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Lucro com causa?

Ana Luiza Herzog Durante quase duas décadas, a Ambev, maior fabricante de bebidas do Brasil, tornou-se referência em alguns aspectos de gestão. É reconhecida, por exemplo, como formadora de executivos: mais de 90% dos vice-presidentes, diretores e gerentes cresceram dentro da empresa. Também consolidou-se como referência na hora de fazer com que funcionários persigam obsessivamente […]

PRODUÇÃO DA ÁGUA AMA, DA AMBEV, EM SÃO PAULO: até o final de 2017 o produto deve ser vendido em todo o país / Germano Lüders
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Da Redação

Publicado em 18 de janeiro de 2017 às 16h22.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h22.

Ana Luiza Herzog

Durante quase duas décadas,a Ambev , maior fabricante de bebidas do Brasil, tornou-se referência em alguns aspectos de gestão. É reconhecida, por exemplo, como formadora de executivos: mais de 90% dos vice-presidentes, diretores e gerentes cresceram dentro da empresa. Também consolidou-se como referência na hora de fazer com que funcionários persigam obsessivamente metas de vendas e de corte de custos. Na seara da sustentabilidade, porém, tema cada vez mais responsável por somar valor às marcas, a fabricante de bebidas nunca conseguiu brilhar. Isso porque, durante muito tempo, a Ambev fez o que atualmente é considerado básico: cuidar da ecoeficiência de suas fábricas. De 2002 a 2015, o índice de consumo de água na produção caiu 41%, e a empresa alcançou a marca de 3,17 litros de água por litro de bebida envasada—o melhor índice entre as cervejarias no mundo. No entanto, para se tornar uma liderança em sustentabilidade, não basta ter uma produção ecoeficiente. “Espera-se que as empresas surpreendam os consumidores e se mostrem dispostas a beneficiar a sociedade e o planeta, e não apenas o próprio negócio”, afirma Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu, ONG que promove o consumo sustentável, e um dos precursores do movimento de responsabilidade corporativa no Brasil.

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Os executivos da Ambev preparam-se agora para dar um passo além com o lançamento de uma marca de água mineral, no final de fevereiro. Até dezembro, segundo os planos da companhia, a marca batizada de Ama — prefixo de várias palavras relacionadas à chuva na língua indígena tupi — estará disponível em todo o país. Num primeiro momento, toda a produção será terceirizada. À primeira vista, o movimento chama a atenção por uma razão puramente comercial. Trata-se de um mercado que, ao contrário do que aconteceu com rivais como a Coca-Cola, por muito tempo esteve fora dos planos da Ambev. A companhia já teve, no começo da década de 2000, uma marca própria de água mineral, a Fratelli Vita, herança da antiga Brahma que foi descontinuada. Hoje, detém apenas a distribuição das marcas São Lourenço e Pureza Vital, da Nestlé, em bares e restaurantes de quatro estados do país. Mesmo com a crise, esse mercado foi o que mais cresceu em 2016 entre todas as categorias de bebidas não alcoólicas — cerca de 5%, segundo a consultoria Euromonitor. O de cerveja registrou queda de 2% de janeiro a novembro. O cenário desfavorável afetou os resultados da companhia, cujo lucro líquido encolheu 6,7% nos primeiros nove meses de 2016. Segundo os executivos da Ambev, porém, a intenção não é simplesmente entrar num mercado promissor. Todo o lucro obtido com a venda do produto será usado para promover o acesso a água potável para populações do Brasil que sofrem com a falta do recurso. “Não vamos resolver o problema, mas podemos ajudar”, afirma o cearense Bernardo Paiva, presidente da Ambev.

O novo produto marca uma guinada na estratégia de sustentabilidade da Ambev para fora dos muros de suas fábricas. Em 2010, a companhia assumiu como bandeira o tema que teria mais afinidade com seu negócio: a água, principal matéria-prima de seus produtos. Dali em diante, em parceria com as ONGs ambientalistas WWF e TNC, vem atuando na proteção e na recuperação de rios e nascentes Brasil afora. A questão é que os resultados das ações implementadas, como o plantio de matas ciliares, só serão percebidos no longo prazo. Desde o final de 2015, os executivos da Ambev vinham estudando maneiras de tornar a política de água da companhia perceptível aos olhos dos consumidores de maneira imediata. Após uma sondagem com especialistas, eles chegaram a uma questão urgente: a seca no Nordeste. Estima-se que 35 milhões de brasileiros ainda não tenham acesso a água potável, e é nessa região que está boa parte deles. Uma questão agravada desde 2011 por causa da seca, considerada a mais severa desde o início do século passado. “Se podemos atuar para entregar resultados imediatos para uma questão tão séria, por que não?”, afirma Renato Biava, diretor de sustentabilidade da Ambev.

O próximo passo foi buscar quem pudesse orientar a decisão do que fazer na prática. A Ambev escolheu a Avina, respeitada fundação familiarizada com a região e com o assunto. Por meio da entidade, a empresa entrou em contato com o Sistema Integrado de Saneamento Rural (Sisar), ONG que estrutura a operação e a manutenção de sistemas de abastecimento de água e esgoto no interior nordestino. Com o apoio do Sisar, a Ambev deu início a um projeto piloto: o financiamento de perfuração de poços e a instalação de painéis solares em três pequenas comunidades rurais cearenses. Na de Sítio Volta, a cerca de 180 quilômetros de Fortaleza, um rio intermitente que fornecia água de maneira precária às 219 famílias do local secou no final de 2015. Com isso, a rede de distribuição e a estação de tratamento de água que estão sendo construídas pelo governo estadual, e deverão ficar prontas em abril, ficariam sem utilidade. O poço dará à população de Sítio Volta a perspectiva concreta de deixar de sofrer com a seca. As placas solares fornecerão a energia limpa necessária para que essa infraestrutura — de bombeamento, filtração e distribuição — funcione a um custo baixo.

A investida até agora ainda é tímida — e somou cerca de 300 000 reais —, mas, dependendo do resultado da marca Ama, o projeto deve ganhar escala. Os executivos da companhia não revelam quando o lucro deverá começar a aparecer e qual será seu tamanho. Mas projetam para a Ama uma rentabilidade de 25%. Eles baseiam a perspectiva otimista em dados concretos. A água mineral, entre as bebidas, só perde em rentabilidade para os energéticos. “A apresentação da Ama será o clímax de nossa convenção neste ano”, diz Paiva. “A marca vai entrar na meta dos vendedores como qualquer outro produto.” Ele se refere ao evento anual da Ambev, em meados de janeiro, com 3 500 executivos da companhia.

Produtos para um bem maior

Marketing de causa

Não é que a Ambev esteja inventando a roda. Com a marca Ama, ela seguirá o caminho trilhado por outras empresas de bens de consumo. Trata-se do chamado marketing de causa — quando uma companhia associa sua marca a uma bandeira ligada ao negócio e com potencial de sensibilizar os consumidores. Dados da consultoria americana IEG mostram que as empresas instaladas nos Estados Unidos investiram 2 bilhões de dólares em campanhas relacionadas a causas em 2016 — 3,3% mais do que em 2015. E o dobro do registrado há uma década.

A fabricante brasileira de cosméticos Natura foi uma das pioneiras ao lançar, em 1995, a linha de produtos Crer para Ver. Todo o seu lucro é direcionado para o Instituto Natura com o propósito de melhorar a educação no país. Em 2015, somou quase 20 milhões de reais. A concorrente Avon fez algo semelhante com a defesa dos direitos da mulher. Pelo menos um cosmético de todo catálogo tem um percentual da venda revertido para a causa. A receita foi de 13 milhões de reais em 2015. A marca de sandálias Havaianas, da Alpargatas, controlada pelo grupo J&F, também desenvolveu algo na mesma linha. Desde 2004 lança coleções de sandálias em parceria com a Ipê, ONG brasileira que atua em prol da conservação da biodiversidade brasileira. A empresa doa 7% da receita líquida do produto à entidade. Do início da parceria até 2015, foram 13 milhões de pares vendidos e 7 milhões de reais entregues à Ipê.

No caso da Ambev, um site criado para a água mineral Ama deverá propagandear detalhes das ações de acesso a água potável. Também vai divulgar os custos discriminados do produto e revelar, em tempo quase real, por meio de um “lucrômetro”, os lucros gerados para filantropia. Os números serão validados pela auditoria KPMG. Todo o esforço de transparência é visto como crucial para a iniciativa ganhar legitimidade. No geral, há muita desconfiança em relação ao bom-mocismo das empresas. Pesquisas do Instituto Akatu revelam que apenas 8% dos brasileiros acreditam incondicionalmente nas ações de responsabilidade socioambiental—e quase metade simplesmente não acredita. Outra fatia, de 28%, até dá a elas algum crédito, mas isso depende muito da empresa em questão. A Ambev não é exatamente uma companhia tida como “boazinha”. Ao contrário. Tem fama de ser truculenta nas relações com fornecedores e concorrentes. Conclusão: será um desafio e tanto. Mas se essa etapa for superada, especialistas e executivos são unânimes em afirmar que a Ama terá potencial para incomodar as empresas que hoje disputam o mercado de água mineral no país e gerar dinheiro para benfeitorias no Nordeste.

Paiva não diz até quando vai o contrato de distribuição da Ambev com a Nestlé. Quando acabar, porém, não deverá ser renovado. Até lá, nada de vendas da Ama em bares e restaurantes nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais. Procurada, a Nestlé não quis comentar. Por ora, a investida será mesmo nos supermercados, onde a Danone, com a marca Bonafont, lidera com uma participação de quase 20%. Logo atrás vem a Coca-Cola, com a Crystal. Paiva garante que hoje a empresa não tem planos de lançar outras marcas de água além da Ama. “Queremos que esse negócio seja grande. E, mais do que isso, tornar o projeto uma referência no Brasil e no mundo”, diz. A meta está lançada. Dessa vez, se for batida, o ganho não será apenas dos acionistas da Ambev — mas de alguns dos mais pobres entre os brasileiros.

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