Desmatamento da Amazônia cresce mais de 80% em junho de 2019. (LeoFFreitas/Getty Images)
Vanessa Barbosa
Publicado em 6 de julho de 2019 às 07h49.
Última atualização em 10 de agosto de 2019 às 17h27.
São Paulo - Em um curto espaço de tempo, o Fundo Amazônia se tornou um ponto de inflexão no governo Bolsonaro. Anunciado pelo Brasil durante a COP-13 (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) na ilha indonésia de Bali, em 2007, e criado no ano seguinte sob o governo Lula, o programa surgiu como iniciativa pioneira no mundo para arrecadar junto aos países desenvolvidos recursos financeiros para manter de pé a maior floresta tropical do mundo — e, assim, ajudar no combate às mudanças climáticas.
O Fundo já recebeu mais de R$ 3,4 bilhões em doações e tornou-se o principal instrumento nacional para custeio de ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, além de promover a conservação e o uso sustentável do bioma amazônico. Seus recursos apoiam atualmente 103 projetos dos governos estaduais e da sociedade civil para proteger a floresta, entre eles o programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa). Voltado à criação e gerenciamento de Unidades de Conservação (UCs), o Arpa possui 46 projetos só no estado do Amazonas.
A implementação do Fundo foi elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e administrada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Desde o início da sua operação, a Noruega tem sido de longe a principal doadora (94%), seguida da Alemanha (5%) e da Petrobras (1%).
Do total doado até agora, cerca de R$ 1,8 bilhão já foi desembolsado e aplicado em projetos. Quase 60% desses recursos são destinados à União e aos nove Estados da Amazônia Legal, incluindo instituições como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), responsável pelo monitoramento ambiental por satélites no bioma Amazônia. Os outros 40% se dividem entre entidades do terceiro setor (ONGS) e universidades.
Outros R$776 milhões já têm destinação definida. Porém, mais de R$ 1,5 bilhão ainda não tem destino e pode ser retomado caso o Fundo seja extinto. E há riscos disso acontecer, conforme afirmou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na última quarta (3).
O Fundo está na corda bamba devido a impasses entre as nações doadoras e o atual governo em torno de dois pontos principais: distribuição dos recursos e governança. É verdade que no ano passado, Noruega e Alemanha ameaçaram o então governo Temer de reexaminar a liberação de recursos em razão de um aumento no desmatamento entre 2015 e 2016. Mas as ameaças não foram adiante dada a confiança de que o Brasil faria sua parte para reverter o problema.
Não foi isso o que aconteceu. O desmatamento na floresta amazônica em junho deste ano foi 88% superior ao verificado no mesmo período de 2018, segundo dados do Inpe divulgados nesta semana. A perda de floresta põe combustível na briga sobre aplicação dos recursos travada entre os países. Em maio, Salles anunciou a intenção de usar dinheiro do fundo para indenizar proprietários rurais que foram desapropriados por estarem localizados dentro das unidades de conservação conforme exigido pelo Código Florestal.
Noruega e Alemanha são contrárias à mudança de regras do Fundo, que atualmente não permitem o uso do dinheiro para o pagamento de indenização por desapropriação. Ambientalistas temem que o uso de recursos para regularização fundiária na Amazônia beneficiaria quem invadiu as áreas protegidas da floresta e geraria ainda mais desmatamento.
Em entrevista à TV Globo, o ministro do MMA afirmou que em "casos onde houver necessidade de regularização fundiária para diminuir o conflito entre a unidade de conservação e aqueles que estão lá dentro, nós vamos desenvolver, então, os mecanismos pra resolver esse problema de regularização fundiária. Não é pra usar todo o recurso do Fundo Amazônia pra isso, mas apenas dar suporte a essas áreas de projeto-piloto que nós queremos fazer".
Do lado da governança, a configuração do Comitê Orientador do Fundo (COFA), responsável pela determinação de diretrizes e acompanhamento dos resultados obtidos, é outro ponto conflituoso na relação. O governo Bolsonaro quer aumentar a participação de representantes próprios na mesa de decisão para buscar "uma gestão mais eficiente".
Segundo o site institucional do Fundo Amazônia, o COFA é um comitê tripartite formado pelo governo federal, governos estaduais e sociedade civil. Além do MMA e do BNDES, participam do Comitê os ministérios da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, das Relações Exteriores, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Ciência, Tecnologia e Inovação, a Casa Civil da Presidência da República e a Fundação Nacional do Índio.
Os países doadores se opõem às mudanças. A Alemanha, inclusive, suspendeu temporariamente uma doação de R$ 151 milhões para o programa até que seja decidido os rumos do Fundo. Em tempos de pressões ambientais crescentes, o presidente Jair Bolsonaro terá que provar seu compromisso com o maior mecanismo de proteção à Amazônia, essencial para manter a floresta de pé e combater as mudanças climáticas.