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Janot diz que Dodge e Segóvia estão restringindo Lava Jato

Segundo o ex-PGR, o presidente Michel Temer nomeou o novo diretor da PF especificamente para desviar as investigações

Rodrigo Janot: ele ocupou o cargo na PGR até setembro e segue no Ministério Público Federal (Lula Marques/Reuters)
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Reuters

Publicado em 1 de dezembro de 2017 às 10h43.

Última atualização em 1 de dezembro de 2017 às 12h59.

Brasília - O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e outras duas autoridades graduadas disseram que os novos encarregados da PGR e da Polícia Federal estão restringindo as investigações da operação Lava Jato.

Janot, que ocupou o cargo até setembro e segue no MinistérioPúblico Federal, disse à Reuters nesta semana que o presidenteMichel Temer, a quem ele denunciou duas vezes, nomeou o novodiretor da PF especificamente para desviar as investigações.

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Separadamente, duas autoridades responsáveis pelocumprimento da lei, que pediram para não ser identificadas,disseram que Raquel Dodge, a substituta de Janot, instruiualguns dos principais procuradores federais a se afastarem dosinquéritos sobre corrupção e a pararem de falar publicamentesobre os esforços de combate à corrupção.

"Segóvia veio para cumprir uma missão: de desviar o focodessa investigação. Ao que me parece, pelas declarações que deu,ele tem a missão de desacreditar as investigações ou asinvestigações que envolvem essas altas autoridades da Repúblicabrasileira. E nas investigações ele pode ter o efeito deatrapalhar sim", disse Janot.

Em comunicado, o Palácio do Planalto disse que o novo chefe da PF foi indicado após consultas com a corporação e criticou qualquer insinuação de que ele poderia atrapalhar asinvestigações.

"Somente alguém mal informado ou mal intencionado poderia supor ser possível interferência nas investigações", afirma a nota da Secretaria de Comunicação Social da Presidência.

Uma porta-voz de Dodge disse que a nova procuradora-geralestá combatendo vigorosamente a corrupção em várias frentes.

Fernando Segóvia, o novo diretor-geral da PF, disse em e-mail à Reuters que irá fortalecer a luta contra a corrupção.

"Em todos os meus pronunciamentos sempre deixei claro queiremos ampliar e fortalecer a operação Lava Jato. Não tenhonenhum tipo de ligação político-partidária com o PMDB ouqualquer outro partido político brasileiro. Meu únicocompromisso é com o Brasil e com a Polícia Federal", acrescentou.

As declarações foram feitas à Reuters durante entrevistas sobre mudanças em curso entre funcionários do primeiro escalão da justiça. Elas ocorrem no momento em que investigadores reagem ao que veem como tentativas do governo Temer e do Congresso para aniquilar os esforços anticorrupção na esteira das investigações históricas dos últimos anos.

Dodge e Segóvia negaram enfaticamente que os organismos que comandam pararão de investigar a corrupção - e a natureza abrangente de muitos inquéritos, realizados por investigadores em dezenas de escritórios de todo o país, tornaria qualquer esforço combinado de interrompê-los improvável.

Mas a demonstração inédita de descontentamento de Janot e a insatisfação crescente expressada por outras autoridades destacadas da justiça revelam uma crescente divergência nos níveis mais altos da aplicação da lei, em um momento em que investigadores acreditam que Temer e aliados no Congresso querem anular as investigações.

"Está na hora de falar para que tudo não tenha sido em vão", disse Janot à Reuters.

Bilhões em propina

Esse empenho, que inclui a Lava Jato e várias outras investigações de larga escala, envolve principalmente a apuração de pagamentos de propinas de empreiteiras a funcionários do governo, políticos e indicados a estatais em troca de contratos de obras públicas e de outros tipos.

A iniciativa revelou bilhões de dólares de pagamentos ilícitos e levou ao compartilhamento de evidências com outros 40 países, muitos dos quais iniciaram seus próprios inquéritos e condenaram autoridades com base nas descobertas dos investigadores brasileiros.

Durante uma entrevista rara de duas horas em Brasília, Janot criticou especialmente o fato de Temer ter escolhido Segóvia para comandar a PF, que está na linha de frente da Lava Jato e de outras investigações.

O procurador de 61 anos, que deixou a Procuradoria-Geral quando seu segundo mandato expirou em setembro, disse acreditar que Segóvia veio para desviar o foco da investigação.

Janot citou comentários públicos do novo diretor-geral da PF, incluindo críticas feitas por Segóvia contra investigações de procuradores durante coletiva de imprensa, logo após assumir o cargo.

Segóvia, de 48 anos e que está há duas décadas na PF, foi indicado com forte apoio do PMDB.

Sua nomeação surpreendeu muitos da Polícia Federal porque ele jamais ocupou nenhum dos principais postos da corporação, com exceção de um cargo de chefia que exerceu durante dois anos no Nordeste.

Durante uma coletiva de imprensa ocorrida em 20 de novembro, depois de assumir o cargo, Segóvia criticou procuradores duramente por sua investigação de Temer, que classificou como apressada, e disse que as provas, incluindo um vídeo de um assessor presidencial recebendo uma mala de dinheiro gravado pela PF, não são convincentes.

"Uma única mala talvez não desse toda a materialidade criminosa que a gente necessitaria para resolver se havia ou não crime", disse Segóvia, desencadeando ampla revolta nas redes sociais e na mídia.

Quando Dodge assumiu a Procuradoria-Geral no dia 19 de setembro, ela foi amplamente criticada pela polícia, procuradores e muitos outros por não reconhecer a operação Lava Jato durante discurso.

As duas autoridades graduadas da justiça, que pediram para não serem identificadas, disseram que Dodge orientou outros procuradores especificamente a deixarem de lado o foco na corrupção.

Dodge até disse a alguns procuradores para pararem de usar a palavra "corrupção" tanto em público, segundo as duas autoridades.

A porta-voz da procuradora-geral não respondeu às perguntas sobre se Dodge orientou os procuradores a evitar a palavra "corrupção" ou a tirar a ênfase dos casos de corrupção.

Janot não quis comentar a maneira como Dodge trata com outros procuradores, afirmando ter relação profissional e de respeito com sua sucessora. Ele observou, porém, que ela disse publicamente que "a prioridade de sua gestão são os direitos humanos".

"A Drª Dodge dá ênfase e que ela afirma e reafirma que a prioridade da administração é a matéria de Direitos Humanos", disse.

Desaceleração

Embora seja cedo para julgar as atuações de Dodge e Segóvia, alguns procuradores e investigadores policiais dizem que já estão vendo uma redução considerável nos procedimentos necessários para prosseguir com alguns casos.

Janot, por exemplo, disse que o gabinete da procuradora-geral da República tem encaminhado muito menos documentos ao Supremo Tribunal Federal (STF) do que se esperaria, levando em conta a quantidade de casos que assumiu. Os documentos são um passo essencial em muitas investigações de vulto, porque só o Supremo pode autorizar inquéritos envolvendo autoridades federais eleitas.

Uma porta-voz do STF não respondeu a pedido por comentário sobre o volume de documentos encaminhados.

Antes do fim de seu mandato, a Procuradoria-Geral enviou, este ano, uma média de 302 solicitações relacionadas às investigações de corrupção da Lava Jato ao STF por mês, disse Janot.

O gabinete de Dodge disse que apresentou um total de 450 solicitações desde que ela assumiu o cargo no meio de setembro, representando uma média de 180 por mês e uma queda de aproximadamente 40 por cento.

Alguns especialistas dizem ser cedo demais para saber se um freio generalizado nas investigações de corrupção está sendo planejado ou se isso é sequer possível, especialmente considerando o número de investigadores e procuradores tratando de casos em todo o país.

"Mesmo que Dodge e Segóvia tenham sido indicados estrategicamente para parar ou criar atrasos nas investigações, duvido que tenham sucesso porque o processo se tornou descentralizado", disse Carlos Pereira, professor de administração pública da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e especialista destacado no estudo da corrupção.

Mesmo assim, os envolvidos no dia a dia dos casos em andamento se preocupam com qualquer perspectiva de desaceleração, particularmente tendo as eleições de outubro no horizonte.

"Os riscos para a operação aumentam exponencialmente a medida que as eleições estão se aproximando", disse Carlos Lima, principal procurador regional de Curitiba.

Durante sua conversa com a Reuters, Janot questionou os laços de Segóvia com Temer e seus aliados, muitos dos quais foram acusados ou estão sendo investigados por corrupção.

"Uma pessoa que tem essa ligação próxima com essas pessoas, pessoas investigadas, outras já denunciadas não sei se tem isenção para dirigir uma instituição do porte e da dimensão da Polícia Federal", disse Janot.

Segóvia nega vinculações partidárias com o PMDB ou com qualquer outro partido.

O próprio Temer, que vem negando reiteradamente qualquer irregularidade, escapou de ser processado recentemente, já que a Câmara dos Deputados, que precisa aceitar denúncias contra um presidente e autorizar um julgamento no Supremo Tribunal, votou contra o procedimento.

A decisão revoltou muitos brasileiros, especialmente porque muitos dos que votaram no Congresso também são alvo de investigações de corrupção. Temer enfrentará as acusações depois que deixar o cargo.

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