Abraham Weintraub: gestão do novo ministro encerrou o Idiomas sem Fronteiras (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 19 de julho de 2019 às 15h59.
Última atualização em 19 de julho de 2019 às 16h16.
Programa que permitiu a mais de 818 mil alunos e professores universitários aprender uma segunda língua, o Idiomas sem Fronteiras (IsF) será encerrado pelo Ministério da Educação (MEC).
Criado para ser um braço do Ciências sem Fronteiras (CsF) encerrado em 2014, o projeto se tornou nos últimos anos a principal ação do governo federal para promover a aproximação do ensino superior brasileiro ao de outros países.
A gestão do ministro Abraham Weintraub fez duras críticas ao programa. "O Idiomas sem Fronteiras não funcionou, a gente vai substituir. O objetivo não pode ser pagar TOEFL [teste de proficiência em inglês] para as pessoas", disse Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, secretário da Educação Superior do MEC. A declaração foi dada durante a apresentação do programa Future-se na quarta-feira, (17).
Minutos antes de criticar o programa, Lima Júnior destacou exatamente que uma das principais dificuldades das universidades brasileiras é a internacionalização.
"Existem poucos estrangeiros no nosso país e, poucos brasileiros no exterior. As ações que foram feitas no passado, como o Ciências sem Fronteiras, não foram bem sucedidas porque focaram no CPF das pessoas. Nós queremos focar no CNPJ das instituições", disse.
Lima Júnior não explicou qual modelo vai ser adotado no lugar do IsF, apenas explicou que sua ideia é promover a internacionalização a partir da vocação de cada instituição.
Vamos descobrir a vocação que cada universidade tem e a partir daí como potencializar essas pesquisas. A Universidade Federal de Viçosa, por exemplo, se destaca na área de agronomia. Podemos fazer uma parceria entre ela e a Universidade de Iowa. Quando fizer a parceria, aí você vê se o idioma é um problema para a publicação ou pesquisa. Aí vai para o [curso de] francês, alemão qualquer um que seja", disse.
A reportagem questionou o MEC se há uma nova proposta para ensino de idiomas no ensino superior e qual deve ser o novo formato. No entanto, a pasta disse apenas que as "necessidades serão avaliadas com a implementação do programa Future-se".
Apesar de o secretário resumir o programa ao "pagamento de TOEFL", o IsF foi desenvolvido com três linhas de atuação: aplicação de testes de proficiência, oferta de cursos de idiomas presenciais e a distância. Entre 2014 e 2018, 454,7 mil pessoas fizeram o TOEFL pelo IsF e 364,5 mil fizeram os cursos.
Atualmente o programa tem 5.950 alunos matriculados nos cursos e no ano passado, o MEC comprou 43 mil testes TOEFL ao custo de R$ 4,5 milhões para aplicar em 2018 e 2019. Segundo a pasta, quem está em matriculado ou já inscrito para as provas não será afetado pela alteração.
O Idiomas sem Fronteiras foi criado em 2012, ainda com o nome Inglês sem Fronteiras, e tinha como objetivo desenvolver o idioma em graduandos candidatos ao Ciências sem Fronteiras, que com diversas críticas e avaliações negativas teve o último edital publicado em 2014.
O IsF nasceu para corrigir uma das distorções que os especialistas apontavam no CsF, que era o de que muitos estudantes iam estudar em outro país para aprender a língua e não para desenvolver conhecimentos em sua área de estudo.
Com o fortalecimento do IsF, ao longo dos anos passaram a ser oferecidos cursos de alemão, espanhol, francês, italiano, japonês e português para estrangeiros.
Marcio de Castro Silva Filho, presidente do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop), o programa tem um papel importante para corrigir uma deficiência da educação básica brasileira. "Em geral, há baixa familiaridade dos estudantes brasileiros na graduação com uma segunda língua. É uma limitação do ensino médio brasileiro que acaba sendo transferida e vira um problema para as universidades", diz.
Segundo Silva Filho, a falta de domínio, sobretudo do inglês, dificulta a internacionalização das universidades. Rankings internacionais de avaliação do ensino superior, como o Times Higher Education e o QS University Ranking, apontam que entre as principais dificuldades das instituições de ensino brasileiras para se destacar nas avaliações estão a baixa presença de professores e alunos estrangeiros, poucas parcerias com instituições de outros países, pouco impacto internacional das publicações científicas.
"Criar um ambiente acadêmico internacional é muito importante. Ele [secretário] critica o pagamento de exames de proficiência, mas eles são importantes para garantir a comunicação, que é fundamental para parcerias de pesquisa e ensino. Isso é incentivado no mundo todo, pós-graduação em Portugal ou na França exige hoje que se saiba inglês", diz.
Para Silva Filho, a ideia apresentada pelo secretário — de só se preocupar com o aprendizado de uma segunda língua na hora da publicação do artigo científico ou da parceria — mostra "desconhecimento de como funciona o ambiente acadêmico". "Para desenvolver parcerias, para fazer algo de impacto global, é preciso entender o que acontece e está sendo produzido em outros lugares do mundo. Sem uma segunda língua, o aluno não vai ser capaz disso. Se só usarmos o financiamento para traduzir artigos nunca vamos crescer".