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Schüler, do Insper: "Sem hecatombe, Temer fica até o final"

“Temer ainda tem bala na agulha, mas a palavra que define o momento é incerteza”, diz cientista político

Schüler: "O governo mostrou que tem base parlamentar, e a denúncia não comoveu" (Foto/Divulgação)

Schüler: "O governo mostrou que tem base parlamentar, e a denúncia não comoveu" (Foto/Divulgação)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 5 de agosto de 2017 às 08h11.

Última atualização em 7 de agosto de 2017 às 11h18.

Como se nada tivesse acontecido, o governo Michel Temer virou a chave e agora só fala no futuro. De volta à pauta estão reformas políticas, ajuste fiscal e recuperação da economia. Nem parece que há dois meses e meio o presidente esteve a ponto de renunciar depois de ser flagrado em conversas suspeitas com Joesley Batista, empresário e notório pagador de propina em troca de benefícios na máquina pública.

O cientista político Fernando Schüler, professor da escola de negócios Insper, explica como funciona a cabeça do parlamentar que virou as costas a 80% dos brasileiros que queriam ver o presidente investigado.

“A votação da denúncia não afeta em nada a perspectiva do governo de se tornar mais ou menos popular, até porque a rejeição está muito perto do teto e reflete também o desencanto com a classe política brasileira”, diz. “Temer ainda tem bala na agulha, mas a palavra que define o momento é incerteza”.

Abaixo, os melhores trechos da entrevista concedida a EXAME.

O senhor acreditava que a denúncia seria suficiente para abalar o governo Michel Temer?

O governo mostrou que tem base parlamentar, e a denúncia não comoveu. A votação na Câmara terminou delineada por agendas políticas, tanto da base do governo como da oposição. Ambos jogaram com armas políticas tradicionais.

Nesse episódio tinha um governo de base parlamentar com capacidade de articulação do Congresso e do outro lado uma oposição completamente desarticulada, que sequer consegue montar uma manifestação na frente do Congresso. Não se pode esperar muito em termo de resultados. Por outro lado, as emendas parlamentares são prerrogativa do governo e são historicamente usadas como moeda de troca.

Eu, pessoalmente, sou muito crítico ao instituto das emendas, mas é utilizado o tempo todo. É o governo quem administra o ritmo de liberação e obviamente acelerou esse ritmo nos últimos meses. Aconteceu em todos os governos, em menor ou maior escala. É um jogo político normal, não há mocinho e bandido. O governo foi mais competente. 

Rigorosamente, eu diria que os aspectos propriamente jurídicos foram solenemente ignorados e a sociedade se manteve passiva. Mostrou-se uma velha máxima da política: não se derruba um presidente da República sem povo na rua. Com isso, existe um fenômeno de recuperação na economia, que é o maior eleitor desse governo.

Há uma inflação sob controle, juros em queda, tem balança comercial em ritmo favorável, queda pela primeira vez no último trimestre de desemprego desde 2014. Há uma série de elementos que diferenciam esse processo do impeachment de Dilma, quando o PIB caiu mais de 3% em 2016. Isso, em parte, explica a passividade da sociedade.

Com a reprovação e a ajuda do Congresso, o presidente provou que é possível governar de costas para o povo?

Temer nunca foi popular e nem parece que seja esse seu projeto. A impopularidade virou arma do governo para execução de uma agenda de reforma. A agenda é necessária, mas necessariamente impopular. Envolve congelamento de investimento, salariais, cortando benefícios, revisão de desonerações fiscais.

A agenda poderia ser conduzida com amplo apoio popular? É possível pensar um governo com apoio popular conduzindo uma reforma da Previdência no Brasil? Tenho minhas dúvidas e são perguntas a serem feitas. Mas, voltando, a votação da denúncia não afeta em nada a perspectiva do governo de se tornar mais ou menos popular, até porque a rejeição está muito perto do teto e reflete também o desencanto com a classe política brasileira.

Os índices de aprovação no Congresso e de personalidades públicas são também muito baixos. O governo não está preocupado com isso. O que agrava essa posição é que existe uma rejeição ao governo, mas é passiva, e existe uma oposição difusa às reformas. Há uma boa parcela do poder que as incentiva.

O Congresso normalmente é suscetível às pressões das bases eleitorais, em especial pelos interesses de reeleição. Eles apostam que a população vai esquecer até 2018?

É possível imaginar que o custo de um deputado assumir desgastes em votações impopulares aumente com o tempo. Agora, a relação entre a desaprovação do governo e o voto de cada deputado em situações como essa não é direta. O eleitor vota entre as alternativas apresentadas. Mesmo que um deputado desagrade parte de sua base eleitoral, não vai desagradá-la inteira e os eleitores não votam exclusivamente se o deputado deixou ou não de apoiar o governo. Em grande parte do país, muitos deputados de base regional dispõem de clientela política, justamente por meio das emendas parlamentares distribuídas. Muito deputados valorizam, na aritmética eleitoral, o acesso a cargos na base do governo, que dão acesso às verbas.

Evidentemente, deputados chamados “de opinião”, que dependem de um voto mais politizados e de atuação em grandes cidades e centros urbanos, são mais flexíveis a pressões de grupos organizados, redes sociais e eleitores comuns. Um exemplo é deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ). Teria muita dificuldade de se eleger no Rio de Janeiro caso fosse a favor do governo. Mas não são a grande maioria do Congresso, não é o perfil médio do congressista.

Para parlamentares como os membros da “tropa de choque” de Temer, haverá consequência palpável de ter acompanhado o governo? Os rostos ficaram muito marcados.

Eles ainda têm algumas alternativas. Podem apostar na polarização política. “Somos do governo que tem os problemas sabidos, mas aprovou reformas, recuperou economia, encerrou o ciclo petista, etc.” Se fossem casos irrecuperáveis, nenhum deputado da base de Dilma, com os resultados e a rejeição que tiveram, conseguiria se reeleger. Outro ponto, o clima eleitoral do país muda muito rapidamente.

O governo aposta que aprovando as reformas neste ano, confirmando o crescimento previsto do PIB em 2018 e recuo do desemprego, vai ter uma mudança de clima em relação ao governo. Nunca vai ser popular, mas passa a ser reconhecido como um governo que teve um trabalho relevante no contexto de uma recuperação política, de recuperação de prestígio econômico e retomada de agenda de reformas que foi perdida por mais de uma década.

Essa é a aposta: na virada e possibilidade de uma recomposição de um patamar mínimo de credibilidade. Isso pode se muito bem interpretado por cada deputado nas suas bases eleitorais. Por fim, em muitas regiões do Brasil o voto está “semi-distritalizado”. O deputado é representante da região.

A eleição não é por temas nacionais, mas para representar um conjunto de municípios e regiões ou grupos econômicos regionais, etc. São outros critérios, menos por uma demarcação política nacional, a favor ou contra o governo Temer, e mais por questões regionais.

A  agenda anticorrupção parece vir muito forte para 2018. O deputado Jair Bolsonaro vem crescendo com essa pauta. O jeito de votar não vai mudar?

Os desejos do eleitorado são legítimos, mas é preciso respeitar o funcionamento das instituições, as garantias e o sistema de pesos e contrapesos. Ceder ao discurso de salvadores da pátria é característica do populismo. O deputado Bolsonaro faz esse discurso genérico, como grande justiceiro do país. Ele tem sua autonomia.

A Câmara dos Deputados também tomou uma atitude de autonomia, mesmo votando contra o desejo majoritário da sociedade. Cada um pode ter acertado ou errado, mas afirmaram suas autonomias. A questão é: não se justifica o voto em prol da estabilidade econômica, desconsiderando questões éticas.

Se essa for a pauta de decisões no Congresso, ela é equivocada. A pauta correta de alguém que considerou a favor de Temer é achar que a denúncia não tem força. Há ações políticas corretas e incorretas. O fatiamento da denúncia, que paralisa o Congresso por tempo extra, também não é ideal. A oposição e setores do meio jurídico jogaram politicamente, o governo também e foi o mais competente.

Esse é o mundo real da política. Essa ideia ilusória de que é um jogo entre o bem e o mal se criou no ano passado, com o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Daqui para a frente, o que será possível esperar do governo?

A votação dessa semana criou expectativa de retomada da Previdência. A distância dos votos a favor do governo para os 308 votos necessários para as reformas é possível de ser zerada. Tem o PSDB, que dá mais 25 votos, houve 20 ausentes, alguns parlamentares do DEM e do PPS que votaram contra Temer ainda bancam a pauta reformista.

Tem que aproveitar o momento. Temer ainda tem bala na agulha, mas a palavra que define o momento é incerteza. Há possibilidade de uma nova denúncia, do surgimento de fatos novos, novas delações, etc. É um cenário de insegurança muito forte.

O governo sofre com o problema estrutural, que é cumprir a palavra de manter o déficit primário de 139 bilhões de reais. Não é claro como isso será feito, já que a arrecadação não vem reagindo. Há um espaço grande para recompor com revisão das desonerações fiscais, que cresceu muito nos últimos anos no Brasil, mas cada revisão com grupos de pressão, como os empresários, é um brutal desgaste político.

Agora a pressão por cargos deve se intensificar. Temer ainda tem como segurar o centrão e conciliar com o PSDB daqui em diante?

Para o centrão, é suficiente a mesma estratégia. Usar as moedas de troca por emendas e cargos — que não acabaram ainda, pois os gastos foram empenhados e não pagos —, dar carinho, atender parlamentares. Haverá empenho de mais projetos e são 22.000 cargos de confiança para oferecer. É lamentável essa negociação de Congresso. A reforma política poderia ser a eliminação deste instituto.

Mas, enquanto existir, o governo fará uso. O presidencialismo de “coalizão” virou há muito tempo de “cooptação”. O governo vai cortar gastos de outras áreas, não da fidelização da clientela. Hoje, o Planalto tem 11 partidos na base, o PSDB tem quatro ministérios e 50% da base traiu o governo. Mesmo assim, o presidente não retaliou porque precisa do PSDB.

Os tucanos não são importantes apenas numericamente, mas tem liderança e compromisso com a luta pelas reformas. Fora o peso que tem no Senado, que será muito importante depois. A mesma coisa o DEM, que é um partido que tem margem para crescer com Rodrigo Maia em papel de destaque. Assim vai levando.

Com todo esse cenário, dá para cravar que o governo Temer vai finalizar o mandato?

Há muita água para rolar embaixo da ponte. O grau de imprevisibilidade é gigantesco. Quem imaginaria a gravação de Joesley Batista? Mas sem uma nova hecatombe, tende a permanecer até o final.

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