Interlocução com governo é boa, mas gargalos persistem, diz setor aéreo
Associação das aéreas conta com a extinção do IR sobre aluguel de aeronaves via MP, mas redução do ICMS de combustíveis continua distante
Fabiane Stefano
Publicado em 10 de dezembro de 2020 às 18h30.
Última atualização em 30 de abril de 2021 às 18h08.
As negociações do setor aéreo com o governo federal renderam bons frutos durante a pandemia, como a MP que estendeu para 12 meses o prazo que as companhias tem para fazer reembolsos aos passageiros. Mas a extinção do Imposto de Renda sobre leasing (arrendamento) de aeronaves e o ICMS sobre o querosene de aviação, os grandes gargalos para a competitividade do setor no cenário internacional, continuam sem solução.
"Avançamos bem. Mas o Ministério da Economia é onde temos os nossos maiores desafios, porque são discussões sobre receita", explicou Eduardo Sanovicz, presidente da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear). Após se reunir na última semana com Marcelo Guaranys, secretário executivo do Ministério da Economia, Sanovicz dá como certa a extinção do IR sobre leasing, hoje em 1,5%, por meio de uma medida provisória. "Não se trata de renúncia fiscal, porque esse imposto já não era cobrado há quase 20 anos. Por isso,acreditamos num encaminhamento bem positivo."
Em entrevista exclusiva à Exame, o executivo também comentou como a pandemia reaproximou a Azul da associação - a companhia tinha deixado o grupo após disputas sobre o slots da extinta Avianca no aeroporto de Congonhas - e contou sobre a articulação com a Itapemirim, nova empresa aérea do grupo homônimo que deve chegar ao mercado brasileiro em 2021 apostando em um serviço premium para passageiros corporativos.
Confira a entrevista completa abaixo:
Como está a interlocução do setor com o governo?
Como regra geral, avançamos bem. Claro, o empréstimo que todo mundo solicitou ao BNDES não se viabilizou, mas acontece, é do jogo. Já sobre regulação e infraestrutura, temos um diálogo importante com o Ministério da Infraestrutura, da Defesa, do Turismo, a Secretaria de Aviação Civil, a ANAC, a Anvisa… São os que mais conversamos para construir as medidas necessárias para fazer a travessia da pandemia. Com a ANAC, construímos a malha essencial; com a Anvisa, os protocolos sanitários; com o Ministério da Infraestrutura, um conjunto imenso de medidas, como a parceria que permitiu a MP 925, o acordo com o Ministério da Justiça para dar direito de remarcação sem multa; com a Força Aérea e a Defesa, negociamos ajudas para estocar as aeronaves…
E daqui pra frente, quais são as pautas prioritárias?
No momento, a nossa grande expectativa é a publicação de uma nova MP sobre o imposto de renda sobre o leasing de aeronaves, alinhando o país ao mercado internacional. Em 2019, por conta de um detalhe da LDO do governo Temer, esse imposto, que tinha deixado de existir já nos anos 90, voltou a ser cobrado. O Ministério do Turismo nos ajudou a diminuir a alíquota de 15% para 1,5%. Depois ainda aprovamos no Congresso a MP 907, que diminuía essa alíquota para zero, mas a Economia mandou vetar, porque entendia que tinha problemas.
Agora deve ser diferente?
Agora, finalmente, todos chegamos ao entendimento de que o Brasil precisa voltar a se alinhar ao mercado internacional. OMinistério da Economia, como todos os outros, tem nos recebido e sido ótimos interlocutores. Mas é também onde temos os maiores desafios, porque implica em discussões de receita.
Vocês trabalham com qual probabilidade do governo realmente abrir mão dessa receita?
Total, porque não é uma renúncia fiscal. É um imposto que nunca foi recolhido. Quando ele começaria a ser cobrado, nos anos 90, o Brasil já aderiu à prática internacional e nunca o recolheu, para não tornar as nossas operações ainda mais caras que as operações no exterior. Operar aqui é 27% mais caro do que nos EUA e na Europa, por conta do custo do combustível e do modelo tributário, basicamente. Esse item, o IR do leasing, foi possível tirar da frente há mais de 20 anos, então voltar com ele agora significa ampliar a distorção. Como não há renúncia fiscal de fato, acreditamos num encaminhamento bem positivo.
Mas o ICMS do querosene de aviação ainda é uma outra história, né?
Sim, daria três horas de conversa aqui. Não creio que seja um assunto que vai se resolver a curto prazo. Entre o ano passado e este, tivemos avanços muito importantes com a redução da alíquota de ICMS em diversos estados, especialmente em São Paulo, que cortou a alíquota de 25% para 12%. Com isso, o estado ganhou 700 novos voos por semana - muito acima do nosso compromisso de contrapartida, de 400 voos por semana. O efeito positivo é tão brutal que chegamos a 700. Esses avanços já são consagrados, mas ainda temos metade da lição de casa pela frente, para que tenhamos os custos de querosene no Brasil alinhados com o custo internacional. Para dar uma dimensão para o leitor, uma passagem aérea brasileira tem, em média, 33% do seu custo para cobrir combustível. Nos EUA e na Europa, esse número não chega a 25%.
Em 2019, em meio à disputa pela Avianca, a Azul deixou a ABEAR. E agora, com a pandemia, como está a relação de vocês com a companhia?
O que a pandemia gerou foi a necessidade de um trabalho de parceria muito forte, o que fez com que a Azul participasse conosco de muitas dessas pautas. Temos uma relação tranquila. A Azul teve um embate comercial com as outras duas e achou melhor romper essa relação de parceria institucional. É um direito deles. Nós continuamos tocando e, ao longo deste ano, incorporamos toda a aviação regional também, com a chegada da Asta, a Rima e a Abaeté, além da VoePass, que é a fusão da Passaredo com a MAP. Todo mundo que voa regulamentado no Brasil hoje está na Abear, e nós seguimos de braços abertos para receber todo mundo.
Inclusive para a Itapemirim? Vocês já foram procurados por alguém deles?
Eu recebi o executivo da Itapemirim na Abear há algumas semanas. Ele nos procurou, eu o recebi e expliquei o que fazemos. Nós temos um conjunto de serviços na nossa unidade de Segurança e Operações e na nossa unidade de atenção à essa pauta jurídico-regulatória que agregram valor às nossas associadas. Nós conduzimos negociações com o Governo Federal e seus órgãos e com estados que representam economias muito relevantes. Para toda empresa aérea, é importante estar na Abear para ganhar escala - você paga um grupo que atua em nome de todos. Na reforma da pista de Congonhas, nós falamos por todas as companhias, sem que houvesse a necessidade de cada companhia ter a sua equipe ali com o aeroporto.
Com a falência da Avianca e uma proximidade da Azul com a Latam para sobreviverem à pandemia, qual o espaço para uma nova companhia aérea no Brasil?
Na medida que o custo de operação daqui vai se alinhando com o custo internacional, nossa capacidade de absorção de passageiros aumenta. Em 2002, antes da liberdade tarifária, o Brasil vendeu 30 milhões de bilhetes, numa média de preço de R$800. Em 2018, vendemos 100 milhões de bilhetes, com uma tarifa média abaixo de R$300 agora com a pandemia. Quanto menor o custo, mais gente entra e mais tem espaço no mercado para novos players.