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Juiz determina uso de tornozeleira eletrônica por Guido Mantega

Justiça determinou monitoramento eletrônico e bloqueio de R$ 50 milhões do ex-ministro da Fazenda de Lula e Dilma no âmbito da Operação Carbonara Quimica

Guido Mantega: ex-ministro da Fazenda é alvo da Operação Lava Jato (Ueslei Marcelino/Reuters)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 21 de agosto de 2019 às 14h47.

Última atualização em 21 de agosto de 2019 às 18h18.

O juiz Luiz Antonio Bonat, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, mandou colocar tornozeleira eletrônica no ex-ministro Guido Mantega (Fazenda/2006/2015/Governos Lula e Dilma). O monitoramento de Mantega foi decretado no âmbito da Operação Carbonara Quimica, fase 63 da Lava Jato, deflagrada nesta quarta-feira, 21.

Ao pedir a prisão preventiva do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, a força-tarefa da Operação Lava Jato afirmou que ele tem omitido e dado versões "totalmente incoerentes" sobre suas contas no exterior.

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A força-tarefa ainda ressalta que as supostas omissões e contradições envolvem outro personagem, já investigado na Operação Zelotes, Victor Sandri.

"A toda evidência, a conduta adotada por Guido Mantega em propositalmente omitir a existência de valores no exterior revela a persistência de seu intuito de ocultação de recursos ilícitos", dizem os procuradores.

A investigação mira propinas milionárias a Mantega e a outro ex-ministro de Lula e Dilma, Antônio Palocci, em troca da edição de Medidas Provisórias para beneficiar o grupo Odebrecht.

Bonat decidiu mandar colocar tornozeleira em Mantega diante do pedido do Ministério Público Federal de prisão do ex-ministro.

"Diante do exposto, apesar das alegações do Ministério Público Federal, entendo que, revestida a prisão cautelar de excepcionalidade, não há causa suficiente para a decretação da prisão preventiva de Guido Mantega."

A conta na Suíça

Os procuradores afirmam que Mantega ocultou das autoridades brasileiras a informação sobre possuir uma conta na Suíça até o momento em que percebeu haver risco concreto de sua conta vir a ser descoberta e ensejar a decretação de prisão preventiva. "No afã de iludir o Poder Judiciário e o Ministério Público Federal, Guido Mantega, em 29/05/2017, tentando falsamente fazer crer que estaria revelando integralmente a verdade às autoridades brasileiras, peticionou nos autos nº 5035133-59.2016.404.7000 informando possuir na Suíça a conta de nome Papillon Company 111216, no Banco Pictet".

"Em tal petição, Guido Mantega informou falsamente que teria recebido em tal conta 'um único depósito no valor de US$ 600 mil (seiscentos mil dólares) como parte de pagamento pela venda de imóvel herdado de seu pai'", relatam os procuradores.

Segundo a Lava Jato, "todavia, em informação espontânea encaminhada pelas autoridades suíças, verificou-se que, ao contrário do alegado por Guido Mantega, a referida conta PAPILLON COMPANY, de sua titularidade, recebeu, além dos US$ 660 mil, outro depósito de USD 645.532,00 realizado em janeiro de 2007 por offshore ligada a Victor Sandri, quando Guido Mantega exercia o cargo de Ministro da Fazenda".

"Na data de 07/05/2018, esse juízo determinou a intimação de Guido Mantega nos autos nº 5035133-59.2016.404.7000, para esclarecer sobre a documentação da conta no exterior e sobre o alegado negócio que teria originado o aludido crédito", narra a força-tarefa.

De acordo com os procuradores, "somente em razão da provocação realizada por esse juízo e como forma de sincronizar sua versão com aquela que havia sido dada dias antes por Victor Sandri no IPL 1081/2016-4, Guido Mantega alterou a versão inicialmente apresentada, para acrescentar que também recebeu outra transferência em sua conta no exterior, no valor de USD 645 mil, proveniente da conta de Victor Sandri". "Ainda assim, como será demonstrado, Guido Mantega deixou de trazer a lume todos os fatos e de efetivamente esclarecê-los".

"Apesar de ter reconhecido o recebimento do depósito proveniente de conta vinculada a Victor Sandri, a versão dada aos fatos por Guido Mantega carece de consistência, sendo insuficiente para afastar os fortes indícios de que os valores recebidos e mantidos ocultos no exterior sejam efetivamente provenientes de crimes. Segundo alegado nesta segunda versão apresentada por Guido Mantega, ele teria recebido em sua conta PAPILLON duas transferências, uma no valor de USD 650 mil e outra no valor de USD 645 mil", sustentam.

Os procuradores prosseguem. "Segundo afirmado pela defesa, os valores teriam origem em negócio imobiliário realizado com a construtora Sandri Projetos e Construções., pertencente a Victor Sandri e teria consistido na permuta de imóvel que Guido Mantega herdou de seu pai, Giuseppe Mantega, situado na Rua Pequetita, 215 e 235, Jardim Paulista, São Paulo-SP, por unidades do empreendimento imobiliário que veio a ser construído no local, denominado Edifício Atrium VII. Afirmou que a construção do empreendimento foi concluída no final do ano de 2005, quando o peticionário recebeu o depósito de metade do valor acordado com Victor Sandri (US$ 650 mil), tendo a outra metade (US$ 645 mil) sido depositada pouco antes da outorga da escritura definitiva das unidades".

Três vezes o valor do imóvel no exterior

A força-tarefa, no entanto, observa que "tanto a versão dos fatos quanto os documentos apresentados pela defesa de Guido Mantega destoam completamente dos valores não declarados recebidos de forma dissimulada por Guido Mantega". "Nesse sentido, destaca-se, em primeiro lugar, que, na escritura de permuta e hipoteca, lavrada em 10/10/2002 (evento 256-OUT5, autos 5035133-59.2016.404.7000) foi certificada a PERMUTA realizada entre Sandria Projetos e Construções e as pessoas físicas de Guido Mantega e Paula Mantega, na qual os prédios 215 e 235 da rua Pequitita foram permutados por unidades no edifício Atrium VII em benefício de ambos".

"Segundo a mesma certidão, o valor total dos imóveis era de R$ 1.198.540,50 (um milhão, cento e noventa e oito mil, quinhentos e quarenta reais e cinquenta centavos), tendo a permuta realizada operado a quitação da dívida entre as partes, sem que tenha restado qualquer valor adicional a ser pago por qualquer uma das partes (evento 256-OUT5). Pelo que se observa da certidão de Permuta juntada no evento 256-OUT5, o negócio jurídico foi realizado em outubro de 2002 e não gerou qualquer valor adicional a ser pago posteriormente entre as partes", diz a Lava Jato.

A força-tarefa destaca que "além disso, observa-se ainda que o valor total do imóvel certificado no documento juntado pela defesa é absolutamente inferior àquele que foi transferido a Guido Mantega". "Repita-se: o valor declarado no imóvel foi de R$ 1.198.540,50 (um milhão, cento e noventa e oito mil, quinhentos e quarenta reais e cinquenta centavos), ao passo que os valores transferidos a Guido Mantega, se aplicado o câmbio das datas das transferências, corresponde a R$ 2.845.050,00 (dois milhões, oitocentos e quarenta e cinco mil e cinquenta reais). Nesse sentido, ainda que se imaginasse - em total dissonância com os documentos - que Victor Sandri teria assumido a obrigação de pagar o valor do imóvel, o valor a ser pago em favor de Guido Mantega pelo imóvel teria que ser substancialmente inferior àquele que efetivamente foi transferido no exterior".

Para os procuradores, "a uma porque, como já dito, o valor declarado dos imóveis era efetivamente inferior ao valor que foi posteriormente transferido de forma oculta no exterior". "A duas porque, como também demonstra a certidão de Permuta, o imóvel era originariamente pertencente a Guido Mantega (75%) e Paula Mantega (25%), sendo óbvio que, também por tal razão, Guido Mantega não poderia receber o valor total do imóvel, sendo, também por isso, absolutamente descabida a alegação de que tais valores teriam ligação com o negócio imobiliário".

"Destaque-se que, conforme demonstrado acima, o valor recebido por Guido Mantega no exterior corresponde a quase três vezes o valor declarado do imóvel. A total dissonância dos valores recebidos por Guido Mantega com o valor da negociação realizada é mais do que evidente. A enorme desproporção dos valores recebidos por Guido Mantega no exterior se comparada com o valor do imóvel e a verificação de que a negociação imobiliária relatada se tratou efetivamente de permuta, com quitação da obrigação a partir da própria permuta deixam absolutamente claro ser de todo falaciosa a versão apresentada por Guido Mantega. Revela, em verdade, novo intuito de dissimulação dos recursos possivelmente ilícitos recebidos de forma oculta", diz a Procuradoria.

Os procuradores afirmam que a "escritura de dação em pagamento juntada no Evento 256-OUT6, lavrada em 16/03/2007, atesta que a obrigação assumida entre Guido Mantega e SANDRIA PROJETOS E CONSTRUÇÕES foi quitada com a dação em pagamento narrada na certidão, não havendo em tal documento qualquer referência a valores a serem pagos além da dação dos imóveis em pagamento". "Em tal documento, observa-se que a dação em pagamento a Guido Mantega foi feita com a quitação da dívida. Mais uma vez, os fatos certificados no documento demonstram que as alegações trazidas pela defesa não possuem qualquer fundamento fático ou probatório, destoando por completo da realidade dos fatos".

Total incoerência

"Segundo se observa claramente, não havia qualquer saldo a ser recebido no exterior relativamente à negociação dos imóveis, muito menos envolvendo as altas quantias que foram efetivamente pagas. Não suficiente a total incoerência já demonstrada, cabe ainda destacar que cronologicamente os depósitos também não correspondem aos eventos alegados pela defesa de Guido Mantega", sustentam.

Conforme já referido acima, alegou a defesa de Guido Mantega em sua nova versão que o depósito de USD 645.532,00 teria sido realizado quando da outorga da escritura definitiva das unidades. Observa-se, todavia, que a certidão de dação em pagamento foi lavrada apenas em março de 2007, enquanto a transferência ocorreu em janeiro de 2007. Outrossim, observa-se ainda que os esclarecimentos prestados por GUIDO MANTEGA a respeito dos valores mantidos na conta PAPILLON ainda estão incompletos", segue a Lava Jato.

Os procuradores afirmam que, "conforme já referido, o saldo da conta é de USD 1.777.213 (um milhão, setecentos e setenta e sete mil, duzentos e treze dólares). Guido Mantega, em suas duas manifestações, informou apenas o recebimento das transferências provenientes de Victor Sandri (nos valores de USD 650 mil e USD 645 mil)". "Todavia, não teceu qualquer manifestação sobre a origem e o motivo dos outros aproximadamente USD 400 mil mantidos ocultos em sua conta PAPILLON. Tratando-se de valores que foram recebidos e mantidos até hoje no exterior sem o conhecimento das autoridades brasileiras, pesa também sobre tais valores suspeitas de origem ilícita, principalmente tendo em vista o proposital silêncio por parte de Guido Mantega".

"Além disso, insta ressaltar que, mesmo depois de expressamente intimado para esclarecer sobre os valores mantidos no exterior, Guido Mantega continuou propositalmente ocultando a existência da outra conta bancária mantida por ele na Suíça (conta nº 89419 aberta no Banco PICTET & CIE SA, cujos titulares e beneficiários econômicos são Guido Mantega, Anna Costa Mantega e Paulo Mantega), conta essa na qual, aliás, Guido Mantega mantém atual saldo de USD 143.608,00 (situação em 31 de Dezembro de 2017), conforme certificado pelas autoridades suíças. Destaque-se que essa segunda conta também não foi declarada por Guido Mantega em suas Declarações de Imposto de Renda", concluem os procuradores.

63ª fase da Lava Jato

A fase 63 da Lava Jato prendeu nesta quarta Maurício Ferro, ex-vice-presidente Jurídico da Odebrecht. Outro investigado, o advogado Nilton Serson, teve prisão decretada, mas ele está nos Estados Unidos.

A investigação mira a edição de MPs de 2009 que poderiam favorecer a empreiteira. Em troca das medidas provisórias, Mantega e Palocci teriam sido contemplados com propinas milionárias da Odebrecht.

Ao não mandar prender Mantega, o juiz da Lava Jato ponderou que "apesar da comprovada gravidade em concreto, um problema no que concerne à perspectiva de reiteração criminosa, circunstância que atenua o risco à ordem pública".

Segundo o magistrado, os recursos depositados no exterior, na conta da Pappilon Company e na conta em nome do próprio Mantega "foram bloqueados". "Não há informação acerca de tentativa mais recente de movimentação ou dissipação desses ativos. Não há, igualmente,informação de que o acusado manteria outras contas secretas no exterior."

O magistrado destacou o bloqueio dos saldos mantidos em contas no exterior conhecidas pelas autoridades e ausência de informações sobre outras contas. "O risco de fuga, pela cidadania italiana, pode ser atenuado pela restrição de saída do país e apreensão de passaporte."

"Não há informação acerca do seu envolvimento em fatos criminosos após o seu afastamento do cargo de ministro da Fazenda, em 1 de janeiro de 2015. Esse é um dos principais pontos de distinção entre o caso de Guido Mantega e o de Antônio Palocci."

Palocci foi preso na Lava Jato em setembro de 2016, mas fechou acordo de delação premiada e saiu da cadeia no final de 2018.

Além da tornozeleira, Mantega terá que seguir uma série de procedimentos impostos pelo juiz Bonat. O ex-ministro fica proibido de "movimentação de qualquer conta existente no exterior", proibido de exercer cargo ou função pública na Administração Pública direta ou indireta, tem de comparecer a todos os atos do processo, fica proibido de deixar o país, devendo entregar seus passaportes brasileiro, italiano e todos os demais válidos, em 3 dias.

Além disso, Mantega não poderá manter contatos com todos os demais investigados e está proibido de mudar de endereço sem autorização judicial.

Defesa

O criminalista Fábio Tofic Simantob, que defende Guido Mantega, reagiu enfaticamente à ordem judicial para monitorar o ex-ministro da Fazenda dos Governos Lula e Dilma com tornozeleira eletrônica. "É a Lava Jato voltando a fazer estardalhaço, espetáculo público para colocar, talvez, uma cortina de fumaça nos abusos e nas arbitrariedades que estão sendo reveladas sobre a condução desse processo."

O advogado de Mantega considera que "a investigação, em si, de rastrear o dinheiro da Odebrecht, é ótima para ele (Mantega)". "A investigação vai mostrar que não foi um centavo para Mantega" afirma Fábio Tofic Simantob.

Sobre a imposição da tornozeleira ao ex-ministro, o criminalista reagiu com veemência. "A medida de tornozeleira eletrônica é absurda. Cinco anos depois, ou mais, dez anos depois, quase, os fatos são de 2010! O que significa isso agora? Uma medida absurda contra alguém que está aí, não deu mostra de querer fugir, comparece aos atos dos processos. Quer dizer, é o constrangimento pelo constrangimento."

O criminalista também se insurge contra o bloqueio de R$ 50 milhões que pega as contas de Mantega. "Cinquenta milhões? Ele (Mantega) não tem esse dinheiro. Aliás, não tem nem perto disso. O pouco dinheiro que ele tem é herança do pai, que era um empresário bem-sucedido de São Paulo."

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