Patente de remédio para hepatite C barra produção de genérico nacional
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial autorizou a patente do Sofosbuvir, retroviral fabricado pela farmacêutica americana Gilead Sciences
Clara Cerioni
Publicado em 19 de setembro de 2018 às 12h44.
Última atualização em 19 de setembro de 2018 às 12h59.
São Paulo— O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) concedeu nesta terça-feira (18) a patente do medicamento Sofosbuvir para a farmacêutica Gilead Sciences.
Com a decisão, a fabricação de genéricos para tratar a hepatite C pela Farmanguinhos-Fiocruz, que já estava autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), fica parada. Agora, apenas a companhia americana poderá vender o remédio no país.
A produção nacional do sofosbuvir genérico geraria uma economia de 1 bilhão de reais ao Ministério da Saúde. Em agosto deste ano, o ministério publicou que o tratamento de 84 dias com o medicamento da indústria privada custa 6,9 mil dólares por paciente.
O INPI afirmou que aprovou a patente para apenas uma molécula do Sofosbuvir feita pela Gilead. "No pedido inicial havia 126 reivindicações referentes a várias moléculas", disse por nota.
Segundo o órgão,vinculado ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, a decisão se baseou nos critérios técnicos previstos na Lei da Propriedade Industrial. Além disso, diz que os interessados podem recorrer por meio de processo de nulidade da patente.
O instituto cita ainda queÁfrica do Sul, Colômbia, União Europeia, Estados Unidos, Índia, Japão e Rússia já concederam patentes semelhantes à que foi deferida agora.
Já a Farmanguinhos-Fiocruz afirmou que recebeu com surpresa a notícia da autorização da patente e que "com a produção do genérico, o custo do medicamento seria de um quarto do valor praticado pela indústria estrangeira."
Procurada, a Gilead Sciences disse que o "sofosbuvir propiciou uma revolução no tratamento da doença e é importante dizer que inovação e propriedade intelectual são essenciais para que continuemos a investir em pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos, resultando na melhoria de vida dos pacientes."
Acrescentou, ainda, que a empresa está comprometida em fornecer medicamentos inovadores e economicamente sustentáveis para o país. Além de reforçar o compromisso de apoiar o governo brasileiro no projeto de eliminação da doença.
Em nota, o Conselho Nacional de Saúde afirmou que em 2017 já havia solicitado ao INPI que "levasse em consideração os interesses da saúde pública para que o medicamento pudesse ser produzido no país."
De acordo com o presidente do conselho, Ronald Ferreira dos Santos, a decisão do INPI pode afetar gravemente o combate à doença no Brasil. "Estamos mobilizando os recursos políticos, técnicos e jurídicos para preservar o interesse da saúde pública do povo brasileiro", disse em entrevista a EXAME.
Ativistas criticam patente
A organização Médicos Sem Fronteiras emitiu um comunicado nesta terça-feira sobre a "equivocada decisão do INPI de conceder a patente do medicamento à empresa Gilead Sciences."
De acordo com a ong, atualmente há cerca de 700 mil pessoas com hepatite C que não têm acesso ao tratamento por conta do alto custo. Agora, a farmacêutica "terá o monopólio do sofosbuvir, controlando o preço do medicamento e limitando o acesso à cura da hepatite C."
Já a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids também se manifestou contra a concessão da patente. "Adecisão é desastrosa, porque consolida o monopólio da farmacêutica e inviabiliza a compra da versão genérica brasileira, muito mais barata".
Afirmou, ainda, que a patente pode significar que o Brasil não conseguirá expandir o tratamento da hepatite C para todas as pessoas que precisam e não conseguirá cumprir com compromissos internacionais assumidos, tais como a erradicação da doença até 2030.
Hepatite
A hepatite é uma inflamação do fígado que pode ser causada por vírus ou pelo uso de alguns remédios, álcool e outras drogas. Em alguns casos, a doença não apresenta nem sintomas.
As hepatites virais são inflamações causadas por vírus que são classificados por letras do alfabeto em A, B, C, D e E.
No Brasil, mais de 70% (23.070) dos óbitos por hepatites virais são decorrentes da Hepatite C, seguido da Hepatite B (21,8%) e A (1,7%). Em 2017, foram registrados 40 mil novos casos de hepatite viral. O tratamento é oferecido gratuitamente pelo SUS.