No Alemão, quem ocupa escola é a UPP
UPP instalada dentro de colégio do complexo do Alemão, no Rio, deve permanecer, e as crianças convivem com medo e tiroteios
Da Redação
Publicado em 30 de novembro de 2015 às 15h00.
São Paulo - “O secretário esteve hoje na comunidade de Nova Brasília e esteve na escola Caic Theophilo de Souza Pinto. Ele reafirmou o compromisso em mudar a escola do local”, escreveu, por email, a assessoria de comunicação do secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro , José Mariano Beltrame, em resposta ao pedido da Pública para visitar a UPP Nova Brasília, implantada há três anos no colégio estadual que atende alunos do ensino fundamental e médio.
A permissão foi negada: nem a Pública poderia visitar a escola nem seus funcionários poderiam dar entrevistas. A Secretaria de Educação se recusou a informar o número de alunos que frequenta a escola, depois da implantação da UPP.
Mais difícil de esconder são os buracos de balas nas paredes do prédio branco de três andares que ocupa a Praça do Conhecimento no Complexo do Alemão.
São cerca de 70, de acordo com uma rápida contagem feita pela reportagem pelo lado de fora.
Há pelo menos dois anos, o Complexo do Alemão é uma das comunidades mais afetadas pelos enfrentamentos entre polícia e criminosos no Rio.
A UPP está cravada dentro do colégio, a 20 metros do edifício principal, onde ocorrem as aulas. Todas as manhãs, os alunos têm que passar diante dos policiais armados para entrar e sair das classes. Na hora da saída, é fácil encontrá-los.
Muitos falam abertamente sobre a situação. Preferem não dizer seus nomes; “a escola não quer que falemos com jornalistas”, diz um deles. Todos confirmam que os tiros são “muito frequentes”, “sobretudo de manhã”.
Duas meninas contam: “A metade dos alunos da nossa classe já não vem às aulas”. Outra diz: “O que mais me dá medo é quando saímos da escola. Pelo menos quando estamos lá dentro, temos o muro para nos proteger”.
O que eles fazem em caso de tiros? “Depende da intensidade”, diz um menino de cerca de 14 anos, na quadra de futebol ao lado da escola.
“Se são poucos, o professor continua a aula, mas quando são muitos paramos tudo e nos jogamos no chão. Às vezes, ficamos nos corredores. São mais seguros. Mas os tiros perturbam porque, mesmo quando a aula continua, uma parte da sua atenção está lá fora, escutando o que pode acontecer.”
Se as crianças são bem sinceras, os adultos são os que mais se mostram revoltados com a situação. Ao redor da escola, os comerciantes – que também pediram que não fossem identificados – contam que “toda a comunidade acha que essa situação é absurda e demonstra a falta de respeito das autoridades com a gente”.
Um vendedor considera: “Antes, na época do tráfico, eles nunca entravam na escola. Por que os policiais entram?”.
Em conversa com a reportagem, a mãe de uma aluna reconhece que prefere deixar a filha em casa quando a situação está tensa: “Dizem que a UPP fica na escola porque não encontram um lugar. Mas é como dizer ‘vou invadir a sua casa porque não tenho apartamento’ ou ‘roubo porque não tenho dinheiro’. É esse o discurso da polícia!".
No último dia 4 de maio, pais e professores pediram formalmente a retirada da UPP durante uma audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência contra Jovens Negros e Pobres.
Dois dias depois, em um comunicado, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) assegurou em uma nota: “A UPP será desativada e o prédio para onde será transferida a base está em reforma”.
Uma campanha da ONG Meu Rio pedindo a saída da UPP teve a adesão de cariocas, que escreveram emails para a CPP e para Beltrame.
Finalmente, no final de agosto, José Mariano Beltrame visitou a Theophilo de Souza Pinto. Declarou à imprensa que planejava mudar a UPP de lugar.
O twitter oficial da Secretaria de Segurança Pública postou uma foto em que ele aparece ao lado da diretora da escola:
Porém, em resposta a um pedido feito através da Lei de Acesso à Informação pela Pública, a secretaria deixou claro que nada está sendo feito para que a promessa seja cumprida.
“Todas as ações e diligências para captação de lotes para implantação da Sede da Nova Brasília foram executadas no exercício de 2012, que culminou com a inauguração da referida UPP na data de 18 abril de 2012”, diz a resposta enviada em 20 de setembro.
Sobre o orçamento previsto para a compra ou reforma de uma nova sede, a secretaria escreve: “O plano orçamentário para o exercício 2015 e elaborado no ano de 2014 não prevê orçamento para novas aquisições de lotes nas UPP já contempladas nos exercícios anteriores, dentre as quais a UPP Nova Brasília”. A Pública ligou ainda mais uma vez para a secretaria, perguntando se havia alguma previsão oficial. A resposta foi “ainda não temos uma previsão para a mudança”.
Enquanto isso, alunos que frequentam a escola para os cursos noturnos relataram à Pública ter sofrido ameaças de perder suas vagas caso continuassem denunciando a situação para a imprensa.
O que não significa, claro, que a voz da comunidade vai se calar. Apenas alguns minutos antes do fechamento desta reportagem, um jovem de 18 anos, aluno da escola, usava a sua conta pessoal no Facebook para desabafar: “Depois de hoje acho difícil ter algo lá na escola, um evento bacana que foram dias e dias montando, escrevendo, gastando energia de onde não se tinha mais, noites sem dormir selecionando fotos. O evento estava acontecendo com muitas comidas típicas, exposições fotográficas, dança, teatro tivemos que acabar as pressas por conta de um intenso tiroteio que acontecia na parte externa da escola. Muitos alunos e professores passando mal tendo que ser socorridos, nossa tenso demais. Será que isso um dia acaba? Eis a questão”.
São Paulo - “O secretário esteve hoje na comunidade de Nova Brasília e esteve na escola Caic Theophilo de Souza Pinto. Ele reafirmou o compromisso em mudar a escola do local”, escreveu, por email, a assessoria de comunicação do secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro , José Mariano Beltrame, em resposta ao pedido da Pública para visitar a UPP Nova Brasília, implantada há três anos no colégio estadual que atende alunos do ensino fundamental e médio.
A permissão foi negada: nem a Pública poderia visitar a escola nem seus funcionários poderiam dar entrevistas. A Secretaria de Educação se recusou a informar o número de alunos que frequenta a escola, depois da implantação da UPP.
Mais difícil de esconder são os buracos de balas nas paredes do prédio branco de três andares que ocupa a Praça do Conhecimento no Complexo do Alemão.
São cerca de 70, de acordo com uma rápida contagem feita pela reportagem pelo lado de fora.
Há pelo menos dois anos, o Complexo do Alemão é uma das comunidades mais afetadas pelos enfrentamentos entre polícia e criminosos no Rio.
A UPP está cravada dentro do colégio, a 20 metros do edifício principal, onde ocorrem as aulas. Todas as manhãs, os alunos têm que passar diante dos policiais armados para entrar e sair das classes. Na hora da saída, é fácil encontrá-los.
Muitos falam abertamente sobre a situação. Preferem não dizer seus nomes; “a escola não quer que falemos com jornalistas”, diz um deles. Todos confirmam que os tiros são “muito frequentes”, “sobretudo de manhã”.
Duas meninas contam: “A metade dos alunos da nossa classe já não vem às aulas”. Outra diz: “O que mais me dá medo é quando saímos da escola. Pelo menos quando estamos lá dentro, temos o muro para nos proteger”.
O que eles fazem em caso de tiros? “Depende da intensidade”, diz um menino de cerca de 14 anos, na quadra de futebol ao lado da escola.
“Se são poucos, o professor continua a aula, mas quando são muitos paramos tudo e nos jogamos no chão. Às vezes, ficamos nos corredores. São mais seguros. Mas os tiros perturbam porque, mesmo quando a aula continua, uma parte da sua atenção está lá fora, escutando o que pode acontecer.”
Se as crianças são bem sinceras, os adultos são os que mais se mostram revoltados com a situação. Ao redor da escola, os comerciantes – que também pediram que não fossem identificados – contam que “toda a comunidade acha que essa situação é absurda e demonstra a falta de respeito das autoridades com a gente”.
Um vendedor considera: “Antes, na época do tráfico, eles nunca entravam na escola. Por que os policiais entram?”.
Em conversa com a reportagem, a mãe de uma aluna reconhece que prefere deixar a filha em casa quando a situação está tensa: “Dizem que a UPP fica na escola porque não encontram um lugar. Mas é como dizer ‘vou invadir a sua casa porque não tenho apartamento’ ou ‘roubo porque não tenho dinheiro’. É esse o discurso da polícia!".
No último dia 4 de maio, pais e professores pediram formalmente a retirada da UPP durante uma audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência contra Jovens Negros e Pobres.
Dois dias depois, em um comunicado, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) assegurou em uma nota: “A UPP será desativada e o prédio para onde será transferida a base está em reforma”.
Uma campanha da ONG Meu Rio pedindo a saída da UPP teve a adesão de cariocas, que escreveram emails para a CPP e para Beltrame.
Finalmente, no final de agosto, José Mariano Beltrame visitou a Theophilo de Souza Pinto. Declarou à imprensa que planejava mudar a UPP de lugar.
O twitter oficial da Secretaria de Segurança Pública postou uma foto em que ele aparece ao lado da diretora da escola:
Porém, em resposta a um pedido feito através da Lei de Acesso à Informação pela Pública, a secretaria deixou claro que nada está sendo feito para que a promessa seja cumprida.
“Todas as ações e diligências para captação de lotes para implantação da Sede da Nova Brasília foram executadas no exercício de 2012, que culminou com a inauguração da referida UPP na data de 18 abril de 2012”, diz a resposta enviada em 20 de setembro.
Sobre o orçamento previsto para a compra ou reforma de uma nova sede, a secretaria escreve: “O plano orçamentário para o exercício 2015 e elaborado no ano de 2014 não prevê orçamento para novas aquisições de lotes nas UPP já contempladas nos exercícios anteriores, dentre as quais a UPP Nova Brasília”. A Pública ligou ainda mais uma vez para a secretaria, perguntando se havia alguma previsão oficial. A resposta foi “ainda não temos uma previsão para a mudança”.
Enquanto isso, alunos que frequentam a escola para os cursos noturnos relataram à Pública ter sofrido ameaças de perder suas vagas caso continuassem denunciando a situação para a imprensa.
O que não significa, claro, que a voz da comunidade vai se calar. Apenas alguns minutos antes do fechamento desta reportagem, um jovem de 18 anos, aluno da escola, usava a sua conta pessoal no Facebook para desabafar: “Depois de hoje acho difícil ter algo lá na escola, um evento bacana que foram dias e dias montando, escrevendo, gastando energia de onde não se tinha mais, noites sem dormir selecionando fotos. O evento estava acontecendo com muitas comidas típicas, exposições fotográficas, dança, teatro tivemos que acabar as pressas por conta de um intenso tiroteio que acontecia na parte externa da escola. Muitos alunos e professores passando mal tendo que ser socorridos, nossa tenso demais. Será que isso um dia acaba? Eis a questão”.