Comunidade pesqueira de Maricá, Rio de Janeiro (Tânia Rego/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 1 de novembro de 2020 às 14h54.
O ano eleitoral de 2016 foi um marco para o antipetismo no País. O impeachment da presidente Dilma Rousseff, o avanço da Operação Lava Jato e as denúncias contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levaram o PT a sofrer uma dura derrota nas eleições municipais.
A legenda perdeu centenas de prefeituras que controlava pelo País. No Estado do Rio, onde os petistas ocupavam dez das 92 administrações municipais, só sobrou uma sob seu controle: a praieira Maricá.
Espécie de fortaleza petista no Estado que foi o berço do bolsonarismo, a cidade tem cerca de 160 mil habitantes. Seu atual prefeito, Fabiano Horta, é apontado como favorito para se reeleger com tranquilidade em novembro.
A liderança pode ser explicada por programas de transferência de renda e por medidas como a tarifa zero nos ônibus municipais, implementados nas gestões do partido. Tudo isso é financiado por receitas milionárias de royalties do petróleo - foram R$ 73,6 milhões em setembro deste ano, por exemplo.
Há apenas três candidatos à prefeitura contra o PT, que governa o município há 12 anos - e nenhum tem grande expressão eleitoral. Enquanto isso, aquele que até 2016 era o principal adversário do grupo político do prefeito aliou-se a ele e migrou para Itaboraí, município vizinho. Concorre à prefeitura de lá com um vice do PT e promessas de campanha inspiradas nos projetos adotados em Maricá nos últimos anos.
Aos eleitores, Marcelo Delaroli (PL), curiosamente, se apresenta com o nome de outra cidade. É “Marcelo Delaroli de Maricá”. A escolha ocorreu depois de pesquisas mostrarem que os habitantes de Itaboraí viam positivamente as mudanças em curso no município próximo.
Enquanto isso, o pragmático Delaroli se equilibrou entre o apoio à família Bolsonaro, com a qual tem boa interlocução, e o governador afastado Wilson Witzel (PSC), em cujo governo trabalhou como subsecretário de Saneamento Ambiental.
O grupo político hegemônico em Maricá “exportou” ainda outro candidato, desta vez para a populosa São Gonçalo, cidade vizinha com mais de 1 milhão de habitantes e segundo maior colégio eleitoral do Estado. Está ali, com o petista Dimas Gadelha, a maior esperança do partido de conquistar um Executivo, além de Maricá, em terras fluminenses.
Pelas ruas da cidade, tomadas por bandeiras e adesivos de carro neste período eleitoral, é raro encontrar material de campanha dos opositores do PT. O que se vê, na maior parte das vezes, são vereadores de partidos variados que colam suas imagens à do prefeito petista.
Fabiano Horta é um homem tímido e que pouco tem aparecido publicamente durante a campanha. Tem perfil oposto ao de seu antecessor, Washington Quaquá, hoje vice-presidente nacional do PT e há anos comandante do partido no Rio. Excêntrico e com histórico de polêmicas, Quaquá é a figura central para entender como a cidade chegou à situação política e administrativa em que está hoje.
Foi na gestão dele, entre 2009 e 2016, que Maricá implementou o programa de renda básica. A Renda Básica de Cidadania atende hoje cerca de 42 mil maricaenses e trabalha com uma moeda social que só vale na cidade. Cada cidadão inscrito no programa recebe por mês 130 mumbucas, equivalentes a R$ 130. São mais de 6 mil lojas credenciadas para receber o pagamento. Só o comércio de Maricá tem as maquininhas que “transformam” mumbucas em reais.
Ainda aproveitando o dinheiro dos royalties, Quaquá implementou um serviço de ônibus gratuito. Os “Vermelhinhos”, como são conhecidos, circulam pelas ruas do município exibindo o letreiro “Tarifa zero”. Algumas linhas ainda operam por meio de empresas privadas, mas, com o fim do contrato em 2021, a tendência é que toda a rede seja de graça. Outra iniciativa popular do ex-prefeito foi o Hospital Municipal Dr. Ernesto Che Guevara, em um terreno de 130 mil metros quadrados na beira da estrada. A unidade tem equipamento de ponta e foi inaugurada durante a pandemia, atendendo exclusivamente vítimas da covid-19.
A homenagem ao médico argentino, um dos líderes da Revolução Cubana, ajuda a entender algumas das polêmicas envolvendo a gestão petista em Maricá. Outro ponto é o fato de toda a identidade visual da prefeitura, incluindo os ônibus gratuitos, terem o vermelho como cor predominante, o que associa a gestão ao PT. Há ainda uma rua batizada com o nome do líder guerrilheiro Carlos Marighella.
Nas redes sociais, militantes de esquerda chamam Maricá de “Quaqualingrado”. Trata-se de uma referência a Stalingrado, cidade em que o Exército Vermelho da União Soviética, então comandada por Josef Stalin, derrotou os nazistas, marcando a virada dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. “O Bolsonaro não está errado quando faz a luta pela direita. Nós temos que fazer pela esquerda. Há uma disputa de ideário na sociedade”, afirma Quaquá.
Hoje dedicado mais a questões nacionais do PT do que a Maricá, o dirigente partidário foi eleito deputado federal em 2018, mas não tomou posse, já que é considerado inelegível pela Justiça Eleitoral.
Acusado de abuso de poder político e econômico por aumentar em até 100% o salário de servidores em períodos que a legislação não o autorizaria, ele nega as irregularidades. Seu filho de 22 anos, Diego Zeidan, concorre a vice na reeleição de Horta. Será o sucessor natural para 2024.
Para o bolsonarista Ciro Fontoura (Republicanos), um dos que tentam enfrentar o PT neste ano na disputa pela prefeitura, há uma “máfia” no comando do município, que prioriza a ampliação da hegemonia política em vez de pensar em melhorar o saneamento básico, por exemplo. “A ideia de Maricá é fazer dar certo um socialismo que no mundo todo não deu certo”, disse. Em seu programa de governo, Fontoura incluiu como meta retirar o nome de Che Guevara do novo hospital municipal.