No Brasil, ter faculdade faz dobrar o salário — por que isso é ruim
Com 70% dos jovens fora da faculdade, diploma segue sendo mais importante para o aumento da renda no Brasil do que em países desenvolvidos
Carolina Riveira
Publicado em 13 de outubro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 14 de junho de 2021 às 13h08.
Entrar na faculdade ainda é passaporte para uma boa renda no Brasil, muito mais do que em outros lugares. Em países como Canadá, Estados Unidos, Suécia ou Reino Unido, quem tem graduação ganha quase o mesmo do que os trabalhadores que se formaram apenas no Ensino Médio .
A média entre os países da OCDE , grupo que reúne as nações ricas, é de um salário 40% maior para quem tem diploma de graduação. Já um residente brasileiro formado no Ensino Superior ganha, em média, mais que o dobro (140%) de quem só cursou o Ensino Médio; com pós-graduação, pode-se ganhar um salário mais de quatro vezes maior (350%) na comparação com quem só se formou no Ensino Médio, segundo o relatório Education at a Glance, da OCDE.
É uma evolução de renda tentadora no Brasil e que, vista pelo lado positivo, pode ajudar jovens de baixa renda a ascender socialmente por meio da educação, mesmo se vindos de famílias pobres. Mas a possibilidade é restrita a poucos.
O Censo da Educação Superior divulgado há algumas semanas pelo Inep, instituto de pesquisas educacionais do Ministério da Educação, mostra que o acesso à faculdade vem evoluindo. O número de estudantes cursando o Ensino Superior no Brasil aumentou 44,6% nos últimos dez anos, entre 2008 e 2018. Em 2018, cerca de 8,45 milhões de pessoas estavam cursando a educação superior (a maioria, 75%, em instituições privadas).
Ainda assim, mais de 70% dos jovens entre 18 e 24 anos não se formou no Ensino Superior nem está cursando faculdade atualmente. Mesmo o Ensino Médio é um pequeno privilégio. Um a cada quatro jovens entre 18 e 24 anos (ou 25% deles) não concluiu esta etapa escolar e abandonaram a escola, segundo dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outros 39% nesta faixa etária até concluíram o Ensino Médio, mas hoje não estão no Ensino Superior.
O Censo do Ensino Superior deste ano mostra ainda que, dos que conseguiram uma graduação, boa parte dos novos alunos estão indo para educação a distância (EaD): no ano passado, 40% dos novos ingressantes foi para EaD.
O número de novas matrículas na última década subiu 51% na EaD, ante alta de 11% na educação presencial. A oferta de matrículas na educação presencial inclusive vem caindo desde 2013, acumulando queda de 13% nos últimos cinco anos.
O censo aponta que o total de vagas oferecidas na EaD passou as ofertas em educação presencial pela primeira vez na história em 2018. Por outro lado, nesta modalidade, é maior a possibilidade de que o aluno abandone o curso no meio: só 28% dos mais de 1 milhão de alunos que se formaram na rede privada no ano passado vieram da EaD, ante 72% da educação presencial.
De qualquer forma, mesmo com as novas possibilidades de educação a distância e cursos mais baratos surgindo no Brasil, nossa taxa de graduados ainda é baixa, mesmo na comparação com países de renda parecida. Segundo o Education at a Glance (que usou dados de 2017), só 14% dos brasileiros entre 55 e 64 anos se formou no Ensino Superior.
Entre os jovens de 25 a 34 anos, a taxa aumenta para quase 20%, mas ainda abaixo de outros países em desenvolvimento. Na Colômbia, 29% dos jovens entre 25 e 34 anos se formou na faculdade; no México, 23%; no Chile, 34%; na Argentina, 40%; na Rússia, 63% dos jovens se formou. A média da OCDE é de 44% de diplomados no Ensino Superior entre 25 e 34 anos.
Essa desigualdade no acesso explica a enorme diferença de renda que se pode obter com um diploma de graduação no Brasil na comparação com os países desenvolvidos.
Quanto menor o número de pessoas com Ensino Superior, mais o diploma pode se tornar um diferencial (nos países ricos, onde diploma de graduação é quase regra, o oposto também gera algumas crises, com pessoas graduadas podendo enfrentar desemprego ou baixos salários em tempos de recessão econômica, como após a crise de 2008).
Um conceito da economia é usado por pesquisadores de educação para explicar o cenário. É o chamado signalling model, ou modelo de sinalização, desenvolvido pelo Nobel de economia canadense Michael Spence na década de 1970.
Ao ter um diploma de Ensino Superior — algo que mais de 70% da população brasileira não possui — um jovem sinaliza a seus potenciais empregadores que tem certas habilidades, mesmo antes de uma entrevista de emprego ou dinâmica em que possa detalhar melhor sua qualificação.
O potencial de ganhos é intensificado se a instituição é vista como prestigiada pelo mercado de trabalho, caso das universidades de ponta — que, no geral, têm ou vestibulares super concorridos no caso das públicas, ou vestibulares concorridos e mensalidades altas, no caso das privadas.
Outro desafio é que, apesar do avanço no número de matrículas no Ensino Superior na última década, o acesso à faculdade ainda é maior entre a população de maior renda. A população de renda 25% menor tem, em média, 9,7 anos de estudo formal (somente completar o Ensino Médio exigiria 11 anos de estudo).
Um estudo também da OCDE, de 2018, mostra que uma criança da menor classe social no Brasil levaria nove gerações para chegar à classe mais alta, o que levou a organização a descrever a desigualdade social no país como um “elevador quebrado”, em que torna-se quase impossível ascender socialmente.
Vale lembrar, ainda, que um diploma de graduação que possibilite ganhar o dobro da média da população brasileira não representa sequer uma renda grandiosa. Quem ganha 3.000 reais no Brasil, por exemplo, já ganha mais do que 89% da população, segundo a Pnad, do IBGE. A renda média não chega a 1.400 reais.
Assim, a renda maior proporcionada pela escolaridade no Brasil é uma prova de como a sociedade brasileira ainda é desestruturada e desigual.