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Projeto que cria uma poupança com monetização de dados pessoais avança na Câmara; entenda

O PL, apresentado em 2023, pretende criar um processo de monetização e comercialização dos dados de pessoas físicas e jurídicas, que pode gerar uma poupança social digital para os brasileiros

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 30 de junho de 2024 às 13h10.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), determinou na última semana a criação de uma comissão especial para discutir o Projeto de Lei Complementar nº 234/23, de autoria do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), que estabelece um “Ecossistema Brasileiro de Monetização de Dados”. O PLP, apresentado em 2023, pretende criar um processo de monetização e comercialização dos dados de pessoas físicas e jurídicas, que pode gerar uma poupança social digital para os brasileiros.

Em agenda na Conferência Internacional do Trabalho, na Suíça, no início do mês, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu tratou indiretamente sobre o tema ao dizer que a Inteligência Artificial desenvolvida por grandes big techs é "a esperteza de empresas que acumulam todos os dados de todos os seres humanos sem pagar um único centavo de dólar para o povo". Lula disse que era uma "tarefa revolucionária" mudar esse quadro.

A fala do presidente, apesar de não estar ligada diretamente ao PLP, detalha uma das principais ideias do projeto: que a população seja remunerada pela exploração de seus dados por grandes empresas.

Monetização de dados pessoais: um mercado de US$ 1,8 trilhão

Em entrevista à EXAME, Chinaglia, o autor do projeto, diz que a proposta é bastante "extensa e complexa", pois trata de todos os aspectos para assegurar o direito à propriedade de dados. Em suma, o PLP traz novos mecanismos e também aprimora a Lei Geral de Proteção de Dados (LGDP), em sua avaliação.

Chinaglia afirma que a determinação de criar a comissão é um primeiro passo, e que os líderes das bancadas devem definir os parlamentares que vão discutir — e aprimorar — o projeto. A expectativa do autor do PLP é que a discussão reúna diferentes campos políticos.

"O projeto de lei ultrapassa a disputa entre oposição e situação e a polarização entre “esquerda” e “direita”", afirma. "Não é um projeto ideológico, mas sim um projeto de lei que tem como objetivo o interesse público e voltado para garantir renda para o cidadão titular dos dados que são compartilhados, e que permitirá colocar o Brasil na vanguarda mundial nesse tema, inclusive para que possamos estabelecer um novo paradigma: o da soberania de dados."

O parlamentar detalha ainda que os dados gerados no Brasil, por cidadãos brasileiros ou aqui residentes, poderão ser compartilhados para uso no exterior, mas deverão ser observadas as regras fixadas pelo projeto para a proteção do interesse dos titulares dos dados.

"A proposta é consistente, ainda, com recomendações de organizações internacionais, como a OCDE, o Fórum Econômico Mundial, a ONU e debates travados na Comissão Europeia há mais de 20 anos sobre a necessidade de garantir a propriedade de dados para o seu titular, ou seja, quem gera o dado a partir dos relacionamentos comerciais, bancários ou mediados por tecnologia", afirma Chinaglia.

Segundo dados levantados por Chinaglia, o mercado potencial para a monetização de dados é estimado em cerca de US$ 1,8 trilhão, e que pelo menos 20% desse valor poderá ser revertido para os titulares dos dados, que hoje nada recebem pelo compartilhamento de seus dados.

O valor que será acumulado, individualmente, pela venda dos dados ainda será objeto de debate durante a tramitação do projeto. Estimativas iniciais citadas pelo autor do projeto indicam que a monetização de dados poderá assegurar uma remuneração média de US$ 50 por mês para cada titular de dados, ou seja, quase R$ 300 mensais.

João Leite Bezerra,João Bezerra Leite, Head de investimentos em fintechs na bossa invest e ex-CTO do Itaú Unibanco, vê o projeto como uma iniciativa pioneira e uma inovação sustentável para o país.

"A monetização dos dados pode ser a grande cereja do bolo para unificar o mundo progressista, que visa reduzir a desigualdade social, e o mundo tecnológico para a inclusão social. O Brasil tem a oportunidade de sair na frente dessa discussão", diz Bezerra.

Com mais de 40 anos de experiência no setor de tecnologia e financeiro, Bezerra afirma que a discussão também está ocorrendo em outros países, como os Estados Unidos e Emirados Árabes Unidos, mas o Brasil parece estar com o assunto mais amadurecido no momento. O especialista acrescenta que a medida tem potencial de criar novos "campeões nacionais" baseados em tecnologia, e elevar o patamar do Brasil na arena internacional.

"Esse PLP pode trazer novos campeões nacionais, como Nubank, mas baseados em tecnologia, e não em commodities como é hoje", afirma. "E o Brasil pode ser pioneiro no mundo."

Detalhes da medida

Em resumo, a “Lei Geral de Empoderamento de Dados” visa estabelecer um marco legal para a proteção e monetização de dados pessoais no Brasil. A ideia é criar o Ecossistema Brasileiro de Proteção de Dados, que garantiria o direito de propriedade do titular dos dados, as regras para a cessão de uso desses dados, e sua participação na renda gerada pelo uso e compartilhamento desses dados.

O texto propõe também a tributação das receitas provenientes da monetização de dados pelas empresas participantes do ecossistema, com a adoção de alíquotas diferenciadas vinculadas ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.

A ideia da medida é abordar a necessidade de ajustes legais, como a inclusão no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor dos direitos de propriedade como base para a proteção dos dados pessoais, e a definição de conceitos como monetização de dados para fortalecer a regulação e garantir a participação efetiva dos titulares de dados no ecossistema de dados.

Como seria a poupança dos dados

O texto da medida afirma que a monetização de dados contempla a coleta e processamento de dados de uma pessoa física ou jurídica para a geração de receita ou um benefício econômico.

Isso envolve a coleta e análise de dados pessoais, a fim de criar perfis de consumidores e direcionar publicidade personalizada, desenvolver produtos e serviços, identificar padrões comportamentais, e gerar novos conjuntos de informações de interesse de quem os adquire, produzindo um benefício quantificável para quem coleta e processa os dados.

Segundo o autor do projeto, deverá ser disponibilizado ao titular de dados "um aplicativo digital para monitoramento e controle e gestão, do uso e compartilhamento de dados ou informações pessoais ou relacionadas a transações de qualquer natureza de que participe e do recebimento, em conta individual, de participação nas receitas auferidas pelos controladores ou operadores a título de monetização, mediante o uso de criptografia/blockchain ou tecnologia que assegure a privacidade e segurança do controle".

A previsão é que seja criada uma “identidade individual de dados”, intransferível, digitalmente certificada, vinculada a uma conta individual de poupança de dados em instituição financeira ou instituição de pagamento autorizada pelo Banco Central.

Essa conta, no caso de o titular não ter outra conta bancária, será o destino dos recursos que o cidadão terá direito a receber, e vai ser acumulada a cada transação que gere receitas.

É o início de um debate que pode colocar o Brasil na dianteira — e, dessa vez, por uma boa razão.

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