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Quem foi Giordano Bruno e o que ele tem a ver com o caso do Acre

Em uma era de opressão da Igreja Católica, o filósofo italiano afirmou que o universo é infinito – e que cada estrela tem seus próprios planetas

Giordano Bruno: frade italiano nascido em 1548 entrou para a história após questionar abertamente crenças fundamentais da Igreja Católica (Superinteressante/Wikimedia Commons)

Giordano Bruno: frade italiano nascido em 1548 entrou para a história após questionar abertamente crenças fundamentais da Igreja Católica (Superinteressante/Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 6 de abril de 2017 às 10h08.

Última atualização em 6 de abril de 2017 às 11h44.

Suas definições de “fugir de casa” foram atualizadas: Bruno Borges, estudante de psicologia de 24 anos, almoçou com a família em 27 de março, uma segunda-feira normal em Rio Branco, capital do Acre.

Após um lacônico “até mais, pai”, dobrou o quarteirão e desapareceu – em seu quarto, deixou 14 grossos livros manuscritos criptografados e uma estátua do filósofo e teólogo italiano Giordano Bruno avaliada em R$ 7 mil.

Um vídeo gravado no interior do cômodo se espalhou em um piscar de olhos pelas redes sociais, e a estupefação não ficou reservada a ufólogos e teóricos da conspiração: até os cidadãos mais insuspeitos pensam estar diante de uma espécie de gênio ou profeta, e aguardam curiosos o desfecho da história.

https://twitter.com/vicamachadoc/status/849696707008974848

Referências acadêmicas não faltam na hora de interpretar o caso: um colunista do Estado de S. Paulo já até percebeu semelhanças entre a vida de Bruno Borges e um conto obscuro de Machado de Assis.

Mas quem foi, afinal, Giordano Bruno – ídolo e xará do rapaz desaparecido –, e o que seu pensamento tem a ver com o do estudante?

Filósofo, matemático, astrônomo, poeta e teólogo – seu currículo é maior que uma nota fiscal de compra do mês.

O frade italiano nascido em 1548 entrou para a história após questionar abertamente crenças fundamentais da Igreja Católica, como a existência de céu e inferno, a danação eterna e a concepção de Cristo por uma mulher virgem.

Bruno também era uma espécie de herdeiro intelectual do heliocentrismo de Nicolau Copérnico, e não se limitou a concordar que a Terra é que dava voltas em torno do Sol – o que na época, por si só, era o suficiente para morrer na fogueira dos tribunais eclesiásticos.

Observando o céu, foi além e concluiu que as estrelas não eram só pontos de luz, mas outros “sóis” muito distantes.

Cada um teria seu próprio conjunto de planetas girando em torno de si, e qualquer um desses corpos poderia abrigar vida – doutrina visionária que ganharia o nome de “pluralismo cósmico”.

Na obra A Causa, o Princípio e o Uno, ele diz: “o universo é, então, uno e infinito (…) Não é possível compreendê-lo e ele não tem limites.

Nesse sentido, ele é indeterminável, e consequentemente imóvel.” Em Sobre o Infinito do Universo e os Mundos, Bruno também afirma que outros planetas “não têm menos virtude nem uma natureza diferente da de nossa Terra”, e, como ela, “contêm animais e habitantes.”

Por trás de sua visão de infinito estava o panteísmo: a crença de que Deus não é uma figura metafísica separada do universo palpável, mas que ambos estão em completa identificação e são, no fundo, a mesma coisa.

O filósofo, apesar da perseguição, chegou a lecionar Aristóteles na Universidade de Halle-Wittenberg, uma instituição de ensino alemã luterana – os protestantes, fiéis a seus princípios de livre interpretação da Bíblia, toleraram sua subversão teórica por mais tempo que católicos tradicionais.

Ele foi queimado em 1600, e se tornou um mártir dos iluministas no século 19. Até hoje é símbolo da liberdade de pensamento e expressão, e suas ideias estão na vanguarda da astronomia contemporânea: o telescópio Kepler, lançado pela Nasa em 2009, já identificou mais de 2,3 mil dos mundos distantes que habitavam os sonhos de Giordano Bruno.

No ano passado, o Observatório Europeu do Sul (SEO) anunciou a descoberta de Proxima B, exoplaneta com temperaturas médias de 30º e água líquida – e um forte candidato a abrigar vida como a conhecemos.

Não bastasse uma Terra 2.0 tão próxima de nós (meros 4,2 anos-luz, um pulinho na escala cósmica), também há uma área de pesquisa interdisciplinar que une biólogos, bioquímicos e cientistas planetários em uma tentativa de imaginar como a vida poderia surgir sem oxigênio, carbono e outros elementos da tabela periódica essenciais para a biologia terráquea.

Chamada Astrobiologia, ela já tem até representantes brasileiros, e a Universidade de São Paulo lançou recentemente um e-book gratuito sobre o assunto.

Ainda é cedo para especular qual foi o tamanho da influência de Giordano Bruno sobre o brasileiro Bruno Borges. Jorge Rivasplata, escultor de 83 anos a quem o rapaz encomendou a estátua, declarou à imprensa que deu um desconto especial ao rapaz, e acredita que ele é a própria reencarnação do filósofo – que teria voltado à Terra para terminar sua obra interrompida de forma trágica.

O conteúdo dos seus livros ainda é um mistério. Um dos volumes, cujo título já foi decifrado, se chama “A teoria da absorção do conhecimento”. Ao portal G1, a irmã mais velha do rapaz desaparecido comentou pequenos trechos que já foram decodificados.

“Tem um que fala sobre a busca da verdade absoluta. Não temos nenhum texto completo. Acreditamos que vai aparecer alguém em que sintamos essa confiança. Não queremos divulgar imagens para as pessoas tentarem decifrar.”

Alguns detalhes, porém, são reveladores – o principal deles é um autorretrato de Borges ao lado de uma figura genérica de extraterrestre, pendurada sobre o “papel de parede” de inscrições misteriosas.

Terá seu interesse por vida alienígena alguma relação com as teorias do Bruno italiano? Resta aguardar as investigações, que por enquanto são mantidas em sigilo pela Polícia Civil.

Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Superinteressante.

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