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Presença da mulher negra na literatura ainda é pequena

Seja como autora ou personagem, o número de negras nos livros mostra uma homogeneidade racial que não corresponde à realidade da sociedade brasileira


	Autora do livro "Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada", Carolina Maria de Jesus nascia há 100 anos e ainda é uma das poucas referências da mulher negra na literatura brasileira
 (Audálio Dantas/Agência Brasil/Agência Brasil)

Autora do livro "Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada", Carolina Maria de Jesus nascia há 100 anos e ainda é uma das poucas referências da mulher negra na literatura brasileira (Audálio Dantas/Agência Brasil/Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 14 de março de 2014 às 13h47.

São Paulo - Passados mais de 50 anos da publicação do primeiro livro da escritora Carolina Maria de Jesus (1914-1977), a presença da mulher negra na literatura, seja como autora ou como personagem, ainda é pequena e mostra uma homogeneidade racial que não corresponde à realidade da sociedade brasileira.

A pesquisadora Andressa Marques, mestra em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB), contabiliza apenas seis romancistas negras contemporâneas.

Uma pesquisa da mesma universidade, coordenada pela professora Regina Dalcastagnè, com base na análise de 258 livros publicados no período de 1990 a 2004, registra a presença de 79,8% de personagens brancas entre os de maior importância.

O Censo Demográfico 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) aponta que pouco mais de 50% da população do país se declarou parda ou negra.

“À mulher negra se espera que ela faça muita coisa: cozinhe, dance, cuide de uma casa. Há todo um processo histórico que colocou essa mulher em determinadas posições.

Não se acredita muito na competência dela para escrever”, avalia a escritora afro-brasileira Conceição Evaristo, doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

Para Andressa Marques, essa ausência tem um impacto importante na formação da sociedade brasileira, pois a literatura, ao dar voz apenas a determinados segmentos, constrói uma forma distorcida das representações sociais. “O sistema educacional, por exemplo, vai recorrer à literatura como um aporte de formação cidadã. Ao passo que a gente não se vê representado nessa literatura, corremos o risco de ter uma representação uníssona da sociedade. É como se a gente estivesse em um país que fosse totalmente homogêneo”, declarou.

Nesse sentido, Conceição acredita que esta é uma das principais contribuições de Carolina à literatura brasileira. “É a possibilidade ou a necessidade de ter vozes mais diferenciadas no sistema literário brasileiro”, apontou.


Para ela, não há dúvida de que a produção de Carolina tenha valor literário. “Ela marca essa possibilidade de grupos trabalharem com a língua portuguesa conforme a sua própria competência. A literatura brasileira é essa possibilidade de pessoas de diversos estratos sociais utilizarem a língua de acordo com a sua experiência”, destacou.

Inspirada pela obra de Carolina de Jesus, Conceição Evaristo é uma das romancistas negras de maior destaque no campo literário brasileiro atual. Autora de livros como Ponciá Vicêncio e Becos da Memória, ela conta que o primeiro contato com o texto de Carolina revelou um sentimento de aproximação de realidades. “Naquele momento, eu também morava em uma grande favela de Belo Horizonte. Minha família toda se interessou. A gente lia como se fosse também personagem daquele diário e isso nos marcou muito”, relembra.

A influência na família foi tanta que a mãe de Conceição passou a escrever um diário depois de conhecer a obra de Carolina. “Ela escreve muito marcada por saber que outra mulher, igual a ela, favelada, tinha feito um diário”, conta.

A autora guarda esse testemunho como um objeto de recordação familiar, mas a produção dela também é alimentada por esse registro, como ocorre em Becos da Memória.

Conceição lembra que havia um ambiente social receptivo à produção de Carolina. “O que ela estava dizendo, era aquilo que nós [dos movimentos populares] também de certa forma falávamos. Nós éramos a Carolina”, relata ela, que era atuante no movimento operário e trabalhou como doméstica quando estudava. “Ao simbolizar a voz do povo, ela trazia para a classe média, para os intelectuais, para a militância católica, a voz do povo que esses grupos queriam, pretensamente, ouvir”, avaliou.

Para a professora, o mesmo ambiente que tornou a palavra de Carolina necessária o deixou cair no esquecimento. “Ela não era aquela que falava da luta de classe, ela falava de uma forma muito particular, a partir da experiência. Não era um discurso que criticava, por exemplo, as estruturas econômicas. Tem um texto que diz que em um ano ela foi tudo e no outro ano ela foi carta fora do baralho”, apontou.

Conceição avalia que a absorção do discurso de Carolina era uma forma também de a classe média, a intelectualidade e a classe política expurgarem uma culpa latente pela existência dessa condição miserável ao qual muitos estavam sujeitos.

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