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Mendes manda interrogar testemunhas e adia fim de ação contra Paulo Vieira

O ex-diretor da Dersa, Paulo Vieira de Souza, responde por desvios de R$ 7,7 milhões em obras de reassentamento do Rodoanel Trecho Sul

Gilmar Mendes, ministro do STF (Ueslei Marcelino/Reuters)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 15 de fevereiro de 2019 às 12h30.

Última atualização em 15 de fevereiro de 2019 às 12h31.

São Paulo - O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes determinou que a juíza Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal de São Paulo, interrogue novamente parte das testemunhas da ação penal em que o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza responde por desvios de R$ 7,7 milhões em obras de reassentamento do Rodoanel Trecho Sul.

Mendes também ordenou que a magistrada cumpra novas diligências solicitadas pela defesa, como novos depoimentos. A decisão adia o fim do processo, que já está em fase de alegações finais - etapa que antecede o proferimento da sentença. O ministro ordenou que, após estes interrogatórios, seja reaberto prazo de 5 dias para alegações finais. Ele atende parcialmente pedido da defesa de Paulo Vieira de Souza.

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A entrega das alegações finais representa a fase final da ação penal. Após as manifestações derradeiras dos réus e do Ministério Público Federal, já poderia decidir se absolve ou condena os réus. Parte dos acusados e o próprio Ministério Público já haviam entregado as alegações finais. Com a decisão de Gilmar Mendes, o processo retoma a fase de instrução - na qual são ouvidas testemunhas, o que vai resultar em novo prazo e, possivelmente, na entrega de novas alegações.

A defesa de Souza havia pedido à juíza Maria Isabel do Prado a oitiva de novas testemunhas. Por considerar protelatória a solicitação, a magistrada a rejeitou. Tanto o Tribunal Regional Federal da 3ª Região quanto o Superior Tribunal de Justiça, posteriormente, negaram recursos da defesa.

Em sua decisão, Mendes vê "constrangimento ilegal" que justifica o julgamento do pedido "sobretudo em homenagem aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, com os meios e recursos a ela inerentes".

"Prejuízo algum haveria ao processo o deferimento do pedido. Pelo contrário: a admissão da prova solicitada pela defesa contribuiria à prestação de uma jurisdição efetiva num processo penal efetivamente justo, a que todo e qualquer acusado tem direito", escreveu.

As diligências solicitadas pela defesa de Paulo Vieira que foram acolhidas pelo ministro Gilmar Mendes são:

"1 - Oitiva de pessoas que a corré colaboradora Mércia Ferreira Gomes afirmou, pela primeira vez, em seu interrogatório, terem realizado a mesma conduta que ela, qual seja, de inserção de beneficiários que eram seus parentes em sistema da Dersa

2 - Nova oitiva de testemunhas que a corré Mércia Ferreira Gomes afirmou a terem coagido no momento de sua demissão, coação essa que teria sido gravada por ela e que apenas teria sido mencionada, pela primeira vez, durante o seu interrogatório

3 - Envio de ofícios à Dersa para que a empresa encaminhasse ao Juízo de origem diversos documentos mencionados durante as oitivas realizadas nos autos da ação penal, especialmente durante o interrogatório da corré colaboradora;

4 - Oitiva de novas testemunhas que terão a oportunidade de demonstrar a ausência de relação e de qualquer influência do corréu Paulo Vieira de Souza com as novas administrações da Dersa que assumiram a empresa após a sua exoneração, ocorrida em abril de 2010

5 - Envio de ofícios a Cartórios e determinação de oitivas de pessoas que poderiam comprovar o modus operandi relacionado à obtenção de unidades habitacionais por parentes da corré Mércia Ferreira Gomes, em relação aos quais ela deduziu novos fatos em seu interrogatório"

Prescrição

A força-tarefa da Operação Lava Jato de São Paulo afirma que "tomará as medidas judiciais cabíveis e espera que a Segunda Turma ou pelo Plenário do STF reverta a decisão em tempo de afastar o risco concreto e imediato de prescrição". Na prática, os procuradores enxergam a "anulação" da fase de alegações.

"Tal decisão, caso não seja revertida, vai acarretar a prescrição dos crimes imputados a Paulo Vieira de Souza, uma vez que ele completará 70 anos no mês que vem, o que reduz o prazo prescricional pela metade. A medida atende única e exclusivamente as pretensões da defesa do réu, que já deixou transparecer que apostava na prescrição, conforme a imprensa registrou ano passado", afirma.

Pedido de condenação

Em suas alegações, o Ministério Público Federal já havia afirmado que havia "comprovado o desvio das verbas públicas para beneficiar seis empregadas de Paulo Vieira e Tatiana com unidades imobiliárias da CDHU e auxílios mudança destinados ao reassentamento dos moradores das áreas atingidas pelas obras do Rodoanel Mário Covas". Se somadas, as penas pedidas pela força-tarefa poderiam gerar uma sentença de até 80 anos de prisão.

Segundo o Ministério Público Federal, "todas as empregadas compareceram à sala de reunião de Paulo Vieira na sede da Dersa e forneceram seus dados a Mércia Ferreira Gomes - funcionária da estatal - para qualificação, bem como para cadastramento na lista de moradores reassentados do Trecho Sul do Rodoanel, sem terem, de fato, morado em qualquer região desapropriada em virtude das casas.

A Procuradoria ainda afirma que as empregadas de Paulo Vieira caíram em contradições quando questionadas sobre onde moravam.

O MPF diz que, embora tenham elas dito que moravam no Royal Park (área compreendida dentro do traçado original das obras do Rodoanel em São Bernardo do Campo), depreende-se firmemente dos testemunhos que nenhuma delas sabia descrever quaisquer aspectos do Royal Park ou mesmo informações cotidianas, como os nomes das ruas, as linhas de ônibus, os estabelecimentos comerciais, o nome da igreja, de algum frequentador ou mesmo o do pastor".

"Ademais, suas atividades rotineiras eram realizadas em localidade diversa daquela que afirmaram morar, o que corrobora o fato de que nenhuma das beneficiárias jamais residiu, em qualquer tempo no Royal Park", sustentam.

De acordo com os procuradores, Geraldo Casas Vilela "apropriou-se de R$ 750 mil pagos pela OAS para indenizar moradores do reassentamento, por meio da inclusão de falsos residentes no traçado da obra". Ele também teria atuado para incluir os nomes de empregados de Vieira de Souza na lista de indenizados.

Delação

Uma funcionária da Dersa também acusada, Mércia Ferreira Gomes, firmou delação premiada. Segundo o Ministério Público Federal, a colaboração foi "efetiva para entender o funcionamento do grupo criminoso e as circunstâncias dos delitos foram bastante graves, porquanto traduziram-se na montagem de um esquema criminoso de obtenção sistemática e habitual de vantagens ilícitas em razão da função pública".

Para Mércia, a Procuradoria pediu o perdão Judicial e, caso ela seja sentenciada, a redução de dois terços da pena, considerando a efetividade de sua delação.

Prisões

Paulo Vieira de Souza já foi preso duas vezes no âmbito da Operação Lava Jato, em São Paulo. A primeira, no dia 6 de abril de 2018. Ficou custodiado até 11 de maio quando foi solto pelo ministro Gilmar Mendes. Ele foi preso novamente no dia 30 de maio. Em meio à audiência de custódia de seu segundo encarceramento, Gilmar Mendes proferiu nova decisão de soltura. Ele estava sob suspeita de ameaçar testemunhas.

Além da ação penal por supostos desvios de R$ 7,7 milhões em reassentamentos para obras do Rodoanel Trecho Sul, Vieira de Souza é investigado por supostamente operar propinas para o PSDB.

Ex-executivos das empreiteiras Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez relataram à Polícia Federal terem feito repasses de 0,75% ao ex-diretor da Dersa no âmbito da construção do Rodoanel.

Em cooperação com autoridades suíças, a Lava Jato descobriu conta atribuída a Souza com R$ 113 milhões não declarados.

Veja abaixo a nota pública do Ministério Público Federal de São Paulo:

"Os procuradores integrantes da Força Tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo vêm a público afirmar que a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, no HC 167727, favorável à defesa de Paulo Vieira de Souza, determinando a anulação de fase de alegações finais de um processo em curso e a produção de provas após a fase de instrução processual, poderá causar imenso prejuízo à ação penal 0002176-18.2017.4.03.6181 que o ex-diretor da Dersa e mais quatro pessoas respondem pelos crimes de peculato, inserção de dados falsos em sistema de informação e formação de quadrilha, crimes estes que importaram no desvio de mais de R$ 7 milhões em dinheiro público.

O Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, já haviam negado a liminar a Paulo Vieira de Souza. Ambas as decisões afirmaram não ter havido cerceamento de defesa, pois cabe à Justiça de primeiro grau analisar a relevância e a necessidade das provas pleiteadas pela defesa, mesmo entendimento dessa FT.

Tal decisão, caso não seja revertida, vai acarretar a prescrição dos crimes imputados a Paulo Vieira de Souza, uma vez que ele completará 70 anos no mês que vem, o que reduz o prazo prescricional pela metade. A medida atende única e exclusivamente as pretensões da defesa do réu, que já deixou transparecer que apostava na prescrição, conforme a imprensa registrou ano passado.

Essa FT traz também a público uma aparente contradição na decisão do STF. Ao julgar o HC 167727, no último dia 13, o ministro Gilmar Mendes entendeu que o HC de Souza deveria ser distribuído a ele, uma vez que o ministro era o relator do Inquérito 4428, que também tem o ex-diretor da Dersa como paciente.

Contudo, a Segunda Turma do STF já havia decidido, no último dia 12 de fevereiro, que não era mais competente para o inquérito mencionado e determinado a remessa dos autos para São Paulo. Ou seja, a prevenção de Mendes se baseou em inquérito que, na véspera, em decisão colegiada com voto favorável do ministro, já havia sido baixado para a Justiça Federal Eleitoral.

O Ministério Público Federal tomará as medidas judiciais cabíveis e espera que a Segunda Turma ou pelo Plenário do STF reverta a decisão em tempo de afastar o risco concreto e imediato de prescrição."

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