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Impeachment não acaba com crise política, diz Marcos Nobre

Para criador da teoria do peemedebismo, enquanto Lava Jato não mostrar suas cartas, instabilidade política persistirá - e impeachment não anula essa sina

Deputados batem boca em sessão de votação das chapas que pretendem compor a Comissão Especial que dará parecer sobre impeachment da presidente Dilma Rousseff (Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Deputados batem boca em sessão de votação das chapas que pretendem compor a Comissão Especial que dará parecer sobre impeachment da presidente Dilma Rousseff (Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 15 de abril de 2016 às 16h29.

São Paulo – Enquanto a operação Lava Jato não mostrar todas as suas cartas, a instabilidade política no Brasil deve persistir. É o que afirma o cientista político Marcos Nobre, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Cebrap.

“Na política, você precisa de um espaço de confiabilidade para fechar um acordo. Com a Lava Jato, você não sabe quem está dentro ou fora do jogo”, afirmou o professor em entrevista a EXAME.com na última quarta-feira.

Na visão de Nobre, tirar Dilma Rousseff do poder não irá estancar a crise política que se arrasta desde o final de 2014, quando o Congresso começou a dar seus primeiros sinais de revolta.

Em outros termos, se o vice-presidente Michel Temer chegar à chefia do Executivo, para o professor, os problemas do governo Dilma tendem a se repetir.

Nobre é autor da tese do peemedebismo – ideia que explica o funcionamento da maior parte dos partidos brasileiros que se associam ao governo para lhe conferir estabilidade em troca de poder.

Para o pesquisador, exatamente por esse modo de agir, o impeachment de Dilma pode devastar a estrutura do PMDB, que, nas palavras dele, já vive um estado de anomia graças às investigações  sobre o esquema de corrupção na Petrobras e em outros órgãos públicos.

“O PMDB é um arquipélago de interesses. Neste momento, a lógica de sobrevivência é mais importante do que qualquer outra lógica. Todo mundo vira inimigo”, disse.

O duelo em curso entre o peemedebistas Renan Calheiros, que preside o Senado, e o vice Michel Temer sinaliza esse ponto. Na última quinta-feira, Calheiros aprovou em plenário a abertura de um processo de investigação contra Temer por envolvimento nas pedaladas fiscais.

EXAME.com: O senhor tem feito duras críticas ao atual processo de impeachment. O que há de errado?

Marcos Nobre: O desejo das pessoas pelo impeachment é legítimo dentro da Constituição, mas a maneira pela qual se faz isso afeta o próprio instrumento.

A abertura do processo não seguiu a lógica dos movimentos de rua, seguiu a lógica da necessidade de autodefesa não só do Eduardo Cunha, mas de todo grupo de acusados do qual ele é uma espécie de representante. Isso é muito grave.

O impeachment deve ser um processo democrático e transparente, mas da forma como está sendo conduzido está contaminado por elementos obscuros e pouco republicanos.

Como o peemedebismo afeta o processo?

O peemedebismo vai além do PMDB. O PMDB, evidentemente, é a maior empresa do ramo de troca de apoio político, mas as outras siglas também agem de maneira semelhante.

Quando se olha para o sistema político brasileiro, você percebe que a base do governo é sempre a mesma não importa qual é o partido que está no Executivo. De fato, não temos no país a formação de uma bancada de oposição e de uma situação. Desse jeito, não há democracia que funcione.

O que deixou de ser entregue para o PMDB limitar sua venda de apoio ao PT?

Nada deixou de ser entregue como antes. O que aconteceu foi a Lava Jato. O que o governo não entregou foi a proteção [das investigações].

Como isso explica a crise política?

O que chamamos de crise política é uma desorganização do sistema político causada pela Lava Jato. Imagine que você está jogando xadrez, mas você não sabe se o seu peão vale ou não, se o bispo vale ou não.

Policial federal em frente à entrada da residência oficial do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em Brasília, dia 15/12/2015 (Ueslei Marcelino / Reuters)

Na política, você precisa de um espaço de confiabilidade para fechar um acordo. Com a Lava Jato, você não sabe quem está dentro ou fora do jogo, faz-se um acordo com uma pessoa uma semana e na seguinte ela é denunciada pelo STF, não se sabe se tem alguém gravando a conversa com o telefone. Isso desestabiliza qualquer negociação.

Se o “negócio” do PMDB é exatamente costurar acordos, como fica o partido neste contexto?

O PMDB é um arquipélago de interesses. Neste momento, a lógica de sobrevivência é mais importante do que qualquer outra lógica. Todo mundo vira inimigo. É como se as ilhas se afastassem ainda mais umas das outras. Você não consegue unificar o PMDB não só porque os interesses são conflitantes, mas porque não há espaço para acordo.

Supondo que o impeachment seja deflagrado de fato e o PMDB assuma o comando do Executivo, como seria um governo liderado pela sigla?

Vai ser do mesmo jeito que o governo Dilma de agora. A causa da instabilidade política não vai embora com o impeachment. Ninguém sabe quando a Lava Jato vai mostrar todas as suas cartas.

Quando houver um quadro geral das pessoas que estão sendo investigadas, você já sabe quem está dentro e quem está fora do jogo. Aí será possível construir um governo estável. Enquanto não tiver esse quadro geral de quem vai ser pego, vai ser instabilidade.

O senhor já afirmou que o impeachment será danoso para o PMDB. Por quê?

Estar no governo atrapalha os negócios do partido como líder do cartel de vendas de serviços de apoio parlamentar. Quando se está no governo, é preciso uma orientação mais ou menos unificada de para onde o país vai. Se faz isso no PMDB, você racha o partido.

A característica de poder do PMDB permite que cada um mantenha sua posição seja qual for a posição do governo, seja qual for o governo. Por isso, que o PMDB não tem candidato desde 1994.

Michel Temer e Renan Calheiros: duelo em público (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Mas todo esse equilíbrio de forças está ameaçado pela Lava Jato. Vendo isso, o Temer disse ‘esse é o momento para eu me impor no partido’. Só que o risco é enorme. A não ser que o PMDB deixe de ser o PMDB.

Qual é o risco?

Quem tenta se impor no PMDB é derrubado. O PMDB quer um presidente que seja a rainha da Inglaterra. O que o Temer está tentando fazer é ser rei de verdade.

Essa fragmentação do PMDB não vem de hoje ...

Na Ditadura Militar, tinha dois partidos: o de situação e o de oposição. No de oposição, entrava todo mundo. O partido foi desenvolvido dessa maneira: embasado em interesses e com certas regras de arbitragem de conflitos.

Isso se transformou no paradigma de todas as outras siglas. Todos os partidos são o PMDB, isso é histórico. Mas talvez também seja histórico o fato de que, provavelmente, estamos vendo o fim dessa maneira de se governar.

A que se deve o fim desse modelo?

Em junho de 2013, eu disse que o processo de redemocratização do Brasil tinha acabado, que as instituições estavam estabelecidas e, agora, o que queríamos saber é que tipo de democracia nós gostariamos de ter.

Estamos vendo um outro momento [da política brasileira] que começou em junho de 2013. No fundo, a Lava Jato é a primeira dessas grandes operações que conseguiu, de fato, funcionar. Não só pela capacidade técnica do Judiciário, mas também porque junho dá um apoio popular e amplo à operação. Mexeu com a Lava Jato, mexeu comigo. 

Então, a consolidação das instituições explica a eficácia da Lava Jato?

E também do fato de que a própria sociedade se democratizou. A sociedade está dizendo: eu me democratizei e quero que essas instituições sejam ainda mais democráticas do que elas são hoje. Junho foi isso: [as pessoas dizendo] “isso que vocês chamam de democracia não basta”.

Quais as implicações?

Isso mostra que estamos entrando em um momento novo. Não sabemos o que virá disso. Mas é um momento de transição muito instável. Não é muito bom ter essa desorganização, mas ela é necessária para podermos organizar na frente. 

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