Fernando Passalio: Estamos nos preparando para os desafios futuros, independentemente do modelo de privatização (Leandro Fonseca /Exame)
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 8 de dezembro de 2025 às 16h16.
Última atualização em 8 de dezembro de 2025 às 16h18.
Fernando Passalio, presidente da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), conhece a administração pública como poucos. Servidor de carreira da Fazenda mineira, já ocupa cargos no governo mineiro desde 2008. No início desse ano, deixou a secretaria de Desenvolvimento Econômico, pasta que cuidava da gestão das estatais, e assumiu a missão de comandar a estatal de saneamento em meio a discussões de privatização. Saiu do papel de controlador para ser o controlado, como diz.
"A missão do governador, uma das principais, era desestatizar e privatizar. Nós conseguimos reduzir quase 200 CNPJs no governo, reduzimos fundos, participações societárias que não tinham afinidade com a atividade governamental, ativos que o governo não precisava manter", afirma Passalio em entrevista exclusiva na sede da EXAME em São Paulo.
No caso da Copasa, o presidente da estatal aponta que a empresa mais que triplicou a capacidade de investimento, saltando de R$ 586 milhões em 2019 para R$ 2 bilhões em 2024. Apenas no terceiro trimestre de 2025, a empresa investiu R$ 800 milhões.
"A Copasa tem um plano de investimentos de R$ 17 bilhões até 2029. O objetivo é continuar melhorando a qualidade do serviço, expandir nossa infraestrutura e buscar inovações", diz.
O volume bilionário ainda está aquém do necessário para universalizar o saneamento das cidades atendidas. Hoje, a cobertura de abastecimento de água na área atendida é de 99%, patamar previso na meta de universalização do saneamento. No caso do tratamento do esgoto, o patamar é de 78,4%. A meta é de 90% até 2033. A privatização é colocada pelo executivo como essencial para destravar os aportes necessários para chegar nos objetivos.
"O modelo estatal impõe uma morosidade, e é óbvio que isso, na nossa matriz de risco, é um ponto que preocupa em relação a 2033. Em que pese estarmos tendo uma evolução na velocidade das obras e na quantidade delas, isso para nós é um direcionamento de que estamos numa crescente", diz.
Apesar de não entrar no detalhe do processo de privatização, que ainda está em discussão na Assembleia Legislativa do Estado, Passalio afirma que a empresa está preparada para qualquer cenário.
"Estamos nos preparando para os desafios futuros, independentemente do modelo de privatização. A reestruturação em andamento, com a implementação do CSC [Centro de Serviços Compartilhados], a modernização dos processos operacionais e o foco na redução de perdas e aumento da eficiência, é um passo importante para o futuro da empresa", diz.
Entre as ações necessárias para conseguir avançar na privatização está a renovação de contrato com as cidades hoje atendidas. As 632 cidades atendidas pela estatal têm contatos com diferentes prazos de conclusão.
A intenção da empresa é renovar com todos os municípios até 2073. Na última sexta-feira, a empresa assinou um protocolo vinculante para a renovação do contrato de concessão de água e esgoto com Belo Horizonte, a cidade que representa 30% do faturamento da empresa.
Como você iniciou sua trajetória no governo e como chegou à Copasa?
Eu iniciei com o governador Romeu Zema em 2019, como subsecretário de Desenvolvimento Regional. Fiquei durante o ano de 2019, depois passei ao cargo de secretário adjunto. Depois de alguns meses, fui para secretário titular da pasta de Desenvolvimento Econômico, que tinha como principais desafios atrair investimentos, promover um melhor ambiente de negócios e desestatizar. A pauta de privatização esteve comigo durante todo esse tempo. Saí em março desse ano.
Antes de entrar no governo, você já tinha trabalhado em outros governos ou era a primeira vez?
Estou no governo desde 2008. Antes disso, trabalhei como compliance de banco durante muitos anos. Imagina, eu instalei compliance em 2002 no banco. Até hoje, as pessoas não sabem direito o que é compliance, imagina explicar ou implantar uma cultura de controle interno, de compliance, no início dos anos 2000. Foi um grande desafio. Depois, fui para a Secretaria da Fazenda, como servidor de carreira, na área de micro e pequenas empresas, onde fui superintendente para desenvolver micro e pequenas empresas, indústrias e polos industriais. Trabalhei em vários governos, ocupando o cargo de superintendente estadual na área de desenvolvimento econômico.
Como o governador Romeu Zema o conheceu para convidá-lo para o governo?
Até 2018, eu era superintendente. Chegou um governo novo, e participei de um processo seletivo para ser secretário. Fui indicado para o cargo de subsecretário. O vice-presidente global da Gerdau, Manoel Vitor, foi escolhido como secretário, mas em setembro ele pediu para sair e, então, me convidaram para ser adjunto do Cássio Rocha Azevedo. Uma semana depois, ele descobriu que tinha câncer em fase terminal e eu acabei assumindo como secretário adjunto em exercício por um longo período. Depois, o Caio tomou posse de forma mais simbólica e veio a falecer, o que me levou a ser sabatinado novamente e, então, me tornei secretário de Desenvolvimento Econômico. Durante minha gestão como secretário, consegui atrair quase meio trilhão de reais em investimentos. Antes da gestão de Romeu Zema, a média era de 11 bilhões por ano. Em 6 anos, conseguimos trazer R$ 500 bilhões e gerar 1 milhão de empregos em Minas Gerais.
Como se deu a sua transição para a Copasa e como você encarou essa nova missão?
A missão do governador, uma das principais, era desestatizar e privatizar. Conseguimos reduzir quase 200 CNPJs no governo, reduzimos fundos, participações societárias que não tinham afinidade com a atividade governamental, ativos que o governo não precisava manter. Em fevereiro deste ano, como eu também era responsável pela gestão das estatais, o então presidente da Copasa, Guilherme Duarte, me ligou para comunicar que estava de saída. Na hora, ainda com o fone de ouvido, escutando a história dele, mandei uma mensagem para o governador perguntando se eu poderia assumir o cargo de presidente. Eu sairia do cargo de representante do controlador nas estatais e passaria a sentar na cadeira de presidente para tocar a operação da empresa. Para mim, seria uma grande oportunidade e o governador e o vice-governador Mateus Simões me concederam essa chance. Desde 4 de março, presido a Copasa, o que é uma guinada na minha carreira de servidor público, agora CEO de uma das empresas que mais cresce no Brasil.
Como a Copasa avançou nesses meses em que você está à frente da companhia?
O que fiz foi desburocratizar a relação da Copasa com o setor de investimentos, criando o programa Simplifica Copasa. A primeira grande batalha foi com relação aos loteamentos, que promovem o crescimento dos municípios, mas tinham processos morosos, com checklists enormes, quase 380 itens. Eu organizei e eliminei itens obsoletos e subjetivos, e com isso conseguimos reduzir para menos de 110 itens no checklist, além de reduzir consideravelmente o prazo para análise desses documentos. Isso foi um grande avanço para destravar o desenvolvimento e gerar empregos regionais.
Como está sendo a reestruturação da Copasa e o impacto dela na eficiência da empresa?
Estamos passando por uma reestruturação significativa com o Boston Consulting Group (BCG), com a implantação do CSC (Centro de Serviços Compartilhados). A Copasa não tinha isso antes, e agora estamos criando uma estrutura mais integrada e padronizada. Essa reestruturação já trouxe ganhos de eficiência, especialmente na escala de compras, e está permitindo que a empresa seja mais moderna. Estamos redesenhando as superintendências para tornar o trabalho técnico mais uniformizado. Além disso, a consultoria da Kearney tem nos ajudado a reduzir custos. No terceiro trimestre de 2025, alcançamos um EBITDA de mais de R$ 2 bilhões e uma geração de caixa de R$ 701 milhões, 26% a mais do que no mesmo período do ano passado.
Quais são as principais obras em andamento na Copasa?
Temos projetos significativos, como o retrofit das estações de tratamento de esgoto, que estão sendo atualizadas para cumprir com os parâmetros ambientais. Também estamos trabalhando na resiliência hídrica, especialmente na Grande BH, com a integração de sistemas de água para garantir que, em caso de falha em um sistema, outros possam atender a região. Uma das maiores obras é na Estação de Tratamento de Esgoto da Onça, com investimentos de cerca de R$ 1 bilhão.
A Copasa tem investido em parcerias e projetos relacionados à sustentabilidade e ao reuso de água? Quais iniciativas a empresa tem implementado nessa área?
Sim, uma parceria interessante foi com a Aperam e a Metalsider. No semiárido mineiro, temos muitas florestas de eucalipto que demandam grandes quantidades de água. Em algumas regiões com escassez hídrica, tratamos o esgoto de 636 municípios em concessão e conseguimos um acordo com a Aperam para que eles deixassem de captar água de rios e passassem a utilizar a água tratada do esgoto. A água de esgoto, devido ao seu alto poder fertilizador, é muito útil para irrigar florestas de eucalipto. Isso é um exemplo de água de reuso, um grande projeto, pioneiro, que estamos avançando para todos os projetos de floresta plantada no estado onde a Copasa atua.
Copasa também está se preparando para uma possível privatização. Como vocês estão lidando com esse cenário?
O processo de privatização da Copasa está em andamento, mas ainda estamos em fase de discussão com o governo e o parlamento. Recentemente, foram contratados assessores para realizar estudos e apresentar alternativas de modelagem para a privatização. A empresa ainda não tem domínio sobre esse processo, e ele está sob análise dos consultores contratados. Estamos aguardando a aprovação de um projeto de lei na Assembleia, o que pode influenciar o modelo de privatização. Esse processo ainda está em fase de diagnóstico e, por enquanto, não há clareza sobre a modelagem final.
A Copasa tem algum plano de PDV (Plano de Demissão Voluntária) em meio a esse processo?
Ainda não implementamos um PDV. O PDV é algo polêmico, mas, por agora, o foco da Copasa está na eficiência dos processos e na reestruturação que estamos implementando. A consultoria BCG tem trabalhado para nos ajudar a melhorar a gestão e otimizar os processos internos. A questão de um possível PDV pode ser avaliada no futuro, mas não temos planos para isso no curto prazo, especialmente porque estamos em meio a um processo de privatização. Portanto, no momento, não há previsão de implementação de um PDV.
Você vê hoje que se a privatização não acontecer existe algum risco da Copasa não conseguir atingir a meta de universalização?
Bom, ainda tem muita água para rolar debaixo da ponte. O risco sempre vai existir dentro de um modelo em que temos dificuldades de ganho de efetividade nos processos. O modelo estatal impõe uma morosidade, e é óbvio que isso, na nossa matriz de risco, é um ponto que nos preocupa em relação a 2033. Em que pese estarmos tendo uma evolução na velocidade das obras e na quantidade delas, isso para nós é um direcionamento de que estamos numa crescente. Mas, ainda assim, estamos de olho nesses riscos que são inerentes ao modelo estatal.
O que você pode nos dizer sobre a expansão dos serviços da Copasa em Minas Gerais em estados que não são atendidos hoje pela empresa?
Estamos focados em melhorar a qualidade do serviço onde já atuamos, mas sempre atentos às oportunidades de expansão. Em casos de licitação, pretendemos participar para manter e expandir nossa presença nos municípios onde já atuamos. Estamos criando uma área de novos negócios, que se concentra em projetos como reuso de água e outros serviços relacionados ao saneamento. Queremos aproveitar essas oportunidades sem perder o foco no nosso core business, que é a gestão de água e esgoto.
Como você vê a Copasa até 2029?
A Copasa tem um plano de investimentos de R$ 17 bilhões até 2029. O objetivo é continuar melhorando a qualidade do serviço, expandir nossa infraestrutura e buscar inovações. Além disso, estamos de olho na privatização, que pode ser uma chave para a agilidade da empresa, permitindo que continuemos a garantir o abastecimento de água e esgoto de forma eficiente e sustentável.
Como está a Copasa se preparando para os desafios futuros, incluindo a privatização?
Estamos nos preparando para os desafios futuros, independentemente do modelo de privatização. A reestruturação em andamento, com a implementação do CSC, a modernização dos processos operacionais e o foco na redução de perdas e aumento da eficiência, são passos importantes para o futuro da empresa. Estamos também atentos às oportunidades de novos negócios, mas sempre mantendo o foco no nosso core business, que é o saneamento.