Kim Kataguiri durante entrevista no escritório do Movimento Brasil Livre (Rita Azevedo/Exame.com)
Rita Azevedo
Publicado em 14 de março de 2016 às 11h08.
Última atualização em 27 de março de 2019 às 12h57.
São Paulo – Eles têm entre 18 e 32 anos, gostam de rock e se vestem de forma parecida: camisa estampada, calça justa, tênis de couro e óculos escuros. De longe, poderiam ser facilmente confundidos com jovens recém-formados que decidem criar uma startup.
O negócio – assim dizendo – do paulista Kim Kataguiri, de 19 anos, e de outros três jovens é, no entanto, convencer pessoas de que a estadia de Dilma Rousseff no Palácio do Planalto deve ser reduzida. Eles lideram o Movimento Brasil Livre (MBL) que, junto com o Vem pra Rua, o Revoltados Online e outros grupos, organiza as manifestações marcadas para hoje.
É num escritório na região central de São Paulo que os jovens se reúnem para planejar protestos e produzir vídeos, gravados instintivamente com a câmera do celular assim que a presidente Dilma faz um pronunciamento ou anuncia alguma ação de seu governo.
Nos vídeos, palavras de ordem são alternadas com frases de efeito prontas para gerar adesão – ou, no mínimo, polêmicas. “Meu nome, infelizmente é Renan, e eu gostaria de conversar com vocês a respeito do golpe branco que a Dilma Rousseff, o Janot e o Renan Calheiros estão preparando”, diz Renan dos Santos, de 31 anos.
Pouco antes, Dilma havia indicado Rodrigo Janot à reeleição na Procuradoria Geral da União e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), propôs uma série de medidas para ajudar a conter a crise econômica, além de prometer acelerar a recondução de Janot ao cargo.
No final do discurso para o vídeo, o líder do MBL solta um palavrão. “Nãoooo, Renan”, os companheiros reclamam. A versão sem palavrão – que possivelmente irá gerar mais engajamento – é compartilhada no Facebook minutos depois.
Rita Azevedo/Exame.com
As cenas são gravadas em um ambiente que, também, não difere muito do encontrado em empresas emergentes. As 12 pessoas que trabalham no escritório dividem duas mesas, uma poltrona e dois sofás, seguindo o modelo pregado por espaços de coworking: quanto menos paredes e divisórias, melhor.
Ao lado de uma das mesas, uma arara repleta de ternos desarrumados divide espaço com uma estante com livros, um disco do The Doors, uma estátua do presidente boliviano Evo Morales e adesivos com os dizeres “Menos Marx mais Mises” – em alusão a Ludwig von Mises, economista da escola liberal austríaca, antikeynesiano e contrário à políticas distributivistas.
A equipe do MBL se define como liberal em relação à economia e prega – entre os que os acompanham na internet e nos grupos de novos membros – o ideal do Estado mínimo em todos os sentidos possíveis.
De onde vem o dinheiro
É do engajamento na internet que, segundo a equipe, sai o dinheiro que financia as ações do MBL. A maior parte das receitas vem de doações de pessoas físicas.
“Em média são 50, 100 reais por pessoa”, diz Kataguiri. Conseguir a doação de empresas, segundo eles, tem sido algo mais difícil. O MBL não divulga o nome de doadores.
O restante do dinheiro vem da venda de produtos como um kit de cinco adesivos com a sentença “Impeachment Já” por 25 reais ou uma camiseta com a imagem de uma mão com quatro dedos e a frase “Fora PT”. O preço desse item varia um pouco. A versão simples custa 40 reais. A mesma peça autografada pelo humorista Danilo Gentili, um pouco mais – 200 reais. Há 60 peças no estoque.
O ponto de equilíbrio do MBL (no linguajar dos negócios, quando as receitas empatam com os custos) chegou recentemente. “No começo, tiramos muito dinheiro do bolso", diz Renan.
Como muitos empreendedores à frente de uma empresa nascente, os jovens afirmam não ter salário. Alguns dos que trabalham no escritório são voluntários. Para os protestos deste domingo, a estimativa é que 18 mil reais sejam gastos só em São Paulo.
O politicamente incorreto
Muitos dos membros da coordenação do MBL já foram favoráveis à imagem do hoje senador Aécio Neves (PSDB) na presidência. A lua de mel acabou quando o partido tucano decidiu ter cautela com a pauta do impeachment. Na época, o grupo atacou diretamente o senador tucano que, rapidamente, ganhou o título de traidor do Brasil - concedido pelos jovens.
“Temos que bater nos caras para que eles trabalhem como oposição”, diz Renan, que estudou Direito na Universidade de São Paulo (USP) e, junto com o irmão, atuou na campanha de Paulo Batista, candidato a deputado estadual em São Paulo pelo PRP nas eleições do ano passado.
Em seu programa político, Batista aparecia sobrevoando alvos e disparando seu “raio privatizador” que transforma comunistas em engravatados e público em privado. A fama nas redes sociais, que rendeu inclusive uma reportagem no The New York Times, garantiu menos que 19 mil votos e Batista não foi eleito.
O mesmo tom jocoso da campanha do privatizador foi herdado pelo MBL e guia o conteúdo produzido para as redes sociais – que rendem comentários fervorosos dos opositores de Dilma – e os eventos organizados pelo movimento.
Dentro de um armário, ao lado de vassouras e materiais de limpeza, o grupo guarda um pênis de pouco mais de um metro. O objeto, segundo um dos membros, seria usado em um protesto que teria como tema “o estupro da Petrobras”. Na ocasião, uma pessoa fantasiada de Dilma Rousseff correria atrás da Petrobras com o órgão sexual amarrado ao corpo. A ideia não saiu do papel por falta de quórum.
Em caso de impeachment
Os jovens anti-Dilma não trabalham com a possibilidade de a presidente renunciar. A expectativa é que o pedido de impeachment, protocolado na Câmara dos Deputados em maio, seja aceito. Nesse caso, Michel Temer ocuparia o posto de presidente. “Como o Temer não terá a legitimidade popular, ele será obrigado a fazer reformas e nos ouvir”, diz Kim Kataguiri.
Rita Azevedo/Exame.com
Quanto à atuação do MBL após uma possível saída de Dilma, ainda não há muitas certezas. “Vamos tentar o impeachment até o final”, diz Renan.
A meta, por ora, é ambiciosa: chegar a todos os estados brasileiros e ter, em cada um deles, o número de representantes regionais correspondente ao número de deputados que aquele estado tem. “Pensamos como uma startup. Se não continuarmos crescendo, vamos morrer. O próximo passo sempre tem que ser maior do que o anterior”, diz ele.
Eles também não descartam a hipótese de se aliar ou formar o próprio partido político. “Imagina um cara como o Kim debatendo no Congresso. Seria demais, inspirador”, diz Renan.
Se isso acontecer, a "startup de política" pode, no jargão dos empreendedores, de certa forma "pivotar" - ou seja, mudar radicalmente os rumos de um negócio e encontrar novas formas de receita.