Operação Lava Jato: jantar aconteceu dois dias antes de Ricardo Pessoa ser preso na operação (Divulgação / Polícia Federal)
Da Redação
Publicado em 2 de março de 2015 às 20h49.
São Paulo e Curitiba - Grampos telefônicos da Polícia Federal revelam que em 12 de novembro de 2014 - dois dias antes de ser preso - o presidente da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, jantou com Mário Góes, novo foco da Operação Lava Jato acusado de ser o maior operador de propinas na Diretoria de Serviços da Petrobras no esquema de cartel e corrupção na estatal.
"Você esteve com nosso amigo em comum?", pergunta Pessoa, ao telefone, para "Mário". Era 12h28 do dia 12 e o celular do executivo estava grampeado, com autorização judicial. A PF monitorava os últimos passos do executivo antes de sua prisão, no dia 14. Ele foi denunciado em dezembro acusado de coordenar o cartel de 16 empreiteiras que corrompia funcionários e fraudava contratos na Petrobras.
"Tô tentando, que dificuldade, viu? Já mandei gente vão ver se hoje eu consigo", responde o interlocutor. Era Mário Frederico de Mendonça Góes, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena), apontado como carregador de "mochilas de dinheiro" para o ex-diretor de Serviços Renato Duque e seu ex-braço direito, Pedro Barusco, que era gerente de Engenharia.
No diálogo que se segue, Pessoa reclama com o operador: "Tô tentando tomar seu vinho, não consigo tomar seu vinho".
"Vai tomar meu vinho sim, com fé em Deus. Está bom?", responde Góes, em busca de acalmar o amigo. Pessoa insiste e sugere se o "vinho" não poderia ser no mesmo dia.
"Hoje? Não sei, eu te confirmo. Se possível Eu te confirmo! Por mim, a gente pode sair para tomar um vinho hoje à noite", responde o operador de propinas. "Tem um outro , que quer te ver também. Tem um amigo que quer te ver, pô", completa Góes, que acabou preso no dia 5 de fevereiro. Ambos estão na carceragem da PF, em Curitiba.
Pessoa é um apreciador de vinhos, segundo interlocutores próximos, mas os diálogos e o encontro são considerados suspeitos. Documentos que foram apreendidos nas buscas na casa e nas empresas de Góes, no dia 5 de fevereiro, indicando a atuação do cartel via operadores de propina, mesmo após a deflagração da operação, em março de 2014, reforçaram as necessidades de aprofundamento das apurações envolvendo o elo entre o executivo da UTC e o operador de propinas.
Jantar
Em uma segunda conversa grampeada entre Pessoa e Góes, às 18h34, o operador relata sua tentativa frustrada de localizar o "amigo", mas fecha o "vinho" para um jantar em sua residência, no Rio, naquela mesma noite.
"Olha não consigo achar de jeito nenhum, rapaz, já tentei de tudo (o 'amigo'). Agora você querendo tomar um vinho tenho um vinho bom esperando por você, pô", afirma Góes. "A casa estará sempre aberta para recebê-lo."
Seria o penúltimo jantar do executivo antes de ser preso, na manhã do dia 14. Em conversa monitorada às 19h40, o executivo da UTC confirma que chegou ao Rio e está à caminho da residência de Góes.
Contratos
Mário Góes foi o único de um grupo de 11 operadores que atuava na área de Serviços preso na nona fase da Lava Jato, batizada de Operação My Way, deflagrada dia 5. O nome foi uma referência ao codinome usado para identificar Duque na contabilidade paralela da propina.
No dia que os agentes federais foram até sua casa e a sede de duas empresas suas de consultoria, a Riomarine e a Mago, ele não foi encontrado. Encurralado, Góes, que tem 74 anos, acabou se entregando três dias depois.
Nos seus endereços, a PF encontrou a prova do elo formal entre a UTC e o homem considerado o mais graúdo dos operadores da diretoria que era controlada pelo PT. São 14 notas fiscais emitidas pela empresa de Góes, a Riomarine Empreendimentos Marítimos Ltda., para a empreiteira que totalizaram R$ 9,7 milhões. Há ainda contratos assinados entre 2004 e 2013 e uma minuta contratual de abril de 2014 da UTC, ou de consórcios integrados por ela, com a Riomarine.
Sem qualquer funcionário no período em que mais emitiu notas para seis empreiteiras do cartel nem "relatórios de consultoria ou assessoria que denotassem o efetivo cumprimento" dos serviços prestados, as suspeitas dos investigadores da Lava Jato são que a Riomarine fosse uma fachada usada para "esquentar" o dinheiro da propina.
"Foram apreendidos apenas, e em grande número, documentos que simplesmente atestam intenso fluxo financeiro entre os clientes e a Riomarine, entre ela e seus sócios e outras pessoas jurídicas, a exemplo de cheques, notas fiscais, transferências bancárias, etc."
Ao todo, as notas indicam que UTC e outras empreiteiras do cartel pagaram R$ 39,7 milhões para a Riomarine.
Defesa
Os criminalistas Rogério Marcolini, Marco Moura e Lívia Novak, que defendem Mário Góes, sustentam que o cliente está "com 74 anos de idade e saúde precária" e que foi o único entre os 11 nomes apontados pelo ex-gerente Pedro Barusco como operadores de propina que teve prisão cautelar decretada.
A Riomarine, segundo a defesa, foi fundada em 1987 no período que foi presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena) - 1987 a 1989 -, permanecendo hoje como membro permanente do conselho superior da entidade.
"(Góes) jamais se dedicou a atividade de câmbio no mercado negro, não conhece as pessoas referidas e não integra qualquer dos quatro grupos identificados na chamada Operação Lavajato", informam os advogados.