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Partidos políticos do Brasil usam candidatas fantasmas

Segundo o TSE, dos 16.131 candidatos que não tiveram nenhum voto nas eleições municipais de 2016, 14.417 eram mulheres

 (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

(Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Valéria Bretas

Valéria Bretas

Publicado em 11 de julho de 2018 às 13h31.

Última atualização em 11 de julho de 2018 às 13h45.

Com a proximidade das eleições, os partidos políticos do Brasil estão se preparando para cumprir a cota mínima obrigatória de mulheres candidatas, mas isso não significa que as legendas queiram que elas ganhem.

Veja o caso de Danielle Silva Lopes, por exemplo, que só descobriu no dia da eleição, em outubro de 2016, que estava concorrendo para vereadora em São Paulo pelo então Partido Social-Democrata Cristão (hoje chamado Democracia Cristã), apesar de ter dito várias vezes ao partido que não desejava concorrer.

“Não aceitei, não assinei nada, não entreguei documentos”, disse ela em mensagem de texto. “E no dia da eleição, eu recebi uma ligação com a informação que eu estava nas urnas.” Ela não teve nenhum voto. O partido nega ter apresentado a candidatura sem a autorização dela.

Em outubro, o Brasil terá a eleição mais imprevisível e divisiva desde a volta à democracia, e a frenética batalha judicial de domingo passado pelo destino do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu uma ideia das amargas batalhas que vêm por aí. As mudanças das regras de financiamento de campanha e das cotas de gênero deverão ter papel fundamental na definição do resultado e podem ajudar a melhorar a péssima posição do Brasil em comparações internacionais sobre representação feminina na política.

Os números

O Brasil ocupa a 154ª posição global em termos de número de mulheres no Congresso, segundo a Inter-Parliamentary Union, uma organização que promove a democracia. As legisladoras representam pouco mais de 10 por cento dos 513 integrantes da Câmara dos Deputados e pouco menos de 15 por cento dos 81 assentos do Senado. Atualmente, apenas um dos 29 cargos com nível ministerial no gabinete do presidente Michel Temer é ocupado por uma mulher.

O impacto na formulação de políticas pode ser substancial: dos 33 deputados votantes que integram uma comissão parlamentar recente sobre possíveis mudanças para reforçar a rigorosa legislação sobre o aborto do país, apenas cinco eram mulheres.

Em um esforço para representar melhor a fatia feminina do eleitorado, de 52 por cento, uma lei de 2009 exigiu que os partidos políticos garantissem que pelo menos 30 por cento dos candidatos fossem mulheres. Mas essa regra só levou a um aumento do número de “candidatas fantasmas” como Danielle Silva Lopes -- mulheres que são candidatas só de nome.

Nenhum voto

Dos 16.131 candidatos que não tiveram nenhum voto nas eleições municipais de 2016, 14.417 eram mulheres, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

“Não ter nenhum voto é um indicador muito forte do uso fraudulento de mulheres como candidatas fictícias”, disse Luciana Lóssio, ex-juíza do TSE, em entrevista. “A lei das cotas foi feita para não dar certo. É uma ficção jurídica.”

Parte do problema nas eleições anteriores foi que o sistema de cotas não era respaldado por regras para alocar os recursos partidários de forma proporcional, de modo que os partidos só precisavam destinar 5 por cento de seus recursos e 10 por cento dos tempos de TV e rádio às mulheres.

Com pouco incentivo para lançar candidatos viáveis, os partidos políticos tendiam a recrutar pessoas independentemente do mérito. Vera Lúcia Taberti, promotora em São Paulo, entrevistou cerca de 100 candidatas que tiveram nenhum ou quase nenhum voto em eleições no Brasil. Ela conversou, por exemplo, com uma mulher que tinha entrado na sede de um partido só para pedir um copo d’água e saiu candidata a vereadora e com outra cuja mãe esquizofrênica tinha sido pressionada a concorrer a um cargo.

“Os partidos políticos não estão interessados em lançar candidatas mulheres”, disse ela. “Para preencher as cotas, eles escolhem qualquer pessoa.”

Em outros casos, até mesmo as mulheres ansiosas para concorrer ao cargo receberam pouco apoio dos partidos. KKFurttado, uma astróloga e fotógrafa da cidade de Florianópolis, se juntou ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) para concorrer às eleições de 2016 por sugestão de um de seus representantes eleitos.

Chefes de partidos locais pareciam entusiasmados com sua candidatura, posando para fotos ao lado dela e até mesmo prometendo apoio financeiro. Mas os recursos não foram liberados quando a campanha começou, levando-a a pagar por material publicitário de seu próprio bolso. Depois de se encontrar com o senador local do partido para discutir a situação, ela percebeu que não estavam falando sério sobre sua candidatura e recuou com desgosto. Seu lugar foi ocupado por uma filha de um dos secretários do partido.

"Fiquei muito chateada", disse ela. "Profundamente desapontada com a covardia do partido que não quer ajudar suas candidatas, apenas cumpre a cota de 30 por cento". KKFurttado já apresentou uma queixa formal à polícia federal. O partido em Santa Catarina não respondeu aos pedidos de comentário.

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