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O que é o Estatuto do Desarmamento e como ele pode ser revogado

Nos corredores da Câmara, parlamentares já articulam aprovar a posse e a comercialização das armas de fogo no país

Armas: até 2014, cerca de 650 mil armas foram entregues voluntariamente pela população (Fabio Teixeira/Getty Images)

Armas: até 2014, cerca de 650 mil armas foram entregues voluntariamente pela população (Fabio Teixeira/Getty Images)

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Clara Cerioni

Publicado em 23 de outubro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 23 de outubro de 2018 às 06h01.

São Paulo - Até dezembro de 2003, os brasileiros maiores de 21 anos eram livres para levar armas onde quisessem: de shoppings a baladas.

Por décadas, as lojas de artigos esportivos vendiam armas, sem necessidade de comprovar aptidão, com registro grátis e possibilidade de parcelar o pagamento, e empresas podiam anunciar armas em revistas.

Em 2003 foi aprovado o Estatuto do Desarmamento. Atualmente, para se ter uma arma é preciso ser maior de 25 anos, ter ocupação lícita e residência fixa. Não é permitido ter sido preso ou responder a algum processo criminal.

A Polícia Federal é a responsável por avaliar os pedidos, que devem ter comprovação de capacidade técnica e psicológica para o uso do equipamento e declarar a efetiva necessidade da arma.

Durante esses quinze anos, no entanto, as discussões para rever a proibição do porte e da posse de armas de fogo continuaram e não são consensuais na sociedade e, principalmente, no meio político.

Nas eleições deste ano, o líder nas intenções de voto para a Presidência da República, Jair Bolsonaro (PSL), colocou a proposta no centro do debate.

Capitão reformado do Exército, o ex-deputado federal é, declaradamente, um dos maiores defensores do armamento da população e o sinal da arma com os dedos virou uma de suas marcas registradas.

Em seu plano de governo, há a proposta de "reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à legítima defesa sua, de seus familiares, de sua propriedade e a de terceiros!"

Seu posicionamento favorável sobre as armas e seu favoritismo para vencer a eleição impactaram até a fabricante de armas brasileira Forja Taurus, que só em outubro viu suas ações dispararem 400%.

Em oposição, seu adversário, Fernando Haddad (PT), se apresenta como totalmente contrário à revogação do Estatuto do Desarmamento e de ampliar o porte de armas no país. No plano de governo, o petista não cita mudanças na lei.

O Brasil antes do Estatuto do Desarmamento

Ilona Szabó, fundadora do Instituto Igarapé, think tank do Rio de Janeiro especializado em políticas públicas de combate à criminalidade, explica que os anos em que as armas eram liberadas, a violência era crescente.

"No período de democratização do Brasil, as taxas de homicídio vinham crescendo cerca de 8% ao ano. Em 2004, primeiro ano do Estatuto, conseguimos ver a primeira reversão do índice de mortes", revela. 

Segundo os dados, em 1983 o Brasil tinha 14 homicídios por 100 mil habitantes. Vinte anos depois, antes do Estatuto ser aprovado, este número mais do que dobrou e chegou a 36,1 assassinatos para cada 100 mil.

Atualmente, a taxa não está muito abaixo, são 29,9 homicídios a cada 100 mil habitantes. Segundo Ilona, ele não reduziu drasticamente as mortes, mas sim estancou seu crescimento. De acordo com o Mapa da Violência de 2016, o Estatuto evitou 160 mil assassinatos.

"A violência voltou a crescer nos últimos anos, mas por um conjunto de fatores e não apenas uma só causa. Sua alta vai encontrar correlação com a desigualdade social, o desemprego, a baixa escolarização e o acesso desregulado a álcool e drogas", diz Ilona.

Ela não vê "nenhuma chance" da revogação do Estatuto não resultar em mais mortes: "Arma sempre foi um instrumento de ataque e não de defesa", afirma.

Já para especialistas favoráveis ao porte de armas, o Estatuto do Desarmamento fez com que a violência disparasse. Em artigo recente, Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil, afirmou que a proibição aumentou o número de mortes.

"Antes, não, não havia tiroteio nas ruas e o cidadão que comprava essas armas legalmente e de forma bastante liberal, via de regra, não cometia crimes. Não havia sequestros relâmpagos; os roubos à residência – ou seja, a invasão de casas quando seus proprietários lá estavam – eram raríssimos e as taxas de homicídios ficavam próximas às de países desenvolvidos e seguros. Oras! Se as armas já estavam lá, parece-me bastante óbvio que a mudança que transformou o Brasil em um dos países recordistas de homicídios não passa nem perto do fácil acesso a elas, e o fracasso do Estatuto do Desarmamento é a maior prova empírica disso", escreveu.

Revogação caminha no Congresso

Atualmente, há mais de 100 propostas em tramitação no Congresso para alterar o Estatuto do Desarmamento.

O deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB) é o autor do projeto mais avançado, o PL 3722/2012.  Para se tornar lei, precisaria ser aprovado por maioria simples na Câmara. Caso o Senado aprove sem nenhuma alteração, o PL seguiria para sanção presidencial.

Esse projeto reduz a idade mínima para a posse de 25 para 21 anos e permite o acesso para pessoas que respondem a inquéritos ou processos criminais, contanto que não sejam de crimes dolosos. Seria excluída a necessidade de provar porque quer uma arma. O porte, atualmente proibido, seria liberado para maiores de 25 anos que cumprirem os requisitos para posse.

Em 2015, uma comissão especial propôs uma série de alterações ao projeto. Ele está pronto para ser votado no plenário, mas se não for votado até o final da atual legislatura no final do ano, pode ser arquivado, o que iniciaria o processo do zero.

"O debate sobre o tema será muito importante para a sociedade tomar uma decisão sobre as mudanças na lei. As mulheres terão papel decisivo nisso, porque os casos de estupro e de violência doméstica aumentarão", diz Ilona.

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