Brasil

O crescimento do PCC

Alvaro Bodas  Era 31 de agosto de 1993. Durante uma partida de futebol no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté (SP), no Vale do Paraíba, oito presos fundaram o Primeiro Comando da Capital, mais conhecido como PCC. A maior organização criminosa do Brasil, responsável pelas recentes massacres ocorridos nos presídios da região Norte e […]

REBELIÃO EM NATAL: preso usa panela com a sigla PCC como escudo / Josemar Gonçalves/ Reuters (Josemar Gonçalves/Reuters)

REBELIÃO EM NATAL: preso usa panela com a sigla PCC como escudo / Josemar Gonçalves/ Reuters (Josemar Gonçalves/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 26 de janeiro de 2017 às 19h15.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h12.

Alvaro Bodas 

Era 31 de agosto de 1993. Durante uma partida de futebol no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté (SP), no Vale do Paraíba, oito presos fundaram o Primeiro Comando da Capital, mais conhecido como PCC. A maior organização criminosa do Brasil, responsável pelas recentes massacres ocorridos nos presídios da região Norte e Nordeste, hoje comanda, de dentro dos presídios e com a ajuda de advogados e contadores, desde o tráfico de drogas e armas, assaltos a bancos e roubos de carga, até punições a membros infratores, transporte de familiares para visitar os presos, entrada de armas, drogas e celulares nos presídios e rebeliões. É quase impossível estabelecer uma cifra exata, mas estima-se que a facção fature cerca de 200 milhões de reais por ano.

O ovo da serpente

Quando foi fundado, o PCC dizia que sua missão era combater a opressão e maus tratos dentro dos presídios paulistas e vingar a morte dos 111 presos mortos pela Polícia Militar em 2 de outubro de 1992, na extinta Casa de Detenção de São Paulo, no caso que ficou conhecido como Massacre do Carandiru. Em fevereiro de 2001, “Sombra” tornou-se o líder máximo da organização ao coordenar, por celular, rebeliões simultâneas em 29 presídios paulistas, que deixaram 16 presos mortos. Apenas cinco meses depois, ele seria morto por membros da facção, numa briga interna pelo poder. A partir daí o PCC passou a ser comandado por “Geleião” e “Cesinha”, responsáveis pela aliança do grupo com a facção carioca Comando Vermelho (CV). De dentro do Complexo Penitenciário de Bangu os dois passaram a coordenar atentados violentos contra prédios públicos para intimidar as autoridades do sistema prisional. Considerados radicais, eles foram depostos e jurados de morte, acusados de terem feito denúncias à polícia. Cesinha foi assassinado em 2006, e Geleião, único fundador do PCC ainda vivo, foi recentemente transferido para a Penitenciária Federal de Campo Grande (MS).

A partir de 2002, sob a liderança de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, o PCC adotou uma postura mais “moderada”, ganhou vulto e se expandiu. Detido por assalto a bancos, Marcola ordenou em 2003 o assassinato do juiz-corregedor Antônio José Machado Dias, juiz da Vara de Execuções Penais de Presidente Prudente. Ele fiscalizava o Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, o presídio mais rígido do Brasil. A estratégia da facção era combater o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), onde os detidos passam 23 horas confinados nas celas, sem acesso a jornais, revistas, rádio ou televisão. Presidente Bernardes é a única do país que adota esse regime.

Em 2006, a maior demonstração de força do PCC intimidou São Paulo. A Secretaria de Administração Penitenciária decidiu transferir 765 presos ligados à facção para o presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau, inclusive Marcola. Em retaliação, o grupo ordenou uma série de ataques em todo o Estado entre os dias 12 e 21 de maio. Mais de 60 ônibus foram queimados, pipocaram rebeliões em 94 presídios e 564 pessoas foram mortas. Depois de uma polêmica reunião no presídio de Presidente Bernardes entre Marcola e a cúpula da gestão Claudio Lembo, substituto de Geraldo Alckmin à época, o líder do PCC deu a ordem para cessarem os ataques.

Os presídios foram o berço das principais facções criminosas do Brasil, e até hoje são grandes provedores de mão de obra para suas fileiras. Neles, os bandidos mais experientes transmitem seus conhecimentos para os mais jovens, como numa escola do crime. As condições na maioria desses presídios são degradantes, o que força os presos a se organizarem para obter algum tipo de proteção e benefícios. “Por sua forte capacidade de mobilização e organização, o PCC enfraqueceu as facções inimigas, conquistou o controle interno das prisões, dominou os negócios e desafiou o poder institucional”, afirma Sérgio Adorno, professor titular de sociologia da FFLCH e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP. “A política de encarceramento favoreceu a expansão do poder do PCC não apenas em São Paulo, mas também em outros Estados e nas fronteiras”.

De acordo com dados do Ministério Público de São Paulo, a facção possui cerca de 20.000 integrantes. Somente no Estado de São Paulo estima-se que há 7.000. Mais de 80% do faturamento da organização, segundo o MP, vêm do tráfico de drogas. O restante é oriundo de assaltos a bancos, sequestros, tráfico de armas, rifas vendidas aos presos e uma mensalidade cobrada de seus integrantes. Hoje, o PCC já opera em todas as 27 unidades da federação e já tem bases também na Argentina, Colômbia, Paraguai, Peru e Venezuela.

Como se tornar um “irmão”

O bandido que entra para a facção tem que ser indicado por outro membro, que passa a ser seu “padrinho”. As informações de cada um entram para um cadastro, onde constam a vida pregressa do bandido, telefone, apelido, localização, data em que entrou para o PCC, a última unidade prisional onde esteve e se já foi punido pela organização alguma vez.

Depois disso vem o “batismo”. Em um copo com água ou pinga, padrinho e afilhado derramam uma gota de sangue cada, por meio de um furo no dedo indicador. Cada um bebe metade do líquido, o afilhado promete nunca desapontar o padrinho e jura fidelidade ao PCC para sempre. O novo membro recebe uma cópia do estatuto da facção, documento com 16 itens que detalham as normas de conduta, comportamentos e procedimentos que deve seguir, destacando-se lealdade, luta pela liberdade, oposição à opressão dentro das prisões, contribuições mensais e união entre os integrantes. As palavras de ordem são “liberdade, justiça e paz”. Traições e desrespeito ao regulamento são severamente punidos, muitas vezes com a morte.

Dentro dos presídios, a presença e influência do PCC é sentida claramente. O agente penitenciário e Presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de SP, João Rinaldo Machado, está na função há 23 anos na Unidade Penitenciária 2 de Hortolândia, já enfrentou rebeliões e foi refém em uma delas. Ele conta que uma das táticas da facção é colocar os membros da cúpula nas funções de faxina ou distribuição de comida, pois assim eles têm acesso a todos os presos. “São os funcionários que indicam quais presos vão exercer cada função. Entretanto, se indicamos alguém e eles não aceitam, o preso é forçado a pedir baixa do posto, até ser substituído por alguém que a facção aceite.”

Organograma empresarial

O PCC possui um organograma piramidal, como o de uma empresa. A cabeça da organização é a “Sintonia Fina Geral”, formada pelos fundadores e pelo líder máximo, Marcola, preso na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau. Logo abaixo há várias “Sintonias”, responsáveis por áreas como distribuição, financeiro, contato com advogados e comunicação com lideranças locais e outros Estados. O organograma chega a detalhar até a responsabilidade pela distribuição de cigarros nas cadeias e lideranças nos bairros e pontos de venda de drogas.

Cadernos de contabilidade do PCC apreendidos pelo 4º DP de Guarulhos, em 2016, revelaram que as quantias mensais pagas pelos membros variam entre R$ 150 e R$ 800 e podem ultrapassar esses valores, de acordo com a posição do criminoso na organização. Essa contribuição, chamada de “cebola”, é obrigatória, e quem não paga é punido. Além disso, a cada dois meses são sorteados apartamentos, casas, carros e motos por meio de rifas, que os membros também são obrigados a comprar. Mas tudo isso tem uma compensação: o integrante passa a contar com apoio aos familiares, transporte para quem vai visitá-lo, ajuda para pagar honorários de advogados ou propina para policiais corruptos e proteção dentro da cadeia.

PCC x CV

De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, o número de ocorrências de tráfico de entorpecentes no Estado subiu de 12 mil, em 2002, para mais de 42 mil em 2016. O consumo de cocaína no Brasil mais que dobrou nos últimos 12 anos. Não há uma estimativa precisa de quanto dinheiro o narcotráfico movimenta no país. No mundo, esse negócio gira mais de US$ 320 bilhões, de acordo com levantamento do Global Financial Integrity (GFI), um centro de estudos de Washington. O Brasil, além de mercado consumidor, é importante ponto de distribuição para outros continentes, já que faz fronteira com os principais produtores de maconha e cocaína do mundo (Paraguai, Peru, Bolívia e Colômbia). Em junho de 2016, o traficante Jorge Rafaat Toumani, que controlava as rotas internacionais de tráfico na fronteira do Brasil com o Paraguai, foi assassinado numa emboscada armada pelo PCC e pelo Comando Vermelho. Depois disso, o PCC passou a controlar a rota com o Paraguai, ao mesmo tempo que intensificava sua expansão para o resto do Brasil. E foi aí que o acordo de paz entre o PCC e o CV começou a derreter.

O Brasil tem uma população carcerária estimada em 600 mil detentos. As recentes rebeliões em vários presídios do país, que já deixaram mais de 130 mortos em oito Estados, têm na expansão territorial do PCC e na disputa pelo mercado das drogas uma de suas principais causas. O conflito surgiu à medida que a facção carioca se associou a facções locais, que se aliaram ao CV por medo de que PCC se torne hegemônico no lucrativo negócio do tráfico. Essa briga tem como pano de fundo as condições precárias dos superlotados presídios brasileiros. “As facções nascem não apenas da disputa por controle de territórios e negócios, mas também por uma capacidade de organização dos presos em torno da defesa de condições mais dignas. Nunca é demais lembrar, o PCC nasceu com um discurso de defesa dos ‘irmãos’ contra a violência e as arbitrariedades do sistema penitenciário”, explica Sérgio Adorno.

Especialistas concordam que a superlotação dos presídios acaba contribuindo para o crescimento das facções, já que, ao cair no sistema prisional, o detento acaba se aproximando desses grupos para ter ajuda e proteção dentro da cadeia. De acordo com dados do Governo do Estado de São Paulo, 87% das cadeias paulistas estão superlotadas. A falta de estrutura e condições de funcionamento também agravam o quadro e abrem campo para atuação do PCC. “O primeiro problema é a superlotação. Temos no Estado de SP cerca de 250 mil presos para 110 mil vagas. Com muita gente nas celas, você não consegue ver tudo o que acontece lá dentro. O segundo é a falta de funcionários. Em 1994, a média era de um para 2,17 presos. Hoje, essa proporção subiu para um funcionário para mais de sete presos”, diz Machado, do sindicato dos funcionários do sistema prisional.

Comunicação é tudo

Hoje, segundo o Ministério Público, os detentos e principalmente as lideranças do PCC já não usam tanto o celular dentro dos presídios. O contato entre quem está na prisão e os que estão fora são as visitas, que levam e trazem recados. Em e-mail enviado à reportagem, a Secretaria de Administração Penitenciária de SP afirmou que “há muitos anos não há apreensões de armas em presídios do Estado de São Paulo. O uso da tecnologia é crescente, com investimento na infraestrutura de segurança, que hoje já dispõe de bloqueadores de celulares, scanners corporais, monitoramento por câmeras, portas automáticas de celas, equipamentos de Raio-X e detectores de metal de alta sensibilidade”. Machado, que também é agente penitenciário, reconhece que o sistema prisional do Estado de SP é o melhor do país, com baixíssimo índice de rebeliões e fugas. E que as unidades têm detectores de metais, mas às vezes esses equipamentos quebram, levam tempo para serem consertados, e os scanners corporais ainda não chegaram em muitas unidades. “Enquanto isso, fazemos a revista nos visitantes da melhor maneira possível, mas mesmo assim acabam entrando celulares e drogas, que são inseridos na vagina ou mesmo no ânus.” Machado conta ainda que há os veículos que levam comida e outros materiais para dentro dos presídios, e que é praticamente impossível revistar cada canto de todas as vans ou caminhões, mesmo porque isso demoraria muito e formaria filas imensas. Nos últimos dois anos foram apreendidos mais de 96 mil celulares nos presídios de todo o país. E, segundo o Ministério da Justiça, só os Estados de São Paulo e Rio Grande do Norte têm bloqueadores de sinal. Em SP, das 166 unidades prisionais, apenas 23 têm bloqueadores, e no RN, só uma.

Combater o avanço dessa poderosa facção é uma tarefa complexa e que depende de várias ações coordenadas de longo prazo e exige investimento. Para João Rinaldo, “a solução tem que combinar controle rígido das fronteiras com uso de inteligência e tecnologia. É preciso também construir unidades prisionais com RDD em todos os Estados”. Sérgio Adorno acredita que o PCC se fortalece com a prisão de jovens que cometem pequenos delitos. “Quando entram na prisão, eles não têm como não se associar aos grupos internos de poder. Por isso, a política de encarceramento em massa tem contribuído para o cenário que estamos assistindo. O enfraquecimento do PCC e de outras organizações depende da interrupção dessa política”.

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