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Por que (quase) ninguém viaja para o Brasil?

Enquanto o turismo cresce no mundo, o Brasil inteiro recebe menos visitantes que Miami. Onde estamos errando?

Turismo: estamos na casa dos 5 milhões de turistas internacionais desde 1998 (Divulgação/Exame/Divulgação)
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Da Redação

Publicado em 3 de novembro de 2017 às 17h43.

Última atualização em 3 de novembro de 2017 às 19h02.

SevocêjápassouofimdoanoemBúzios, Floripa ou MorrodeSão Paulo, provavelmente reclamou da multidãodeargentinos e uruguaios invadindo nossa praia. Parece que tem gringo demais tirando férias por aqui, certo? Errado.

Omundo está viajando cada vez mais, é verdade.Deacordo comorelatório do World Travel & Tourism Council (WTTC)de2016,oturismo cresce há cinco anos consecutivos mais do que a economia global, principalmente nos paísesemdesenvolvimento.

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MasoBrasil não está nesse bonde: estamos na casa dos 5 milhõesdeturistas internacionais desde 1998. Ou seja,sea nossa economia vive uma recessão nos últimos anos,oturismojáestá assim há quase duas décadas.

Pior: mesmo contando com mais praias do que uma família seria capazdeconheceremcinco gerações e tendo tantas belezas naturais quanto Miami temdebrasileiro,oPaís não está nem entre os 40 mais visitados do mundo.

Perdemos até para Miami, que é destinodemaisde7 milhõesdeturistas porano. MesmooColiseu (4 milhõesdevisitantes anuais) recebe quase tanta gente quantooBrasil todo.

“Sim, massevocêmora na Europa é só pegarocarro para visitaroColiseu.OBrasil não é tão acessível assim”, diria algum advogado do diabodeplantão. Mas não, excelência.

A África do Sul, que não é exatamenteolugar mais acessível da Terra, atingiu recentemente a marca dos 10 milhõesdeturistas. A Tailândia, distante para europeus e americanos, 28 milhões.

OMéxico, que só fica perto mesmo dos EUA e do Canadá, 30 milhões.

OPeru, aqui ao lado, experimentou um crescimentode340% no númerodeturistas nos últimos 15 anos, saltandode800 mil visitantes para 3,5 milhões, enquantooBrasil permaneceu estagnado. E nofimseguimos com menos turistas que países como Tunísia e Bulgária.

Tudo isso forma um cenário ainda pior do que parece.Oturismo é cada vez mais importante na economia global, e na economia do Brasil não é diferente. Sóem2015,osetor gerou maisde2,6 milhõesdeempregos diretos por aqui.

Sem falar queoBrasil apareceemdécimo lugar no ranking da WTTC, que compara a relevância do turismo no PIB dos países.

A questão é que 94% dessa participação provémdeviagens domésticas,denós mesmos indo curtiroverão na Bahia eoinvernoemGramado.

“Temos um turismo interno relativamente forte, mas nosso potencial internacional é um dos menos aproveitados do mundo”, diz Vinicius Lummertz, presidente do Instituto BrasileirodeTurismo (Embratur).

Portos ruins: aportar no Brasil sai 20 vezes mais caro do que lá fora. Culpa do mau estado dos portos e da burocracia. Nisso, os cruzeiros fogem daqui (Estúdio Rufus)

A Embratur foi criadaem1966 para cuidardetudo que diz respeito a turismo no Brasil, desde capacitaçãodepessoal a obras e divulgação.

Com a implantação do Ministério do Turismoem2003, elapassouasededicar exclusivamente à promoção do Brasil como destino no exterior. Isso é feito com participaçãoemfeiras, financiamento da vindadejornalistas estrangeiros, campanhasdemarketing e produçãodeconteúdo escrito e audiovisual.

Oórgão teve US$ 17 milhões para trabalharem2015 e conta com 13 escritórios no exterior (na Argentina, Peru, Holanda, Alemanha, Espanha, França, Itália, Portugal, Inglaterra, Japão e três nos Estados Unidos).

Nossos vizinhos latinos gastam bem mais:oPeru tem 38 escritórios ao redor do mundo, eoórgão federaldepromoção mexicano gasta US$ 50 milhões.

E vão muito alémdeaparecer numa feira: a PromPeru, agênciadepromoção peruana, faz acordo com marcas para realizar ensaiosdemoda usandoopaísdefundo e chegou a fechar uma parceria com a Rede Globo para que Machu Picchu aparecesse na novela Amor à Vida,de2013.

“OBrasil não tem nem filminhos promocionais passando nos aviões das companhias aéreas estrangeiras que operam por aqui”, diz Guilherme Paulus, sócio-fundador da agênciadeviagens CVC e membro do Conselho NacionaldeTurismo do Governo Federal.

Quem não aparece não é visto

A vindadegrandes eventos esportivos deveria turbinaroturismo, mas a Copa acabou tendo um efeito apenas pontual (um salto para 6,4 milhõesdevisitantesem2014 – 30% mais do que a média).

OBrasil não fez a liçãodecasadecomunicação e marketing e esperou que os jogos agissem por si só.

Para as Olimpíadas, a ação mais poderosa foi a isençãodevisto para americanos, canadenses, australianos e japoneses entre 1ºdejunho e 18desetembro.

“Desde os Jogos Pan-Americanosem2007,oBrasil tem tido um alto graudeexposição, mas por faltadeprojetos especiaisdedivulgação isso está sendo mal aproveitado”, explica Ricardo Uvinha, professor do programadepós-graduaçãoemturismo da USP.

A imagem do Brasil no exterior acaba manchada pelo noticiário negativo:emvezdepraias, cachoeiras ou cidades históricas,oque maissevê lá fora sobre nós tem a ver com violência, crise econômica e desastres comoodeMariana.

No Foreign Travel Advice (“conselhos para viagens ao exterior”), uma ferramenta online do governo britânico que analisa cada paísemrelação à segurança,oBrasil aparece com “alto níveldecriminalidade”, com menção a arrastões, assaltos com armadefogo e roubosemcaixas eletrônicos.

São citadas também manifestações políticas violentas e riscodezika.

A imagem do Brasil no exterior acaba manchada pelo noticiário negativo: em vez de praias, cachoeiras ou cidades históricas, o que mais se vê lá fora sobre nós tem a ver com violência, crise econômica e desastres como o de Mariana

A divulgação fraquinha une-seà faltadeinformação na internet para travar a vinda dos gringos.

Olhando a relação dos dez destinos mais visitados, ela quase queselimita a cidades sem belezas naturais, com São Paulo, Porto Alegre e Brasília, que dividem a lista comBúzios, Foz do Iguaçú eoRio, líder (merecido) entre os nossos destinos mais visitados.

Chapada Diamantina, Bonito ou os Lençóis Maranhenses, que, convenhamos, não têm menos potencial turístico que Brasília ou Porto Alegre, nem aparecem na lista.

Isso acontece porque os turistas estrangeiros mal sabem que esses destinos existem. E a culpa não é deles.

As agênciasdeturismo especializadasemdestinos brasileiros não têm siteseminglês, muitos hotéis e pousadas não estão presentes nas ferramentasdereservas globais, comooBooking.com, horáriosdebalsas e ônibus não constam na internet.

Para um estrangeiro descobrir como ir do aeroportodeCampo Grande a Bonito oudeFortaleza até Jericoacoara, por exemplo, vai levar uma canseira do Google até encontrar uma informação confiável.

Parques largados: dos nossos 71 parques nacionais, poucos têm trilhas sinalizadas, guias, áreas de camping e pousadas. Resultado: eles recebem só 7,1 milhões de visitantes por ano, contra 307 milhões nos dos EUA

Isso reflete a faltadepreparo geral do País para receber visitantes,oque vai da sinalização monoglota nas ruas e no transporte público até garçons, taxistas e guias que não falam língua alguma que não sejaoportuguês.

Falar um inglês excelente não é imprescindível – bambambãs do turismo como Itália, China e Tailândia também têm problemas comoidioma.

No Brasil, porém, a maior parte dos profissionaisdeserviços ignora os rudimentos mais básicos do idioma. Aí complica.

Burocracia, sempre ela

A infraestrutura ruim também não ajuda. Dos 1,7 milhãodequilômetros da nossa malhadeestradas, pouco maisde10% são asfaltadas. Some isso à virtual ausênciadetransporte ferroviário, evocêtem um pesadelo logístico.

Aviões são uma alternativa, naturalmente. Mas voar aqui sai caro. É que não temos companhias aéreas low-cost (debaixo custo), como acontece na Europa, nos EUA e na Ásia.

Nelasoserviço é reduzido a basicamenteotransporte; qualquer extra (como marcaçãodeassento, despachodemala, comida, impressãodecartãodeembarque e até SMS informativo) é cobrado à parte, permitindo que a empresa jogue os preços das passagens lá embaixo.

“No Brasil, além da carga tributária elevada, as aéreas enfrentam um excessoderegulamentação,jáque esse modelo ‘simples’ é proibido”, dizoadvogado Guilherme Amaral, especialistaemdireito aeronáutico.

A faltadeinfra atingeemcheio os parques nacionais, que seguem lindos, mas quase às moscas.

ApesardeoBrasil ter sido considerado pelo Fórum Econômico Mundial comoopaís com maior potencial turísticoemrecursos naturais no mundo, nossos 71 parques nacionais receberam 7,1 milhõesdevisitantesem2015 – sendo que 2,9 milhõesseconcentraram no Parque Nacional da Tijuca, encravado na área urbana do Rio.

Para comparar: os 59 parques nacionais dos EUA receberam 307 milhõesdeturistas no mesmo período.

Aí não pesa sóoisolamento turístico do Brasil,jáque tanto aqui como nos EUAogrosso dos visitantesdeparques nacionais são turistas nativos.

Mas a discrepância deixa claro outro problema nosso. Aqui, os parques são mais encarados como unidadesdeproteção ambiental do que como atração turística: poucos têm trilhas sinalizadas, guias, hotéis e transporte com preços competitivos.

Para piorar, quem pensaemabrir um negóciodeturismo também tem pouco incentivo, dada a dificuldadedeempreender no Brasil: no último relatório do Banco Mundial,opaís aparece na 116ª posição na lista dos países nos quais é mais fácil abrir e conduzir uma empresa.

Osetordecruzeiros é um dos que mais sofrem.Em2010, chegamos a ter 20 navios viajando pela costa brasileira.Onúmero caiu pela metadeem2015 e, para a temporadade2016, a previsão era de míseros seis navios.

Isso porque quase todos os processos que envolvem a realizaçãodeum cruzeiro são caros e complicados, desde a aprovação da construçãodeum porto à contratação do prático (o“manobristadenavio” – aquela que talvez seja a profissão mais inflacionada do Brasil, com ganhos que chegam a R$ 300 mil por mês).

“Operar um porto aqui tem custos 20 vezes maiores do queemoutros destinos. Hoje estamos perdendo nossos navios para China, Austrália, Caribe, Dubai”, diz Mario Ferraz, presidente da Associação BrasileiradeCruzeiros Marítimos.

Alémdetudo isso,oBrasil continua sendo um país quase tão fechado e protecionista quanto era na época da ditadura militar,jáque impõem impostos extorsivos ao capital estrangeiro.

Oúltimo ÍndicedeAberturadeMercados, publicadoemsetembrode2015 pela CâmaradeComércio Internacional (CCI), colocaoBrasil na 70ª posição entre 75 países, ficando atrás da Argentina, Nigéria e Uganda (oranking é organizado por graudeabertura comercial, da maior para a menor).

Dessa forma, recebemos menos investimentosdefora do que poderíamos.

“E isso atrapalhaoturismo. Um exemplo é Brasília não ter Hyatt, Hilton ou Sheraton, grandes nomes da hotelaria mundial”, diz Vinicius, da Embratur. Essa atitude conservadora reflete também na burocracia para entrar no País.

Ogoverno defende a reciprocidade, ou seja, que nós exijamos visto dos países queorequerem para nós. A prática é comum no mundo todo – nãosetratadeuma aberração do Itamaraty.

Despreparo: a sinalização monoglota e a falta de prestadores de serviço que se comuniquem em inglês podem complicar a vida de um turista, e estão entre os porquês de recebermos poucos visitantes

Mas é fato que requisitar vistodeJapão, Austrália, Canadá e, principalmente, dos EUA e da China diminui consideravelmente a chancedeesses turistas virem passar as férias por aqui – péssimo negóciosevocêlevaremconta que chineses e americanos são os viajantes que mais gastam no mundo.

“Ofimda reciprocidade diplomática beneficiaria a nossa economia”, diz Mario Ferraz.

Ou seja: estamos rasgando dinheiro para manteroimprodutivo olho por olho da diplomacia.

Tendoemvista essas dificuldades todas, então,jádá para considerar heróis os 5 milhõesdeturistas que chegam ao Brasil.

Eoque eles pensam do País depoisdepassar uma temporada por aqui? Bom,deacordo com uma pesquisa do Ministério do Turismo feitaem2014, nofimda viagem, 95% deles demonstram intençãodevoltar.

Ou seja, mesmo com todas as adversidades, conseguimos conquistar quem vem. Resta fazer com que mais gente venha.

Os problemas do Brasil

1. Portos ruins

Aportar no Brasil sai 20 vezes mais caro do que lá fora. Culpa do mau estado dos portos e da burocracia. Nisso, os cruzeiros fogem daqui.

2. Parques largados

Dos nossos 71 parques nacionais, poucos têm trilhas sinalizadas, guias, áreasdecamping e pousadas. Resultado: eles recebem só 7,1 milhõesdevisitantes porano, contra 307 milhões nos dos EUA.

3. Despreparo

A sinalização monoglota e a faltadeprestadoresdeserviço quesecomuniquememinglês podem complicar a vidadeum turista, e estão entre os porquêsderecebermos poucos visitantes.

Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Superinteressante .

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