Odebrecht pode ser "Big Bang" da corrupção na Argentina, diz Dallagnol
Em palestra na capital argentina, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato opinou que as duas nações compartilham a mesma doença
EFE
Publicado em 8 de junho de 2018 às 22h43.
Última atualização em 8 de junho de 2018 às 22h44.
Buenos Aires .- O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, afirmou nesta sexta-feira em Buenos Aires que a colaboração da Odebrecht com a Justiça poderia representar um "Big Bang" que começasse a revelar a corrupção na Argentina, como já aconteceu no Brasil.
Em uma palestra na capital argentina organizada pelo Ministério da Justiça local, Dallagnol opinou que as duas nações compartilham a mesma doença, um tipo de corrupção específica de um "capitalismo de amigos", no qual "grande parte da elite política e econômica se associa para trocar benefícios econômicos em prejuízo de toda a sociedade".
Após ter declarado em ocasiões anteriores que o Brasil poderia começar a cooperar com o país vizinho quando este garantisse os mesmos benefícios concedidos aos delatores, algo que não vê longe de acontecer, o jurista disse que a informação que for apresentada pela Odebrecht - com a qual existe um convênio de cooperação - poderia ser "também na Argentina um 'Big Bang'".
Dallagnol também ressaltou a ideia de que a corrupção existente em ambos países sul-americanos é muito similar, razão pela qual "aquilo que se encontrar no Brasil pode se reproduzir na Argentina em maior ou menor grau".
Sobre a Lava Jato, Dallagnol comentou que as investigações demonstraram que "a corrupção se tornou sistêmica", já que as 16 maiores construtoras do Brasil se agruparam em "cartéis" que se aliaram com políticos, de maneira que, a cada vez que havia uma licitação pública, os empresários "já sabiam a quem pagar e qual era o preço".
Para Dallagnol, a "chave" para entender o funcionamento do esquema é o destino do dinheiro: em primeiro lugar enriquecer os envolvidos, e depois financiar "caríssimas" campanhas eleitorais, o que é ainda "pior" porque "fazem com que qualquer candidato pareça um anjo".
"Assim se mantém o sistema, e se geram mais propinas", explicou o procurador, acrescentando que se trata de um "círculo vicioso" que transforma os cidadãos em "prisioneiros" da corrupção.
Segundo Dallagnol, os eleitores não escolhem mal seus representantes, mas acontece uma "seleção natural que faz com que os corruptos tendam a sobreviver".
Dallagnol, que coordena 13 procuradores e um grupo de mais de 60 pessoas, enumerou as "surpreendentes" cifras da Lava Jato: 1.700 procedimentos judiciais, 950 investigações e detenções, 500 pedidos de cooperação internacional em 50 países, 160 acordos de delação premiada e 10 deles com pessoas jurídicas.
O procurador completou a lista com 26 milhões de transações financeiras investigadas, que representam um valor de cerca de US$ 500 bilhões; lembrando que apenas em Curitiba, a parte do caso da qual se encarrega, há 300 pessoas acusadas e 120 condenadas a mais de 1.900 anos de prisão, por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro.
O coordenador da força-tarefa ainda lamentou que sua equipe "não dá conta" de todo o trabalho, e ele se vê obrigado a trabalhar nos finais de semana e a deixar de ver sua família, embora tenha assegurado que faz esse "esforço" por um impulso "cívico".
No ato na Bolsa de Comércio de Buenos Aires, com presença de um bom número de juízes e procuradores argentinos, Dallagnol lhes pediu que "façam sua parte", apesar de saber isso não será suficiente para acabar com a corrupção, e reconheceu que ele mesmo se sentiu "impotente" no passado por essa razão.
Como resposta aos que lhe disseram ao longo da sua carreira que não seria possível desenvolver a Lava Jato, Dallagnol lembrou o número de condenados e que até um ex-presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) foi preso.
Por fim, em relação às próximas eleições, o procurador sugeriu que os brasileiros votem em candidatos que tenham um "passado limpo" e apoiem a aprovação de medidas anticorrupção. EFE