Pacientes psiquiátricos participam do bloco "Tá pirando, pirado, pirou!": objetivo é torná-los mais autônomos e integrá-los socialmente (Christophe Simon/AFP)
Da Redação
Publicado em 1 de fevereiro de 2013 às 11h55.
Rio de Janeiro - O olhar apagado pelos medicamentos se acende ao ritmo da percussão: cerca de 20 pacientes de um centro de psiquiatria do Rio de Janeiro treinam para seu desfile de carnaval.
Em círculo, sob a batuta do "Mestre Folia", começam a tocar seus instrumentos. Ao som do apito, param. A um sinal, recomeçam. Alguns marcam o ritmo com o pé.
"Aqui entramos em outro mundo, no mundo do ritmo, que é o mundo da felicidade", afirma Wagner, um psicótico e viciado em drogas de 29 anos, com a fala pastosa.
Wagner está internado há um ano no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ), cujo bloco desfilará no domingo pelas ruas, dias antes do carnaval oficial, junto aos moradores do bairro.
"Quando estão sob o efeito de medicamentos potentes, estão mais lentos. É o caso de hoje. Tenho que chamar sua atenção sem parar", afirma o Mestre Folia Luiz Claudio Monteiro, o professor de percussão que dirige o grupo.
Este bloco, que tem como nome "Tá pirando, pirado, pirou!" e criado pelos doentes mentais, por suas famílias e voluntários, busca torná-los mais autônomos e integrá-los socialmente, explica à AFP a musicoterapeuta Pollyana Ferrari.
"O carnaval é o momento mais propício para a integração. Tudo é permitido. Aproveitamos para chamar a atenção para a importância de evitar confiná-los em manicômios", acrescenta.
O ensaio é interrompido pelos gritos de Jana, de 22 anos, de pijamas e com as mãos tremendo: "Deixem-me em paz! Deixem-me!".
É hora do almoço. Mas ela quer continuar tocando seu enorme tambor com o restante do grupo.
São os pacientes - alguns internados, outros não - que escolheram o samba para o desfile, cuja letra exige um "tratamento digno". "Só precisamos de atenção e amor e às autoridades desse país vai esse alerta: não esqueçam de nós", afirma a música.
Gilson Secundino, de 60 anos, fundou o bloco há nove anos. Com humor, explica que "é preciso viver a festa com os que se convertem em loucos durante a 'grande folia'"
"Para nós, que somos contra a internação, quando o paciente participa desta espécie de oficina garante sua cidadania. Se estiver preso não tem alternativa. A maioria é de esquizofrênicos ou de pessoas que sofrem de psicoses desenvolvidas a partir das drogas", explica Abmael Alves, terapeuta do IPUB.
Ana Claudia, participante do programa de assistência às drogas, frequenta a oficina de percussão há três anos. "Adoro o carnaval, o samba. Meu pai era percussionista, levo isso no sangue!", afirma a mulher de 40 anos que viveu quatro deles nas ruas.
"Fumei minha casa", conta, resumindo sua história. Vendeu sua casa e gastou todo o dinheiro em "maconha, crack, tudo". "Não tenho filhos, sou homossexual. Estou um pouco triste há um mês, quero uma vida melhor; vivo da venda de biscoitos em ônibus".
"Não sou um louco profissional", explica o fundador do bloco. "Sou professor de filosofia. O bloco quer lutar contra os estigmas. Não somos nós que forçamos a exclusão, vem de fora. Estamos loucos o tempo todo? Há muita gente muito mais louca do que nós. Precisamos de solidariedade e respeito", declara, antes de voltar a agitar seu pandeiro.
Este bloco reunirá no domingo mais de 1.500 pessoas nas ruas do Rio. No dia 18 de maio desfilará novamente pelo Dia Nacional da Luta Antimanicomial.