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Impeachment é difícil de acontecer, diz Ives Gandra

Autor do parecer jurídico que sustenta impeachment da presidente afirma que, como o processo é político, dificilmente um presidente perderia o mandato no Brasil. Entenda

Ives Gandra da Silva Martins (Divulgação)

Ives Gandra da Silva Martins (Divulgação)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 13 de março de 2015 às 15h16.

São Paulo – Autor do parecer que embasa a defesa de um possível impeachment da presidente Dilma Rousseff, o jurista Ives Gandra da Silva Martins afirmou em entrevista a EXAME.com que, apesar de já existirem argumentos jurídicos para abrir um processo contra a presidente, seria difícil afastá-la do cargo. 

“Como o processo é político, dificilmente, um presidente termina afastado por impeachment”, disse o professor emérito da Universidade Presbiteriana Mackenzie em entrevista a EXAME.com na última quarta-feira.

Em parecer técnico feito a pedido de José de Oliveira Costa, advogado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Gandra concluiu que já há elementos suficientes para a abertura de um processo contra Dilma, por improbidade administrativa "não decorrente de dolo [intenção], mas de culpa".

A conclusão, contudo, não foi acolhida de maneira unânime pela classe jurídica brasileira. Para alguns especialistas, um pedido de abertura de impeachment só tem consistência se existirem evidências claras de que o mandatário cometeu um crime doloso comum (como homicídio ou roubo) ou crime de responsabilidade – que envolve desde improbidade administrativa até atos que coloquem em risco a segurança do país. [Veja a opinião de outros juristas sobre o assunto].  

Na prática, qualquer cidadão pode entrar com uma denúncia contra a presidente por crimes de responsabilidade, mas cabe ao presidente da Câmara dos Deputados julgá-la procedente e abrir uma comissão especial para analisar o pedido. Para que o processo de impeachment seja aberto, dois terços dos deputados devem votar a favor da sua instalação. O Senado então deve decidir, na mesma proporção, se o mandato pode ser interrompido ou não.  

“Estou convencido de que, politicamente, ela consegue mais de um terço do Congresso com a maior tranquilidade”, afirmou. 

Confira trechos da entrevista:

EXAME.com: O senhor defende que é possível ter um impeachment de Dilma por culpa. Qual a diferença com o impeachment por dolo?

Ives Gandra da Silva Martins: Na culpa, a pessoa pode não ter intenção de fazer com que o fato ocorra. Mas por ter sido imperito, imprudente, omisso ou negligente, o fato, que ele não pretendia, termina por ocorrer. No dolo, há intenção de que o fato ocorra.

Como nunca se falou da possibilidade de culpa para impeachment é que se provocou a celeuma jurídica. Agora, é um parecer meramente jurídico. Nenhum presidente que trabalhe o Congresso vai ter menos de um terço. Politicamente, acho difícil acontecer o impeachment.

Alguns juristas têm afirmado que a Constituição brasileira prevê apenas impeachment por dolo.

Isso não é verdade. A lei de crimes contra a probidade administrativa declara que há ação e omissão. A Constituição não fala em nenhum momento em culpa ou dolo, mas fala em atos contra a probidade administrativa. A lei de improbidade administrativa cita isso. O parecer diz que o crime pode ser por ato de ação ou omissão. Omissão é culpa.

Há alguma decisão judicial baseada nesta interpretação?

Há duas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para prefeitos entendendo que culpa grave caracteriza crime de improbidade administrativa, mesmo que o prefeito não tenha tido qualquer benefício pessoal.

Não seriam necessários indícios claros de que a governante tinha conhecimento do caso e se omitiu diante dele?

Se houvessem indícios claros do conhecimento do assunto, seria dolo. Eu defendo a tese de culpa.

Mas isso não abriria pretexto para estender a ideia de impeachment para outros governantes – já que a corrupção e outros crimes de improbidade são comuns no Brasil?

O Supremo Tribunal de Justiça não fala em culpa generalizada. Corrupção nós temos em todos os governos. O que o STJ pesou nessas decisões é a culpa grave. O que é uma culpa grave? Não são 10 mil reais, não é um cidadão que está pedindo dinheiro em um guichê.

Foram bilhões e bilhões de reais durante oito anos. Então, a culpa grave é pelo volume que não poderia passar despercebido por uma direção – nem pelo presidente do Conselho ou presidente da República. A continuação de oito anos, o fato de muita gente estar envolvida. É todo um esquema de envolvimento que não se percebeu. Nisso que está a culpa grave.

Investir na ideia de impeachment por culpa não traria insegurança para a democracia brasileira?

A lei tem sido aplicada para prefeituras e governos. A culpa nestes casos e na lei é claríssima: ação e omissão. A instabilidade política está acontecendo exatamente porque não se tomou nenhuma medida pela Petrobras.

Mas, mais do que a fundamentação jurídica, o impeachment é um processo político...

Estou convencido de que, politicamente, ela consegue mais de um terço do Congresso com a maior tranquilidade. O Collor só não conseguiu por que não soube trabalhar o Congresso.

Da mesma forma que, no caso do Collor, as bandeiras negras terminaram influenciando o Congresso, eu não sei como o Congresso vai reagir às manifestações.

O parecer mostra que, juridicamente, existiram atos contra a probidade administrativa de acordo com a lei dos crimes de improbidade administrativa. Agora, como o processo é político, dificilmente, um presidente termina sendo afastado por impeachment.

Muitos o acusam de motivação política já que o parecer foi encomendado pelo advogado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ...

Quando ele [José de Oliveira Costa] veio me consultar, eu perguntei se era para o Fernando [Henrique Cardoso] e ele disse que o Fernando nem sabia disso. Ele não mentiria para mim. O próprio Fernando está declarando que é contrário ao impeachment. Então, não foi para ele. Agora eu não sei para quem foi.

O senhor irá aos protestos de domingo?

Não vou para não dar a impressão de que o parecer teve conotação política.

Mas iria se não tivesse feito o parecer?

Iria pensar. Era possível que fosse. Pessoalmente, não tenho nada contra a Dilma. Defendo o projeto Levy [Joaquim Levy, ministro da Fazenda] no governo dela porque é a única solução para a economia. Apenas digo que é o maior escândalo da história do mundo. Quando Dilma disse que, se soubesse, não teria assinado a compra de Pasadena [Refinaria de Pasadena, no Texas (EUA)], o propósito da culpa está caracterizado. 

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