Outro livro de Monteiro Lobato corre risco de ser censurado
Depois de pedir o banimento de 'Caçadas de Pedrinho' das escolas públicas, Instituto de Advocacia Racial (Iara) mira sua artilharia no clássico 'Negrinha'
Da Redação
Publicado em 25 de setembro de 2012 às 18h29.
São Paulo - Depois de Caçadas de Pedrinho, outra obra de Monteiro Lobato tornou-se alvo de perseguição do Instituto de Advocacia Racial (Iara). O alvo da vez é Negrinha, livro lançado em 1920 e que reúne 22 contos do autor. O instituto protocolou, nesta terça-feira, uma ação administrativa na Controladoria Geral da União (CGU) questionando a distribuição da obra em escolas públicas. Assim como em Caçadas de Pedrinho, a alegação é que o livro possui elementos racistas.
Negrinha foi adotado pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), do governo federal - o que incomoda o Iara. "Não se pode financiar com dinheiro público um livro didático que contenha estereótipos e preconceito", alega Humberto Adami, advogado e diretor do Iara. Narrado em 3ª pessoa, o conto Negrinha, que integra o livro homônimo, é um dos mais elogiados do autor e consta, inclusive, na lista de Os cem melhores contos brasileiros do século, da editora Objetiva. Para o Iara, no entanto, passagens como "Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados", conteriam elementos racistas.
Segundo o técnico em gestão educacional Antonio Gomes da Costa Neto, um dos representantes do instituto, o objetivo da ação é que a CGU solicite à Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC) os pareceres técnicos que levaram à escolha da obra para integrar o acervo do PNBE. Como exige para Caçadas de Pedrinho, o instituto quer que Negrinha tenha uma nota explicativa reconhecendo que possui termos preconceituosos.
"O conto é fortemente carregado de conteúdos raciais, mas temos a opção de agregar valor à obra reconhecendo que há estereótipos e passando a descontruí-los", argumenta Neto. Além das notas técnicas nos livros, o Iara pede ao MEC que implemente uma política rigorosa de capacitação de professores para lidar com questões raciais dentro da sala de aula. Caso contrário, suspenda liminarmente a distribuição ou, em outras palavras, censure os livros.
Novo capítulo - Nesta terça-feira, uma nova audiência no MEC discute a distribuição de Caçadas de Pedrinho. No dia 11 de setembro, uma reunião convocada pelo ministro do Supermo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux não conseguiu resolver o impasse - que já se arrasta há dois anos. Em 2010, depois de denúncia da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, o Conselho Nacional de Educação (CNE) determinou que a obra infanto-juvenil fosse banida das escolas. A repercussão do infeliz episódio fez com que o MEC pedisse ao CNE para reconsiderar a questão. O veto, então, foi anulado. O mandado de segurança pretende agora derrubar a anulação do parecer.
Embora juridicamente o assunto não tenha se resolvido, representantes do Iara sinalizam que podem desistir do pedido de nulidade se o MEC apresentar nesta terça-feira o que o instituto chama de "propostas concretas de ação", ou seja, a veiculação da nota técnica e a elaboração de um plano para preparar docentes para lidar com a questão. Caso o encontro desta tarde termine sem acordo, o Iara pretende levar à questão ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Se, mesmo assim, as reivindicações não forem atendidas, o assunto pode parar nas cortes internacionais, ameaça Adami. "Não hesitarei em levar o tema à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)", diz. A reunião desta terça-feira está prevista para às 14h e deve contar com a presença do secretário de Educação Básica do MEC, Cesar Callegari e da secretária Secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural, Márcia Rollemberg, além de Humberto Adami e Antônio Gomes Neto.