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“Saio sem rusgas com a presidente Dilma”, diz Figueiredo

Em entrevista exclusiva a EXAME, o presidente da EPL e nome forte na área de transportes, Bernado Figueiredo, explica as razões para deixar o comando da empresa


	Bernardo Figueiredo: "Criar condições para atrair investidores é muito fácil. Mas é preciso pensar no usuário"
 (Renato Araújo/ABr)

Bernardo Figueiredo: "Criar condições para atrair investidores é muito fácil. Mas é preciso pensar no usuário" (Renato Araújo/ABr)

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Da Redação

Publicado em 4 de novembro de 2013 às 13h47.

São Paulo - Chamado pela presidente Dilma Rousseff em agosto de 2012 para montar a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), com a finalidade de dar mais impulso aos investimentos em infraestrutura, Bernardo Figueiredo está prestes a sair após pouco mais de um ano no cargo. O anúncio de sua saída foi envolto em rumores de divergências com o núcleo do governo.

Nesta entrevista exclusiva à reportagem de EXAME, Figueiredo diz que está saindo porque acredita ter cumprido sua tarefa: “Entrei para cumprir uma missão, que é estruturar uma empresa que vai planejar a logística do Brasil das próximas décadas. Ela está estruturada e posso voltar para casa”.

Ele negou que o motivo da saída sejam rusgas com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, ou com o secretário do Tesouro, Arno Augustin, com quem teria tido desavenças. Também negou que tenha sido o fato de o governo não ter feito o leilão do Trem de Alta Velocidade, controverso projeto de ligação ferroviária de Campinas ao Rio de Janeiro. E disse que a EPL mapeou novos investimentos a serem feitos pelo governo que somariam 350 bilhões de reais.

Figueiredo fica na empresa até dezembro, quando será substituído por Paulo Sergio Passos, ex-ministro dos Transportes. A seguir, trechos da entrevista.

EXAME - Por que o senhor está deixando a EPL?
Bernardo Figueiredo -
Eu entrei para cumprir uma missão, que era estruturar a EPL. Ela está estruturada, com equipe montada e 48 projetos. Com a consultoria do Vicente Falconi desde o início, desenhamos uma estatal nos moldes de empresa privada moderna, com gestão focada em resultado e processos. Isso é uma revolução cultural no setor público. A principal dificuldade é fazer a mudança de cultura no setor público, voltá-lo para projetos, metas e resultados. A empresa está pronta para rodar. Acho que cumpri a missão combinada com a presidente Dilma. Então é hora de voltar para casa.

EXAME - Quando a decisão de sua saída foi tomada?
Figueiredo - Eu vinha conversando com a presidente Dilma desde agosto sobre isso. A decisão foi tomada no final de setembro. Não houve sequelas no nosso relacionamento. Pelo contrário. Tenho o maior respeito pela Dilma. Sou muito grato pela oportunidade que ela me deu e vou continuar trabalhando em projetos que ela quiser. Me coloquei à disposição dela.

EXAME - Que contribuição o senhor acha que a EPL já deu ao país?
Figueiredo - Todo mundo fala dos gargalos de infraestrutura. Mas sempre falam dos gargalos olhando para eles. Nunca houve um olhar sistêmico dos gargalos. Qual o mais importante? Qual precisamos atacar primeiro? Fizemos um trabalho de organização das ações mais imediatas e preparamos a base para fazer isso de modo permanente. Fazer do planejamento um processo. Os planos serão atualizados anualmente, de forma que a gente possa ter a real percepção dos problemas. A ideia é ir além de apontar os gargalos que existem: a empresa está se preparando para apontar os gargalos antes que eles surjam. Aí poderemos atuar preventivamente. Estamos preparando a empresa para diagnosticar com antecedência problemas que o país vai ter pelos próximos 20 anos.

EXAME - O que foi feito para isso?
Figueiredo - Contratamos uma pesquisa de origem e destino de cargas e passageiros que vai começar agora em novembro. Vamos mapear o Brasil inteiro. Será a primeira pesquisa a medir o mercado de transportes que ninguém conhece, a identificar a origem e destino em aeroportos e estradas. Teremos a movimentação completa. Com isso vamos identificar os problemas e, em um ano, poderemos desenhar um projeto para um plano de desenvolvimento logístico.

EXAME - Como a pesquisa será feita?
Figueiredo - Vamos pegar 200 pontos do país e fazer medições quatro vezes em um ano para pegar a sazonalidade das movimentações. Vamos analisar a condição das estradas e aeroportos e a movimentação de cargas e passageiros. Lançamos os dados num software de simulação, que vai analisar onde vai estourar a demanda. Vamos identificar os futuros gargalos. E vamos saber quais os melhores investimentos a serem feitos. Tudo com base técnica. Agora, se as obras vão ser feitas ou não, aí não cabe à EPL dizer.


EXAME - E no curto prazo?
Figueiredo - Nós identificamos, com base em estudos feitos anteriormente, quais investimentos devem ser feitos em 2014, 2015 e 2016. A ideia é começar a preparar agora os estudos e licenças para obras que serão contratadas em 2015, para não haver problemas de atrasos. E, depois, começar a pensar no longo prazo, 2020, 2025. A ideia é que o governo deixe de ser reativo. Precisamos identificar o problemas e agir antes que eles se tornem realidade. Sofremos hoje porque não investimos nos últimos 30 anos.

EXAME - Que investimentos serão feitos?
Figueiredo - Investimentos de 350 bilhões de reais em todos os modais, que não estão no PAC nem no Plano de Investimentos em Logística (PIL). Analisamos mais de 4 000 propostas de projetos feitas por entidades como a Confederação Nacional da Indústria e identificamos o que precisa mesmo ser feito.

EXAME - Pode dar exemplos?
Figueiredo - Em matéria de ferrovia, é preciso fazer a ligação entre Porto Velho e Santarém. Santarém e o Tapajós (hidrovia) vão explodir como alternativa pois é mais lógico escoar a exportação do Centro-Oeste pelo Norte do que pelo Sudeste. A rodovia BR-163 vai ter a capacidade comprometida e o mais racional é fazer uma ferrovia. Também precisamos conectar a ferrovia Transnordestina com a Norte-Sul e estender a Norte-Sul até a região Sul, fazer a ligação do oeste de Santa Catarina com os portos catarinenses. Ha vários projetos apontados como prioridade que confirmamos agora para dar harmonia aos principais eixos. No caso das rodovias, estamos duplicando 7 500 quilômetros, mas nossa malha tem 60 000. Deveria ter 10 000 duplicados. Apontamos pontos críticos, como, por exemplo, contornos de cidade. Às vezes, mais importante que duplicar é fazer a travessia correta do centro urbano. Isso gera impacto nos portos. Aí, é necessário pensar em aumentar a capacidade portuária. Esses são novos investimentos não programados, mas identificados como necessários.

EXAME - O senhor acredita que a presidente Dilma Rousseff está realmente comprometida em melhorar a infraestrutura do Brasil?
Figueiredo - Antes de o presidente Lula lançar o PAC, o Ministério dos Transportes investia 2 bilhões de reais por ano em infraestrutura. Com o PAC, subiu para 15 bilhões de reais. Com o PIL (Programa de Investimentos em Logística, lançado por Dilma em 2012), os investimentos devem chegar a 50 bilhões.

EXAME - Há a impressão de que as obras não saem.
Figueiredo - A ferrovia Norte Sul foi lançada pelo Sarney na década de 80. Até 2006, ninguém falava que estava atrasada. Por quê? Porque não tinha cronograma. Havia programas genéricos, sem orçamento, sem prazo. Muitas das ações do PAC estavam previstas em programas de governos anteriores, mas não havia dinheiro, ninguém achava que as obras seriam executadas. Agora, há uma obrigação, uma cobrança por resultados. As obras têm cronograma. Quando executamos obras, deparamos com problemas. E, porque há cobrança, os problemas ficam evidenciados. E a presidente Dilma se preocupa, e muito, em resolver os problemas do país. Pode até ter dificuldades em mobilizar a máquina pública para cumprir os prazos. O governo saiu da inércia que houve por muitos anos.

EXAME - Mas muitos criticam o governo por não oferecer boas condições para os investimentos.
Figueiredo - Não concordo com as críticas. O governo Lula herdou contratos no setor de ferrovias que eram uma tragédia. Não garantia investimentos nem bom atendimento ao mercado. Porque os governos anteriores entregaram as ferrovias à iniciativa privada sem contrapartidas. Usaram um modelo claramente equivocado. E o governo Lula respeitou esses contratos. Não houve rompimento. Hoje propomos mudanças. Não atingimos os contratos antigos, mas nos novos vai ser diferente.

EXAME - Diferente como?
Figueiredo - Criar condições para atrair investidores é muito fácil. O que eles querem? Contratos longos, gastar o menos possível e que o preço do pedágio seja o maior possível. O governo não pode agir nesse sentido. É preciso pensar no usuário. Não fazemos programa para o investidor, mas para o Brasil. De que adianta duplicar as estradas no Mato Grosso se o valor do pedágio inviabiliza o transporte de cargas? Não é fácil conciliar os interesses. Por isso é preciso sentar à mesa e negociar. É no debate que se chega ao equilíbrio.

EXAME - Mas o governo não perde muito tempo nos debates?
Figueiredo - Considero normal haver uma discussão mais profunda e demorada com o setor privado. A situação mudou. Estamos exigindo investimentos de quem vencer a concessão. Isso atrai outro tipo de empreendedor. Repito: as concessões antigas não exigiam tantos investimentos. O governo fazia o investimento e dava para o privado fazer a manutenção. Agora é preciso colocar o investimento na frente da receita.


EXAME - E as discussões sobre as taxas de retorno (TIR)?
Figueiredo - É uma bobagem dizer que o governo tabela a TIR. Não tem lugar no mundo em que a TIR não seja usada para balizar as concessões. No começo do ano passado o governo fez uma concessão de ferrovia com TIR de 8%. Houve um deságio de 45%. Sabe por quê? Porque havia vários erros de dimensionamento de tráfego. A TIR, na prática, não era real.

EXAME - O senhor não criticou o governo por brigar com os investidores por causa da TIR?
Figueiredo - Nunca critiquei o governo por isso. O governo negocia a melhor condição pensando no público. Repito: o objetivo do programa de concessões não é simplesmente gerar oportunidades aos investidores. É reduzir o custo logístico do país. Temos de fazer isso com o investidor privado. Mas não podemos pensar só nele.

EXAME - Especula-se que um dos motivos de sua saída tenham sido divergências com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e o secretário do Tesouro, Arno Augustín. É verdade?
Figueiredo - 
A EPL não tem função no PIL. A minha função no programa foi promover, explicar porque o Brasil precisa dos investimentos. Quem faz as licitações são as agências. Não fizemos editais, nem contratos, nem definimos os termos. Houve discussões normais de trabalho (com Gleisi e Arno). Não sei da parte deles se tem algum... leio na imprensa que teve críticas, mas não sei. Eu, pessoalmente, não tenho problema com nenhum deles. E não saio por isso.

EXAME - O senhor saiu porque não houve o leilão do Trem de Alta Velocidade (TAV)?
Figueiredo - 
Eu participei da decisão do adiamento da licitação do TAV. E, ao contrário do que saiu na imprensa, o leilão não foi adiado porque não tinha investidor. Mas porque eles pediram prazo adicional. Os espanhóis e alemães pediram adiamento de pelo menos um ano porque disseram que não havia tempo para que pudessem participar.

EXAME - Afinal, o TAV vai sair?
Figueiredo - 
Isso é uma decisão política. Tecnicamente, te digo que, sim, precisa sair. Quem critica o TAV não aponta soluções para o problema que haverá no eixo Rio-São Paulo. O TAV pode tirar cidades como São José dos Campos, Resende, Campinas, Volta Redonda, do limbo. São áreas com enorme potencial de crescimento. Mas qual a chance de São José crescer com a infraestrutura que tem hoje? Tem gente que acha que avião vai resolver tudo. Não vai. O trem dá de 10 em termos de atendimento, custos, capilaridade, desenvolvimento regional ou desconcentração populacional. O TAV vai permitir uma pessoa morar em Volta Redonda e trabalhar no Rio de Janeiro com mais conforto.

EXAME - Mas precisa fazer agora?
Figueiredo - 
Já ouvi técnicos dizendo que só precisa de TAV daqui a dez anos. Para ele funcionar em dez anos, precisa começar a ser feito agora. Se deixar para pensar em construí-lo em dez anos, vai ter problema. Porque será criado um gargalo na região. Engraçado que que cobram do governo planejamento para evitar gargalo. Aí vamos fazer algo e dizem que não é prioridade... Já foi feito estudo que mostrou que haverá um gargalo na região e a melhor solução é o TAV.

EXAME - Mas o país precisa de um trem de alta velocidade? Não pode ser algo mais simples?
Figueiredo - 
Não tem um lugar no mundo que alguém esteja construindo um trem de média velocidade. Seria burrice. Usar uma tecnologia do século 20 num projeto do século 21 não faz sentido porque logo ele terá de ser refeito. Quem vai largar a Ponte Aérea Rio-São Paulo para pegar um trem de seis horas? Irracionalidade.

EXAME - O senhor sai da EPL com alguma frustração?
Figueiredo - 
Não, pelo contrário. Fiz na EPL o que achei que nunca teria chance de fazer, que é ajudar a criar uma cultura de planejamento de logística no país. Comecei a trabalhar com transporte há 40 anos. Comecei no Geipot (Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes), uma empresa criada para planejar o transporte. E encerro a carreira recriando a empresa. Tive de esperar muitos anos para reconhecerem que foi um erro acabar com o Geipot. Vivi na EPL o que sempre quis.

EXAME - O senhor vai se aposentar mesmo?
Figueiredo - 
Tenho planos de continuar trabalhando com transporte, mas de forma mais acadêmica. O que falta hoje é um debate qualificado sobre transporte. Tem muita gente que nunca estudou e tem opinião formada sobre as coisas. O debate precisa estar mais bem qualificado. Por isso quero abrir um centro de referência de estudos em transporte.

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