Marco temporal: tema foi votado pelo STF e será analisado pelo Senado (Carlos Moura/SCO/STF/Flickr)
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 24 de setembro de 2023 às 13h00.
Mesmo após o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a tese do marco temporal das terras indígenas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) deve votar o projeto que determina que os indígenas só têm direito às terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. O PL 2.903/2023 está pautado para ser analisado na próxima quarta-feira, 27.
Na sessão da Comissão na última quarta-feira, 20, alguns senadores se manifestaram pedindo a aprovação do projeto e criticaram a atuação do STF sobre o assunto. O julgamento do Supremo terminou 9 a 2. O tema ainda será retomado para os ministros definam sobre a indenização para quem ocupou áreas indígenas de boa-fé e como será o procedimento de demarcação dessas terras.
Para o relator, o senador Marcos Rogério (PL-RO), o STF só poderia decidir sobre o tema após o fim da discussão no Congresso. "São instâncias independentes. O Supremo não pode, sem devido processo legal, dizer que o Parlamento não pode legislar sobre isso. Cada um cumpre o seu papel", disse.
Rogério deu parecer favorável ao texto e argumentou que o marco temporal evita a "fraude de proliferação de aldeias" indígenas. Segundo ele, indígenas de outras regiões do Brasil e de países vizinhos seriam "recrutados" para causar uma "expansão artificial" dos limites de demarcação.
O senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou que o Supremo está legislando sobre o marco temporal. "A nossa Constituição acha que foi 5 de outubro de 1988 e a Constituição é clara quando ela considera terras indígenas aquelas ocupadas até aquele momento da promulgação. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e por eles habitadas em caráter permanente", disse o senador.
Na mesma linha de Plínio, Sérgio Moro (União-PR) disse que o Senado não pode abdicar da prerrogativa de decidir sobre o marco legal. "Não podemos aqui abrir mão da nossa prerrogativa de legislar, senão fechemos o Congresso de uma vez e aguardemos que todas as questões sejam resolvidas pelo STF", argumentou.
Do lado do que é contra o projeto, Humberto Costa (PT-PE) disse que o PL vai inviabilizar a demarcação de novos territórios indígenas e, por isso, é inconstitucional. "É uma matéria que agride a Constituição Federal e o seu espírito cidadão; é preconceituosa, porque é dirigida sob medida contra os povos indígenas; é um erro histórico, no momento em que falamos da Amazônia e do combate à desigualdade", avaliou Costa.
O líder do governo na casa, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que vai buscar um acordo com a oposição. Ele disse também que não vê com bons olhos o Senado votar o assunto após a decisão do STF. "Não me parece de bom tom nós confrontarmos uma declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal com um projeto de lei que flagrantemente será inconstitucional", disse.
Aprovado na Câmara no final de maio, a proposta já passou na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) antes de chegar na CCJ. Caso seja aprovada na Comissão, caberá ao plenário do Senaod votar a decisão final. De acordo com o texto, para que uma área seja considerada “terra indígena tradicionalmente ocupada”, será preciso comprovar que, na data de promulgação da Constituição Federal, ela era habitada pela comunidade indígena em caráter permanente e utilizada para atividades produtivas. Também será preciso demonstrar que essas terras eram necessárias para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar.
A ação julgou a disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, em Santa Catarina. No local vivem indígenas Xokleng, Guarani e Kaingang, e o governo catarinense entrou com pedido de reintegração de posse. O processo é de repercussão geral — ou seja, que reverbera em outras decisões. Hoje, o Brasil tem mais de 300 processos em aberto sobre demarcação de terras.