Brasil

Não tem como evitar colapso do sistema de saúde, diz governador do Ceará

Governador Camilo Santana culpa Bolsonaro pelo relaxamento da quarentena e diz que, como consequência, teve que decretar "lockdown"

Ceará: Camilo Santana afirmou que a postura de Bolsonaro durante a pandemia de coronavírus é lamentável (Mateus Dantas/Estadão Conteúdo)

Ceará: Camilo Santana afirmou que a postura de Bolsonaro durante a pandemia de coronavírus é lamentável (Mateus Dantas/Estadão Conteúdo)

AO

Agência O Globo

Publicado em 7 de maio de 2020 às 11h35.

Última atualização em 7 de maio de 2020 às 15h45.

O governador do Ceará, Camilo Santana (PT), culpa o presidente Jair Bolsonaro pelo aumento da circulação de pessoas em Fortaleza. Como consequência disso, ele sustenta que foi obrigado a implantar o lockdown - medida extrema de confinamento - na capital cearense a partir de sexta-feira. Mesmo com a medida, Camilo diz que não é possível garantir que o sistema de saúde do estado está livre de entrar em colapso.

Relatou ainda que o Ceará está tendo problemas com faltas de equipes médicas e que cada profissional está precisando atender mais pacientes. Indagado sobre afastamento ou renúncia de Bolsonaro, Camilo defendeu investigações, mas disse que é hora de união para combater o coronavírus.

Por que foi necessário anunciar medidas mais rígidas de restrição em Fortaleza ? O senhor classifica como um lockdown?

O epicentro do problema no estado é a capital, com quase 80% dos casos e dos óbitos. A gente constatou nas últimas semanas a diminuição do isolamento. Compreendemos as dificuldades (das pessoas ficarem em casa) até porque Fortaleza é a cidade mais densa do ponto vista demográfico do Brasil. Nas áreas mais periféricas há dificuldade de manter as pessoas em casa em razão das precariedades urbanas. Os objetivos do isolamento rígido, o nome independe, o importante são as medidas, diminuir a curva, fazer com que as pessoas cumpram mais fortemente o isolamento, e evitar a transmissão.Se isso chegar ao interior do estado nessa velocidade seria mais problemático ainda.

O senhor acha que a postura do presidente encorajou as pessoas a saírem às ruas e a medida tomada em Fortaleza é consequência disso?

Não tenho dúvida. Isso cria uma confusão na cabeça das pessoas. Você vê a maior autoridade do Brasil dando uma orientação contrária do que os especialistas falam, do que a Organização Mundial da Saúde fala, do que o próprio Ministério da Saúde tem orientado. É lamentável. Acho que este é o momento de somarmos esforços, nos unirmos com o objetivo de combater o inimigo comum que é esse vírus. Não tenho dúvida que isso tem contribuindo para a diminuição do isolamento no caso específico aqui do Ceará.

Teve um estudo da secretaria da Saúde que projetava que o número de mortes por dia poderia chegar a 250 no estado em maio. Esse número não foi alcançado. Qual a projeção hoje?

Esse dado foi colocado pelo secretário da saúde que ocorreria se fossem adotadas as medidas de isolamento. Se não tivéssemos ampliado o número de leitos, só na capital nós adquirimos dois hospitais privados, poderia chegar a esse indicador. Poderíamos chegar a aqueles indicadores. A preocupação agora é porque houve uma diminuição do isolamento. Tem bairros aqui de Fortaleza, que estava com 32% (de adesão). Se mantivesse isso, havia um risco de aumentar significativamente os casos e consequentemente os óbitos porque o sistema de saúde não iria comportar. É por isso que as medidas mais restritivas, mais duras, a partir de agora, para diminuir novamente a curva. Para o sistema de saúde não ter que fazer um opção de quem será atendido ou não, quem usará o respirador ou não.

Com essas medidas é garantido que o sistema não entrará em colapso? Ou o colapso vai ser inevitável?

Isso é difícil de avaliar. Primeiro, temos que garantir que o isolamento funcione. Depois saber a capacidade, principalmente de equipes de saúde. Hoje, estamos tendo dificuldade com profissionais de saúde, com muitos afastados por suspeita de Covid-19. Há uma dificuldade de montar equipes, principalmente equipes especializadas de UTI. Vamos fazer todos os esforços possíveis para garantir essa ampliação (de atendimento). Mas é impressível dizer qual será o nível que nós vamos alcançar daqui a 15 dias ou daqui a 30 dias.

Mas há falta de médicos?

A Escola de Saúde Pública do estado está com um trabalho de capacitação de intensivistas, de pessoas que possam trabalhar em UTI. A dificuldade é de especialistas nessa área, que saibam intubar um paciente, saibam usar um respirador. Mas como a gente aumentou em 63% o total de leitos de UTI no estado em pouco mais de um mês, há uma dificuldade. O médico que era responsável por dez leitos, agora ele ficará responsável por 20. Estamos solicitando que a política de contratação de médicos do governo federal possa vir para o Ceará. Tem sido uma desafio enorme a contratação de profissionais na área da saúde. Isso não é um problema só do Ceará.

O senhor sofreu críticas por parte de empresários e comerciantes?

Sempre disse desde o início que as decisão seriam pautada por orientações técnicas. Nós temos um comitê científico, que apresentaram relatórios. Fizemos reuniões com especialistas das universidades. Neste momento em Fortaleza está havendo uma compreensão maior dos setores. Temos tomado algumas medidas (compensatórias), suspendemos a cobrança de ICMS das empresa do Simples Nacional. Isso representa 90% das empresas. Estamos pagando a conta de energia e de água de todas as famílias de baixa renda. Temos procurado minimizar os impactos, porque também nos preocupamos com a economia e com o emprego. As pessoas estão compreendo a necessidade dessas medidas mais duras neste momento porque o que está em jogo é salvar vidas.

Não faltaram obras no período antes da Covid-19 para deixar o sistema mais equipado?

Esse não é um problema só do Ceará, é no Brasil inteiro. O sistema público sempre teve um déficit, isso é histórico. O Ceará talvez tenha sido um dos poucos estados que tem investido fortemente. Para se ter uma ideia, nós não tínhamos um hospital estadual com leito de UTI no interior. Ao longo dos últimos anos, foram implantados três hospitais. É um momento para gente repensar o papel do sistema de saúde pública no Brasil. A necessidade ampliação, de controle de resultados. O que falta no sistema público é resultado, eficiência.

Mas havia um déficit em torno de 200 leitos de UTI no estado antes da Covid-19.

Sim. Mas isso ocorreu porque muitos hospitais privados filantrópicos que atendiam pelo SUS fecharam. A tabela do SUS praticamente não cobre 50% do custo de um leito desse. Como a tabela tem um valor muito baixo, no Ceará o setor público aumentou os leitos e o setor privado e filantrópico diminuiu. Por isso, houve um déficit. Um dos hospitais que assumimos na capital agora por causa do coronavírus, o Hospital Batista, estava fechado por causa disso. Fizemos uma requisição.

Na campanha de 2018, o senhor prometeu também entregar o Hospital Regional do Vale Jaguaribe, que está atrasado.

Está praticamente pronto. Atrasou, a meta era entregar a obra física no final do ano passado. Estamos acelerando. Essa obra não parou. A ideia é que gente possa colocar para funcionar ainda este ano. E estamos anunciando um hospital universitário metropolitano em Fortaleza. Será o maior hospital do estado, para ampliar a rede de saúde do estado. Está saindo a licitação.

Por que o Ceará tem tantos casos, sendo o terceiro estado do país em números absolutos?

Nós temos testados muito. São quase 32 mil testes neste período. Quanto mais se testa, mais se confirma os casos e mais se confirma óbitos. Um segundo ponto é que o Ceará teve um crescimento de voos internacionais. Nós éramos o quarto estado do país em fluxo de passageiros internacionais. E esse vírus veio de fora. Não tenho dúvida que esse foi um dos fatores que contribuíram para o aumento ou a celeridade.

O senhor tem feito críticas ao presidente Bolsonaro. Muitos políticos do seu campo têm defendido a renúncia ou impeachment. Como o senhor se posiciona com relação a isso?

Todas as denúncias, independentemente de contra quem sejam feitas, seja o presidente ou qualquer outro, precisam ser apuradas pelos meios legais existentes. O que acho importante neste momento é o respeito à democracia. É o direito de expressão, de liberdade, que nós conquistamos a duras penas. Isso precisa, acima de tudo, ser garantido e preservado. É lamentável uma agressão a um profissional da impressa.

É lamentável que, enquanto vivemos uma epidemia com os números crescendo a cada dia, o presidente estar estimulando aglomeração, estar orientando no caminho contrário. É lamentável essa postura e precisamos alertar o país sobre isso. É o que tenho tentando fazer, sempre ao meu estilo, com muito respeito. É a maior autoridade do brasil. Este era o momento de estarmos todos unidos. Assim com as alegações do Moro precisam ser investigadas. Mas a prioridade neste momento deve ser o combate à pandemia. Infelizmente, é lamentável essa postura do nosso dirigente maior do país.

O eventual afastamento fica para depois da pandemia?

Todas as questões precisam ser apuradas dentro dos meios legais, mas acho que o foco neste momento deve estar voltado para salvar vidas, para minimizar os efeitos da pandemia e respeitar a democracia acima de tudo.

Acompanhe tudo sobre:CearáCoronavírusFortalezaGovernadoresHospitais públicosJair Bolsonaro

Mais de Brasil

Ponte que liga os estados de Tocantins e Maranhão desaba; veja vídeo

Como chegar em Gramado? Veja rotas alternativas após queda de avião

Vai viajar para São Paulo? Ao menos 18 praias estão impróprias para banho; veja lista

Quem são as vítimas da queda de avião em Gramado?