R$ 45 milhões aos cofres públicos.
  • 6. Obras inacabadas

    6 /11(Bruno Kelly / Reuters)

    Faltando pouco mais de uma semana para começar o evento, a Arena de Vôlei de Praia ainda não estava pronta para receber os atletas. Do lado de fora, muito entulho e lixo formavam o cenário de um dos principais cartões-postais da cidade. Os jogadores só poderão utilizar a quadra para treino a partir de segunda-feira (1), quatro dias antes da abertura.  Além disso, o Estádio Aquático sofre com problemas de refrigeração. De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, as disputas de natação devem acontecer em um ambiente abafado e com muito calor: no dia da reportagem publicada pelo veículo, os termômetros marcavam 33º C.  Segundo o jornal, o comitê organizador do Rio afirmou que a parte interna dos vestiários, onde ficarão os nadadores, haverá ar condicionado. Na mesma linha, as obras do Velódromo seguem a todo vapor. Mesmo entregue no último dia 26, a parte interna ainda está em fase de acabamento e materiais de construção são encontrados pelo caminho.
  • 7. Suspensão do laboratório antidoping

    7 /11(Ricardo Moraes / Reuters)

    Pouco mais de 42 dias para a abertura do evento, a Agência Mundial Antidoping (Wada) suspendeu o Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem (LBCD), responsável pela realização dos exames durante a Olimpíada.  O descredenciamento se deu após a Wada encontrar um erro procedimental em um dos exames realizados no laboratório brasileiro. Somente no dia 20 de julho, a Agência liberou o LBCD para realizar os procedimentos nos Jogos.
  • 8. Roubo de equipamentos

    8 /11(Reuters/Ricardo Moraes)

    Faltando 35 dias para o início dos Jogos, um caminhão que carregava duas TVs da Alemanha foi roubado na Avenida Brasil, Zona Norte do Rio.  Os equipamentos, avaliados em R$ 1,5 milhão, eram levados para o Parque Olímpico, onde seriam montados os estúdios de transmissão das emissoras ARD e GDF.  No dia seguinte, porém, a Polícia Militar (PM) encontrou a carreta roubada – a carga estava intacta.  O caso repercutiu internacionalmente por se tratar do segundo crime envolvendo estrangeiros por conta da realização da Rio 2016. Duas semanas antes, dois atletas paraolímpicos da Austrália foram assaltados à mão armada enquanto pedalavam em um parque da cidade.
  • 9. Funcionários sem CLT

    9 /11(Marcos Santos/USP Imagens/Agência USP)

    O Ministério Público do Trabalho e Emprego (MPTE) decidiu multar o Comitê Rio 2016 em R$ 315 mil por 630 empregados que trabalham nas obras da Vila Olímpica sem registro profissional. De acordo com os agentes fiscais, os funcionários estariam trabalhando sem carteira assinada e com carga horária exaustiva de 23 horas.
  • 10. Superbactéria na Lagoa

    10 /11(Sergio Moraes / Reuters)

    Em estudos, cientistas encontraram nada mais nada menos do que a presença de uma superbactéria nas águas das praias e em uma lagoa do Rio que irão receber os eventos olímpicos, como natação, remo e canoagem.  Quando contaminam serem humanos, essas superbactérias podem causar infecções urinárias, gastrointestinais, pulmonárias e na corrente sanguínea.  De acordo com uma das pesquisadoras, a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Renata Picão, a contaminação das praias é resultado da falta de saneamento básico.  Vale lembrar, que uma das promessas dos organizadores dos Jogos era despoluir as águas da cidade e tratar 80% do esgoto que chega ao mar. O compromisso, porém, não foi cumprido. O próprio secretário do Ambiente do estado do Rio de Janeiro, André Correa, afirmou no último dia 20 que a meta estipulada era muito ousada.
  • 11. Viu essa?

    11 /11(Ueslei Marcelino / Reuters)

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