Brasil

RJ: após 5 mortes, ONGs investigam atuação de "snipers" em Manguinhos

Segundo moradores, as vítimas teriam sido atingidas por projéteis disparados do alto de uma torre da polícia

Maguinhos: militares junto a uma mulher com seu filho em uma rua da favela de Manguinhos, em 18 de fevereiro de 2018 (Eugenia Logiuratto/AFP)

Maguinhos: militares junto a uma mulher com seu filho em uma rua da favela de Manguinhos, em 18 de fevereiro de 2018 (Eugenia Logiuratto/AFP)

A

AFP

Publicado em 21 de fevereiro de 2019 às 13h58.

Moradores da favela de Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro, denunciaram que pelo menos 5 pessoas que morreram baleadas desde outubro foram atingidas por projéteis disparados do alto de uma torre da polícia por "snipers", segundo investigação seguida de perto por organizações de defesa dos direitos humanos.

Os casos ocorreram entre outubro do ano passado e janeiro deste ano e acenderam o alerta entre especialistas obre uma possível escalada em casos de abusos policiais, incentivada pelo discurso de tolerância zero contra a criminalidade do presidente Jair Bolsonaro e do governador do Rio, Wilson Witzel.

Uma situação sensível ainda mais em uma cidade, duramente castigada pela violência, especialmente nos bairros pobres, onde traficantes de drogas, milícias e forças do Estado travam uma "guerra" que faz milhares de vítimas a cada ano.

Carlos Lontra, de 27 anos, foi acertado por um tiro em 25 de janeiro em uma praça de Manguinhos. Quatro dias depois, Rômulo da Silva, de 37, foi baleado, enquanto andava de moto pelo mesmo lugar. No mesmo 29 de janeiro, um jovem de 22 anos foi atravessado por uma bala em circunstâncias similares, mas sobreviveu.

"Moradores disseram que as vítimas não representavam ameaça para ninguém quando foram baleadas, o que torna a denúncia extremamente grave, por representar, se comprovada, ação absolutamente ilegal e excessiva por parte da polícia", disse à AFP Maria Laura Canineu, diretora da ONG Human Rights Watch Brasil, que pede uma investigação independente sobre o caso.

Embora os tiroteios nas favelas sejam comuns no Rio, que registra um alto número de vítimas de balas perdidas, quem presenciou os episódios em Manguinhos assegura que foram tiros isolados, provenientes de uma torre na Cidade da Polícia, um complexo policial situado a 250 metros de distância da comunidade.

"Não estava tendo operação policial, não estava tendo troca de tiros [quando ocorreram as mortes]", disse à AFP Pedro Strozenberg, ouvidor geral da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que acompanhou uma perícia feita esta semana no bairro, catalogado pela Polícia como uma "zona vermelha", dominada pelo narcotráfico.

A investigação, que segundo a Polícia ainda está em curso, é seguida de perto pelo Ministério Público e por organizações de defesa dos direitos humanos, pois a torre em questão pertence à própria Polícia Civil, força encarregada de fazer investigações.

Execuções extrajudiciais

As denúncias sobre Manguinhos se somam a outro caso que fez o Rio de Janeiro estremecer em 8 de fevereiro, quando uma operação policial em comunidades de Santa Teresa, bairro turístico do centro da cidade, deixou 13 mortos e despertou, segundo a Defensoria Pública, suspeitas de que as mortes tenham resultado de uma execução sumária.

Para Strozenberg e Canineu, os discursos de Bolsonaro e do governador Witzel tornam o ambiente mais propício para os excessos policiais. Durante a campanha, Witzel defendeu o uso de franco-atiradores para abater à distância criminosos armados com fuzis.

O que ocorreu em Manguinhos "é uma concretização de uma fala aparentemente abstrata [do governador] durante a campanha eleitoral. É preocupante porque a hipótese é que ela venha de uma unidade da Polícia do Rio de Janeiro, atingindo de forma aleatória moradores que passam por um trecho da favela de Manguinhos", defende Strozenberg.

Para Canineu, é "precipitado fazer essa correlação entre as falas do governador" e os supostos franco-atiradores de Manguinhos, "mas logicamente os posicionamentos de Witzel a favor de políticas de segurança linha-dura geram um ambiente mais propício a excessos policiais".

Segundo cifras oficiais, o Rio de Janeiro registrou 1.530 mortes nas mãos de policiais em 2018, o ano mais letal desde o início da série histórica, em 2003.

A violência também cobrou a vida de 92 agentes da Polícia Militar este ano. Em 2017, tinham sido 163.

"Sabemos que muitos desses homicídios são resultantes de confrontos, mas nosso trabalho histórico no estado indica que muitos são execuções, ou seja, sérias violações de direitos humanos cometidas pela polícia", acrescentou Canineu.

Entre suas primeiras medidas de governo, Bolsonaro assinou um decreto que facilita a posse de armas para os cidadãos de todo o país.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, apresentou ao Congresso um projeto de lei que endurece o regime de prisão para membros do crime organizado e habilita os juízes a reduzir - e inclusive deixar de aplicar - penas a agentes do Estado que, agindo em legítima defesa, tenham uma reação excessiva devido ao "medo, surpresa ou violenta emoção".

Para os defensores dos direitos humanos, o projeto dá "carta branca" para a polícia executar suspeitos.

Com mais de 63.000 homicídios por ano, o Brasil é um dos países mais violentos do mundo.

Acompanhe tudo sobre:HomicídiosRio de JaneiroViolência policialViolência urbana

Mais de Brasil

Governadores do Sudeste e Sul pedem revogação de decreto de Lula que regula uso de força policial

Pacote fiscal: Lula sanciona mudanças no BPC com dois vetos

Governo de SP realiza revisão do gasto tributário com impacto de R$ 10,3 bilhões

Bandeira tarifária de janeiro se mantém verde, sem cobrança extra