Janot: "Tenho absoluta tranquilidade e confiança em relação ao futuro. O trabalho desenvolvido na Lava Jato não depende de uma pessoa" (José Cruz/Agência Brasil/Fotos Públicas)
Da Redação
Publicado em 8 de agosto de 2016 às 09h22.
São Paulo - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, avalia que a Lei de Abuso de Autoridade - em discussão no Congresso Nacional e com apoio declarado do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), alvo da Operação Lava Jato - contém "tipos penais de constitucionalidade duvidosa".
Ele declara ser "absolutamente favorável" à revisão da lei de 1965, "concebida sob a égide de um Estado de exceção".
Janot, que comanda a Lava Jato perante o Supremo Tribunal Federal (STF), afirma que acabar com a corrupção "é uma utopia inalcançável".
Para o procurador-geral, a Lava Jato revelou "um modo degenerado de fazer política". "Desejamos acabar com a corrupção endêmica." Leia entrevista com Janot concedida por e-mail:
A Lei de Abuso de Autoridade é um sinal de retaliação de políticos e partidos para tentar intimidar a Lava Jato?
Nossa atual Lei de Abuso de Autoridade data de 1965. Essa norma foi concebida sob a égide de um Estado de exceção autoritário e antidemocrático.
Sou absolutamente favorável à revisão da Lei de Abuso. Tramita no Senado o Projeto de Lei 280/2016, o qual, em tese, deveria cumprir o papel de atualizar a lei.
Mas, de fato, ele traz uma sequência de tipos penais abertos de constitucionalidade duvidosa, que podem, sim, inibir indevidamente a atuação das autoridades no combate à corrupção e à criminalidade crescente. Deixa lacunas inaceitáveis, como, por exemplo, a não incriminação da famosa "carteirada".
Apesar disso, estou confiante de que o Senado procederá com a cautela que lhe é peculiar. É preciso abrir-se ao debate e à crítica construtiva, sem atropelos desnecessários ou açodamento, de modo a não estigmatizar a iniciativa de revisar a Lei de Abuso com a pecha de tentativa de obstrução do trabalho que o Ministério Público, com outros órgãos, vem desenvolvendo no combate à corrupção
No ano que vem, quando o senhor deixar o MP, a Lava Jato pode correr algum risco?
Tenho absoluta tranquilidade e confiança em relação ao futuro. O trabalho desenvolvido na Lava Jato não depende de uma pessoa.
Ao contrário, as investigações desenvolvidas pelo Ministério Público Federal, em parceria com a Polícia Federal, têm a marca da impessoalidade e encontra sua força na robustez das instituições públicas e no apoio que esse trabalho vem recebendo da sociedade civil.
Estou certo de que seja quem for o procurador-geral da República que me suceder dará seguimento às investigações.
Até onde vai a Lava Jato?
As investigações revelaram não apenas grandes atos de corrupção no sistema político e empresarial do País, mas um modo degenerado de fazer política e a simbiose deletéria que se estabeleceu entre certos setores do empresariado e agentes públicos para ganhos espúrios e para perpetuação no poder.
A envergadura e o alcance do trabalho desenvolvido mobilizou a sociedade brasileira em torno do problema da corrupção, trazendo a questão para a ordem do dia.
Temos diversos empresários e políticos investigados e processados. O caso exigiu, como nunca, a cooperação internacional. Nesse quadro, seria temerário de minha parte estabelecer um marco para encerramento do caso, até porque isso não está sob minha disposição. Temos dezenas de inquéritos em andamento.
A questão não é até onde vai a Lava Jato, mas se nossas instituições terão capacidade de absorver todo o know-how desenvolvido nesse caso, de modo a torná-lo um padrão a ser seguido daqui para frente.
Acredita que o projeto Dez Medidas contra a Corrupção, iniciativa do Ministério Público, vai passar no Congresso?
A primeira vez que tive contato com esse pacote de medidas contra a corrupção, há pouco mais de dois anos, sinceramente, pareceu-me um sonho distante, um ideal a ser perseguido.
De lá para cá, vi esse ideal crescer, ganhar corpo, fortalecer-se e encontrar uma extraordinária ressonância social. Assim que lançamos a campanha ostensivamente no início do ano de 2015, os apoios começaram a chegar quase que por uma força gravitacional irresistível.
Segmentos dos mais diversos: igrejas, movimentos sociais, escolas, empresas, artistas, jornalistas abraçaram a causa e, desde então, trabalham incessantemente na divulgação do projeto.
Conseguimos em tempo recorde mais de dois milhões de assinaturas. O novo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou publicamente a se comprometer a votar o projeto até 9 de dezembro, Dia Internacional de Combate à Corrupção.
O presidente da República em exercício, Michel Temer, já manifestou também apoio. Estou, assim, confiante de que o Congresso Nacional será sensível à demanda da sociedade por um tratamento legislativo mais rigoroso contra a corrupção e pelo fim da impunidade.
Quando terminar o seu segundo mandato na PGR, o que o senhor vai fazer?
Ainda tenho um ano de mandato pela frente. Por ora, prefiro me concentrar nos desafios de conduzir de forma técnica e serena os relevantes casos que estão sob minha responsabilidade.
Depois de setembro de 2017, terei bastante tempo para pensar nos novos passos. Tenho apenas uma certeza em relação ao futuro: não seguirei a carreira política.
Advogados, entre eles juristas prestigiados, protestam contra a Operação Lava Jato e apontam excessos nas investigações. Qual a sua avaliação?
Essas afirmações não resistem ao mais frágil teste de lógica. Em primeiro lugar, vivemos em um Estado de Direito, no qual as instituições funcionam bem e estão fortalecidas como nunca.
Em segundo lugar, as investigações da Lava Jato são escrutinadas pela opinião pública, realizadas à luz do dia, sob o pálio da publicidade e do respeito às garantias individuais, e não a sorrelfa em processos inquisitórios.
Em terceiro lugar, aceitar que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal cometem excessos nessas investigações seria aceitar também que as quatro instâncias do Poder Judiciário - o juiz de primeiro grau, o TRF da 4ª Região, o STJ e o STF - seriam todas coniventes com a violação dos direitos dos réus e investigados, o que, convenhamos, ou é um delírio persecutório ou é retórica vazia de quem não aceita a mudança de paradigma na evolução do direito.
Por fim, é importante lembrar que as defesas já manejaram mais de 300 habeas corpus contra a Lava Jato.
Até que ponto as investigações em curso conseguem limitar a corrupção?
Acabar com a corrupção é uma utopia inalcançável que, no limite, pode levar a uma forma de totalitarismo tão deletério quanto a própria corrupção que se pretende combater.
Não há registro de país que tenha alcançado esse objetivo. Esses desvios fazem parte da imperfectibilidade humana. O que desejamos, na verdade, é acabar com a corrupção endêmica, é debelá-la como uma forma natural de fazer política e negócios no País.
Isso passa certamente por uma mudança cultural que não depende apenas do Ministério Público e da Justiça, mas passa também pelo fim da impunidade.
Hoje, a análise de custo-benefício feita pelo corrupto o incentiva a seguir em frente no seu intento criminoso: os ganhos são polpudos e o risco de ser preso é muito baixo.
Qual a saída para o Brasil?
Essa é uma pergunta complexa, cuja resposta envolve muitos aspectos. Posso afirmar, sem receio de errar, que a sociedade deve continuar apostando na democracia, radicalizar a experiência de participação nas questões de interesse público.
Isso passa por uma ampla reforma política que melhore a qualidade do nosso sistema representativo, diminuindo o número de partidos e tornando as campanhas eleitorais mais baratas.
Outro aspecto que muito atrapalha o progresso do País é a impunidade. Neste último caso, apresentamos as Dez Medidas de Combate à Corrupção, que, se aprovadas no Congresso, serão um passo firme no sentido de superarmos esse sofrido capítulo da nossa história coletiva.
Como agilizar as demandas que envolvem detentores de foro privilegiado?
Vai se formando no País um consenso de que, do jeito que atualmente é concebido, o foro por prerrogativa de função é inviável e leva à impunidade.
Estima-se que existam no Brasil algo em torno de 22 mil pessoas com prerrogativa de foro. Isso parece claramente um exagero antirrepublicano.
E o problema não é que os tribunais sejam lenientes com os criminosos, mas que eles não foram concebidos para instruir um processo desde o seu início.
Sua estrutura foi pensada para julgar recursos de processos que já chegam devidamente instruídos. O importante é que essa questão entrou na agenda da sociedade e já se começa a discutir, senão o fim completo desse privilégio, ao menos a sua severa restrição para alguns poucos casos.
Qual o impacto da Lava Jato para o futuro do País?
Sinto que o País passa por um processo de amplas transformações históricas. A Lava Jato cumpre um relevante papel nesse processo, mas, por si só, não promoverá as mudanças estruturais que o País requer para seguir em frente.
Precisamos de sabedoria para não perdermos essa oportunidade ímpar de mudar as coisas e elevar o patamar ético da política desenvolvida em nosso País.
Essa empreitada só terá sucesso se houver um verdadeiro envolvimento da cidadania ativa: o poder é do povo, para o povo e pelo povo.
Precisamos, assim, assumir o comando dos nossos destinos e promovermos os ajustes de rota indispensáveis para deixarmos a impunidade no esquecimento do passado e alcançarmos a vitória possível contra a terrível chaga da corrupção que ainda macula a honra do nosso País.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.