São Paulo – Desde o dia 21 de junho está aprovado o texto final da Lei das Estatais, que promete mitigar a corrupção nas empresas públicas por meio de ferramentas de controle e fiscalização mais rígidas. O ponto de maior destaque do projeto de lei, que aguarda sanção presidencial, é a restrição técnica para indicação de diretores e executivos de alto escalão das estatais.
É notório lembrar que foram dessas posições que partiram os comandos para condicionar contratos bilionários ao pagamento de propinas para executivos e seus “padrinhos” políticos – esquema cujos detalhes e principais personagens estão sendo desvendados pela Operação Lava Jato.
A Lei das Estatais é uma espécie de resposta do Congresso ao clamor popular após o escândalo de corrupção na Petrobras. A nova lei cria diretrizes de controle e de fiscalização com o objetivo de colocar uma lupa nas atividades das estatais por meio de políticas de compliance e transparência.
Mas qual a eficácia da nova lei para combater a corrupção endêmica nas empresas?
Apesar de criar uma impressão de fortalecimento da governança corporativa à primeira vista, as regras, no entanto, não impediriam o esquema descoberto pelos procuradores do Paraná.
As normas para indicação de diretores e executivos são um exemplo. Ficou estabelecido que só podem ser indicados para tais funções profissionais que tenham experiência mínima de 10 anos em “posições semelhantes” ou quatro anos em cargo de direção ou de chefia em empresas de grande porte. Podem ser recomendados também funcionários públicos da categoria DAS-4 ou docentes de área semelhante à da atuação da empresa.
Além disso, o postulante a executivo de estatal não pode pertencer a sindicatos, ser ministro ou secretário de Estado, membro de órgão regulador ou ter tido ligação com partidos políticos nos últimos 36 meses.
Como lembrou a reportagem do jornal Folha de S. Paulo, os principais funcionários da Petrobras denunciados pela Lava Jato tinham justamente esse perfil técnico: estavam na empresa havia décadas e não tinham filiação partidária. Os ex-diretores Renato Duque, Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró, por exemplo, passariam por esse crivo.
Para Flávio Eduardo Britto, professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Corrupção e Direito Eleitoral, esse é um exemplo que demonstra como o PL mantém brechas com as quais é possível manter encrustada a corrupção em empresas como a Petrobras.
“Mesmo que a restrição fosse ainda mais específica, o brasileiro é muito criativo para burlar legislação, com técnicas bem interessantes. Fazemos isso há 500 anos”, diz.
COMO MELHORAR?
Britto afirma que o foco de um projeto para melhorar a governança das estatais deveria mirar na fiscalização dos projetos, não necessariamente nos comandantes. Segundo o acadêmico, o modelo de fiscalização de obras públicas em curso nos Estados Unidos poderia inspirar o Brasil.
Neste sistema, as obras são divididas em fases. O repasse para financiamento da próxima etapa só é liberado quando uma efetiva comprovação de eficiência é enviada aos órgãos de fiscalização. No Brasil, a função caberia ao Tribunal de Contas da União (TCU), que hoje só se debruça nas contas de um projeto quando acionado por denúncia.
“Seriam criados mecanismos mais ágeis e eficazes para vigilância e, caso se fizesse a detecção de desvios no meio das obras, haveria também a agilidade para impedir que a corrupção se prolongue”, afirma.
POR QUE NÃO FOI FEITO?
Algo do tipo, porém, depende de dois fatores: vontade política e maior diálogo com setores da sociedade para idealização de projetos de lei — algo que atrasa o processo mas o deixa mais completo. Por conta de interesses partidários, projetos como esse têm que ser flexibilizados para atender ao presidencialismo de coalizão.
Um grande dilema que o presidente em exercício Michel Temer enfrenta é atender a interesses antes de promulgar a lei. Durante a tramitação na Câmara, o texto chegou a ser descaracterizado devido às diversas alterações propostas por deputados que não queriam ver mudanças nos cargos de importância ocupados por seus partidos.
No fim, o Senado conseguiu reverter as mudanças e dar a cara original ao PL. Mas, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, Temer deve fazer alguns vetos para não complicar seu relacionamento com a base.
Entre os pontos de discórdia está a já mencionada "quarentena", em que indicados não poderão ter histórico de filiação partidária nos últimos 36 meses. O Senado reintroduziu o texto retirado durante a votação na Câmara. Outro ponto polêmico é a proibição da indicação de dirigentes sindicais para cargos na direção ou conselho de administração de estatais.
Diante do impasse, o Palácio do Planalto já postergou duas vezes o anúncio dos vetos que o presidente em exercício deverá fazer no texto. Ainda não há uma data redefinida.
Nenhum desses pontos, no entanto, é fundamental para o objetivo central do PL: melhorar a governança corporativa das estatais. Para Emilio Carazzai, presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, a atitude mais correta seria o presidente da República passar um decreto exigindo que as estatais cumpram os manuais de boas práticas já existentes em órgãos como o Ministério do Planejamento, TCU ou da antiga Controladoria-Geral da União.
“O que precisamos é de profissionais que sejam comprovadamente excelentes para o exercício daquelas funções, pessoas certas nos lugares certos. No que adiantou a lei para esse efeito?”, afirma. “Admitir que partidos possam indicar executivos para empresas de alta complexidade e consistência, esperando desempenho e geração de valor, mostra que não há responsabilidade social e proteção do interesse público.”
Para o especialista, faz sentido que o presidencialismo de coalizão reparta indicações para funções de Estado entre os partidos da base, caso de ministros e cargos comissionados de alto nível. Mas pensar que essa nova lei filtrará a influência política nas empresas é utopia.
DÁ PARA MUDAR?
Apesar das medidas serem relativamente mais simples do que criar todo uma nova lei, há como fazer essa alteração? O professor da UnB vê uma só maneira.
Para Flávio Eduardo Britto, as devidas alterações só seriam feitas depois de uma Assembleia Constituinte, que reformasse o processo eleitoral e garantisse mais representatividade do povo no Congresso.
Com um sistema mais representativo, a voz da população e sua indignação com o poder público poderiam ser cobradas mais de perto, gerando resultados. Enquanto os interesses de políticos estiverem à frente, a saída fica estreita demais para o bonde da corrupção.
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1. Qual a origem de tantas ocorrências de atos corruptos na sociedade?
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1/9 (Antonio Cruz / Agência Brasil)
São Paulo – A todo tempo, a
corrupção é tema chave em qualquer discussão sobre
política no Brasil.
Mensalão,
cartel de trens em São Paulo,
Operação Lava Jato,
contas secretas na Suíça e
Operação Zelotes são só alguns dos últmos escândalos que movimentaram o noticiário do país. Mas qual a origem de tantas ocorrências de atos corruptos na sociedade? Atrás da respostas presentes na literatura especializada,
EXAME.com foi atrás de cientistas políticos, professores universitários e de cursinhos preparatórios para vestibular em busca de uma seleção dos melhores livros para entender como a formação social do brasileiro influencia a representação política. O resultado foi uma lista de sete livros que mostram como a corrupção está encrustada na população desde tempos longínquos, com ações que desencadearam uma cultura de desmandos já na época do Império até os dias de hoje, em que atitudes cotidianas reforçam esses hábitos do “jeitinho brasileiro”. Veja nos slides um breve resumo dos livros e comentários dos estudiosos sobre cada um.
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2. "Raízes do Brasil" – Sérgio Buarque de Holanda (1936)
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Raízes do Brasil é considerado pelos acadêmicos um dos clássicos da historiografia e ciências sociais brasileiras. Trata, em especial, da incapacidade social de separar vida pública e privada, ajudando a entender as bases do interesse. “É uma obra que observa o surgimento do ‘homem cordial’ no Brasil, sempre hábeis em confundir interesses privados com o patrimônio público”, diz Gianpaolo Dorigo, do Curso Anglo. "É uma obra que foge do denuncismo tão característico de obras sobre o assunto. É um livro de História, escrito com bastante rigor e método e que acaba por desvendar as origens estruturais da corrupção no país." Título: Raízes do Brasil
Autor: Sérgio Buarque de Holanda
Ano: 1936
Páginas: 256
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3. "Homens livres na ordem escravocrata" – Maria Sylvia de Carvalho Franco (1964)
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O livro é fruto de tese de doutorado de Maria Sylvia de Carvalho Franco, datada de 1964, e traz questões para entender a formação histórica da sociedade brasileira. Para Rodrigo Prando, sociólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, esta é uma das leituras mais intrigantes para desvendar as possíveis origens da corrupção no Brasil, especialmente no seio dos órgãos públicos. “O capítulo 3 é iluminador de certas práticas culturais muito comuns no país que podem ter gerado práticas corruptas, entre eles a confusão entre o patrimônio estatal e a propriedade privada”, diz o sociólogo. “Desde o Império, a concentração da renda pública deixou os cofres municipais escassos. Recorria-se ao dinheiro do cidadão comum, então, muitas vezes, os recursos públicos foram apropriados por funcionários estatais ou por cidadãos ricos que haviam ‘emprestado’ ao município.” Título: Homens Livres na Ordem Escravocrata
Autora: Maria Sylvia de Carvalho Franco
Ano: 1969
Páginas: 253
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4. "Os Donos do Poder" – Raymundo Faoro (1975)
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Faoro se utiliza de preceitos do direito, história e ciência política para formar um estudo para compreender a formação social do Brasil, desde a colônia até a Revolução de 1930. Tamanha a importância a obra, foi indicada por dois dos especialistas. “É uma das principais obras do sociólogo e se destaca pela apresentação dos aspectos históricos associados à corrupção no contexto brasileiro”, diz Leonardo Nunes, analista político da Prospectiva Consultoria. “Faoro aponta no período colonial a origem da corrupção, que acaba se tornando parte da estrutura economia e política do país.” Gianpaolo Dorigo é outro entusiasta. “É um livro que busca as origens da classe dirigente brasileira e a encontra em meio ao período colonial, quando a burocracia portuguesa acabou transplantando para o Brasil sua estrutura patrimonialista”, diz o coordenador de História do Curso Anglo. Título: Os Donos do Poder
Autor: Raymundo Faoro
Ano: 1975
Páginas: 929
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5. "Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro" – Roberto DaMatta (1997)
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Outra indicação de Rodrigo Prando, do Mackenzie, é de autoria de Roberto DaMatta. “Ele já pode, sem dúvidas, ser colocado no panteão de autores indispensáveis para se entender o Brasil”, diz. Segundo o sociólogo, o título é fundamental pois o autor apresenta a dificuldade de se estabelecer relações sociais assentadas na igualdade de direitos e deveres, em relações impessoais. “Aqui, no Brasil, não queremos ser tratados como indivíduos e sim como pessoas, ou seja, a partir de um conjunto de relações pessoais, fortemente marcadas pelo personalismo e familismo”, afirma. “DaMatta apresenta esse dilema brasileiro: como passar de uma sociedade relacional, personalista, para uma sociedade alicerçada na igualdade jurídica e abstrata, onde todos são iguais perante a lei”. Trocando em miúdos, o que DaMatta indica é a problemática do “jeitinho brasileiro”, que busca resolver o conflito a partir de uma abordagem simpática e evitando o confronto. “Esse jeitinho, como forma de navegação social, está presente em todos os segmentos da sociedade nacional, é, ainda, o uso da criatividade no cotidiano, mas, também, da constante burla das regras, recaindo na ‘malandragem’”, diz Prando. “Outra forma de resolver os conflitos, quando falha o 'jeitinho', é usar da posição hierárquica, tão bem expressa numa frase: 'Você sabe com quem está falando?'. Ambos são presentes na arena da corrupção brasileira, seja ela uma 'pequena' contravenção até crimes envolvendo milhões de reais.” Título: Carnavais, Malandros e Heróis
Autor: Roberto DaMatta
Ano: 1997
Páginas: 350
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6. "A Corrupção e a Economia Global" – Kimberly Ann Elliott (2002)
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Para mostrar como a corrupção não é um problema exclusivo do país, há também a indicação do livro "A Corrupção e a Economia Global", de Kimberly Ann Elliott, que vasculha e expõe as causas e consequências da prática, colocando também em evidência toda a problemática para o desenvolvimento econômico ao redor do globo. Em certo momento, discute-se também as melhores medidas de combate à corrupção e políticas de transparência que podem coibir o avanço do aparelhamento público e privado. A recomendação é de Leonardo Nunes, analista político da Prospectiva Consultoria. “O livro desenvolve um panorama bastante completo do problema em um mundo globalizado, especialmente no campo econômico”, diz. “Com a perspectivas de diversos autores, são apresentados desde conceitos básicos até propostas de combate de uma forma bem didática.” Título: A Corrupção e a Economia Global
Autor: Kimberly Elliott
Ano: 2002
Páginas: 353
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7. "Corruption and Democracy in Brazil: The Struggle for Accountability" – Matthew M. Taylor e Timothy J. Power (2011)
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"Ótima referência, pois traz uma coletânea de artigos produzidos por especialistas brasileiros e estrangeiros, que analisa os pontos fortes e fracos do sistema de combate à corrupção no Brasil", afirma Maira Rocha Machado, professora da FGV Direito de São Paulo. Corrupção e Democracia no Brasil: A Luta pela Responsabilidade Fiscal (em tradução livre do inglês) é editado por autores estrangeiros e usa análises de diversos especialistas que permitem investigar as relações complexas entre instituições representativas, as dinâmicas eleitorais e consequências na opinião pública, por exemplo. Entram também considerações sobre as formas de prestação de contas de políticos, o papel dos meios de comunicação na corrida eleitoral e ação dos entes públicos. Uma boa leitura para entender o sistema político e como ele funciona, para o bem ou mal. Só está disponível em inglês, sob o título
Corruption and Democracy in Brazil: The Struggle for Accountability.
Título: Corrupção e Democracia no Brasil: A Luta pela Responsabilidade Fiscal
Autor: Matthew M. Taylor e Timothy J. Power
Ano: 2011
Páginas: 344
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8. "Ética e Vergonha na Cara" – Clóvis de Barros Filho e Mário Sérgio Cortella (2014)
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Em Ética e Vergonha na Cara, os autores Clóvis de Barros Filho e Mário Sérgio Cortella trazem reflexões sobre como pequenas corrupções em hábitos cotidianos, como colar em provas ou não devolver troco errado, podem influenciar na formação de jovens e criar uma cultura de “jeitinho brasileiro”. “É um livro interessante, que identifica a disseminação de comportamentos que se voltam para a busca de privilégios através do pequeno desvio da lei”, afirma Gianpaolo Dorigo, do Curso Anglo. “As vantagens materiais obtidas graças ao desvio, acabam por minimizar a falta, e a dissolução da ética é uma decorrência, apenas ampliando na esfera da política aquilo que se faz no dia a dia.” Título: Ética e Vergonha na Cara
Autor: Clóvis de Barros Filho e Mário Sérgio Cortella
Ano: 2014
Páginas: 112
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9. Aproveitando a levada cultural...
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