Roubini discorda de Mantega quanto à estratégia para conter real
Economista que previu a crise financeira de 2008 afirma que cortes nos gastos podem atrair ainda mais capital
Da Redação
Publicado em 11 de janeiro de 2011 às 10h27.
Nova York/Rio de Janeiro - Nouriel Roubini, o economista da Universidade de Nova York que previu a crise financeira mundial, diz que tem falhas a proposta do ministro da Fazenda, Guido Mantega, para frear a valorização do real por meio de cortes de gastos.
O Brasil planeja uma “ação fiscal forte” para conter a demanda e desaquecer a inflação, o que abriria caminho para que o Banco Central corte os juros, disse Mantega a repórteres em 4 de janeiro em Brasília. Juros mais baixos reduziriam o interesse de estrangeiros por ativos de renda fixa do País e ajudariam a frear a alta de 37 por cento do real em relação ao dólar nos últimos dois anos, disse Mantega. O comentário ecoa argumentos de economistas, como o ex-presidente do BC Armínio Fraga.
Roubini diz que o tiro pode sair pela culatra, atraindo ainda mais capital, já que os cortes de gastos públicos reduziriam o déficit no orçamento e aumentariam a qualidade do crédito do País. Gastos menores do governo também segurariam o déficit recorde nas transações correntes, o que também impulsionaria o real, disse ele.
“Não estou convencido do argumento”, disse Roubini em entrevista por telefone em 7 de janeiro. “Se você é forte do ponto de vista fiscal, então você é ainda mais atraente como país e mais dinheiro virá para você.”
O dólar caiu para o menor valor em 28 meses, a R$ 1,6435, na semana passada. O juro básico a 10,75 por cento atrai capital de investidores em busca de alternativas às taxas próximas a zero nos Estados Unidos e no Japão. Estrangeiros aplicaram um valor recorde de US$ 62 bilhões em títulos de dívida brasileira e ações nos primeiros 11 meses de 2010, contra US$ 46 bilhões em 2009, segundo dados do BC.
Operações com derivativos
O juro real brasileiro, que desconta a inflação, está em 4,8 por cento, o segundo mais alto do mundo, só perdendo para a taxa da Croácia, de acordo com todas as economias acompanhadas pela Bloomberg.
Os cortes no orçamento vão permitir que o BC reduza os juros do País na hora certa, disse Mantega em 4 de janeiro. Segundo ele, haverá menos operações de arbitragem entre as taxas do exterior e as brasileiras.
O ministro não quis dar detalhes do plano de corte de gastos.
Numa medida publicada ontem, a presidente Dilma Rousseff autorizou o Fundo Soberano do Brasil a operar com derivativos, a iniciativa mais recente do governo para segurar os ganhos do real e dar apoio aos exportadores. Mantega disse a jornalistas ontem em Brasília que não espera que o Fundo Soberano perca dinheiro com as apostas contra o real, porque ele está certo de que a valorização está chegando ao fim.
Grau de investimento
A valorização do real de 37 por cento desde o final de 2008 é a segunda maior em mercados emergentes depois do rand da África do Sul. A apreciação em 110 por cento desde que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência em 2003 é a maior do mundo. O Brasil recebeu a classificação de grau de investimento em 2008 pela primeira vez, recebendo a nota de crédito BBB-, uma classificação acima da escala de “junk” ou alto risco, da Standard & Poor’s.
Fraga, que hoje é presidente do conselho da BM&FBovespa SA, dona da maior bolsa da América Latina, tem sido uma voz de liderança entre economistas de bancos incluindo o Goldman Sachs Group Inc. e o BNP Paribas, que dizem que o Brasil deve cortar gastos governamentais para desacelerar o investimento no mercado de renda fixa.
O déficit orçamentário expandiu-se de 1,6 por cento do produto interno bruto em 2008 e 2009 para 2,7 por cento nos 12 meses até novembro do ano passado. O déficit público cresceu depois que Lula aumentou os gastos para ajudar o País a sair da recessão global. O aumento do déficit orçamentário ajudou a impulsionar o déficit em transações correntes, uma das medidas mais amplas do comércio exterior, para o valor recorde de US$ 49 bilhões nos 12 meses até novembro.
Fraga disse em uma entrevista no estado americano da Flórida em 18 de outubro que cortes no orçamento ajudarão a “criar condições para a queda dos juros”. Ele não respondeu a uma ligação e uma mensagem de email para mais comentários ontem.