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Gilmar pede vista e suspende julgamento sobre mudanças na lei de improbidade

A reforma na legislação foi aprovada por deputados e senadores e sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2021, mas vem sendo questionada por membros do Ministério Público

Gilmar Mendes: ministro do STF. (Nelson Jr./SCO/STF/Divulgação)

Gilmar Mendes: ministro do STF. (Nelson Jr./SCO/STF/Divulgação)

Estadão Conteúdo
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Agência de notícias

Publicado em 19 de maio de 2024 às 07h58.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vista (mais tempo para análise) e suspendeu na quinta-feira, 16, o julgamento sobre as alterações feitas pelo Congresso na Lei de Improbidade Administrativa. Não dá data para retomada da votação.

"Tem algumas questões que, a meu ver, são complexas. Como o debate já demonstrou desde ontem", justificou.

A reforma na legislação foi aprovada por deputados e senadores e sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2021, mas vem sendo questionada por membros do Ministério Público. Promotores e procuradores consideram que as mudanças enfraqueceram o trabalho de combate à corrupção.

O ministro Alexandre de Moraes concluiu nesta quinta, 16, após duas sessões, a leitura do seu voto. Como relator do caso, ele abriu a votação. Os demais ministros decidiram aguardar a devolução do processo por Gilmar Mendes, que tem até 90 dias para liberar a ação.

Alexandre de Moraes defendeu a derrubada de uma série de trechos da nova lei. O posicionamento era esperado, porque o ministro concedeu uma liminar, em dezembro de 2022, para suspender pontos importantes da reforma.

Cada trecho da lei foi abordado de forma autônoma e debatido em detalhes, o levou a um voto minucioso e técnico.

ENTENDA PONTO A PONTO DO VOTO DE ALEXANDRE DE MORAES:

Improbidade culposa

Um dos pontos mais disputados no debate sobre a reforma na Lei de Improbidade foi o que excluiu a modalidade "culposa" do ato de improbidade.

O novo texto passou a exigir a comprovação do dolo, ou seja, da intenção de violar princípios da administração pública. A legislação deixou de prever a modalidade culposa dos atos de improbidade - cometidos por negligência ou imprudência.

Essa era uma bandeira da classe política, que reclamava de condenações consideradas injustas e da falta de segurança para os gestores públicos. Para promotores e procuradores, a extinção da forma culposa favorece a impunidade e enfraquece o combate à corrupção.

Em 2022, os ministros chancelaram a mudança na tipificação. Por isso, Alexandre de Moraes defendeu que, apesar da irresignação dos membros do Ministério Público, o ponto já está resolvido,

"Improbidade administrativa é a ilegalidade voltada a um ato de corrupção, tanto que as sanções são gravíssimas. Ninguém é corrupto por negligência. Não se pode confundir o agente corrupto com o agente incompetente. Ou às vezes o agente não é nem incompetente, é sem sorte. Toma uma das várias opções políticas, mas não dá certo."

Perda da função pública

Moraes votou para declarar inconstitucionais ou limitar a interpretação de diversos pontos do novo texto. Um deles é o que limita a perda da função pública aos casos em que o gestor público esteja no mesmo cargo. Ou seja, pela nova legislação, se o político mudar de função, ele não perde o novo cargo quando for condenado por improbidade.

O tempo médio de tramitação das ações de improbidade é de cinco anos e quatro meses - superior, portanto, à duração dos mandatos políticos.

Para Alexandre de Moraes, a mudança favorece a impunidade. Primeiro, porque os processos tendem a se estender para além dos mandatos. Segundo, porque os políticos podem se antecipar à condenação e mudar de função para não serem afetados, o que o ministro chamou de "ciranda dos cargos públicos".

"A conduta corrupta não é ligada ao cargo, é ligada à pessoa. Portanto, independente do cargo que ele venha a ocupar no momento do trânsito em julgado da condenação, ele deve perder o cargo", defendeu Moraes.

Absolvição na esfera criminal

Outro trecho considerado problemático pelo ministro é o que enterra automaticamente a ação de improbidade se os réus forem absolvidos das mesmas acusações na esfera criminal, o que na avaliação de Alexandre de Moraes viola a autonomia das instâncias da Justiça. "As nuances de tipicidade da improbidade e crime permitem conclusões diversas", argumentou.

O ministro também chamou a atenção para situações em que a ação penal está incompleta enquanto a ação de improbidade, a partir do inquérito civil, reúne as provas necessárias para a condenação.

Excludente de ilicitude

Alexandre de Moraes também votou para declarar inconstitucional o trecho que prevê que gestores públicos não podem ser condenados se houver divergências na interpretação dos juízes e tribunais sobre o ato de improbidade.

Para o ministro, essa é uma "cláusula absoluta de impunidade". "A exclusão absoluta de tipicidade me parece irrazoável", argumentou. "É inútil esse parágrafo no sentido de proteção (dos agentes públicos) uma vez que não se admite mais a modalidade culposa."

Cálculo da suspensão dos direitos políticos

A reforma na legislação inovou no cálculo do prazo de suspensão dos direitos políticos - uma das punições mais duras da condenação por improbidade.

O novo texto prevê que o intervalo entre a condenação na segunda instância e o trânsito em julgado da sentença (quando não há mais possibilidade de recurso) deveria ser abatido na contagem final. Para Alexandre de Moraes, a previsão enfraquece o sistema de responsabilização dos atos de improbidade.

A condenação de improbidade na segunda instância deixa o político inelegível por causa da Lei da Ficha Limpa. Neste momento, porém, não há sanções com base na Lei de Improbidade - que vão além da inelegibilidade e incluem, por exemplo, o direito de votar. A pena só é aplicada ao final do processo.

O ministro defendeu que a natureza jurídica das punições é diferente e, por isso, a detração dos prazos não é possível. Seria, na avaliação dele, uma "conta-corrente maléfica para o sistema de repressão à corrupção".

Moraes também alertou para a situação de agentes públicos que estejam em cargos não-eletivos, como secretarias ou ministérios, e, portanto, não serão diretamente afetados pela inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa. Para o ministro, eles poderão apresentar recursos em série para atrasar o desfecho das ações judiciais e, ao final do processo, terão um saldo favorável na contagem dos direitos políticos.

"Uma eventual detração seria muito benéfica para aquele que exerce cargo público não-elegível, porque enquanto condenado em segunda instância ele está inelegível, mas continua no cargo de secretário, ministro de Estado, diretor de estatal. Vai retardando o processo. No momento em que se dá a suspensão dos direitos políticos, se resume só à inelegibilidade."

Tribunais de Contas

A nova Lei de Improbidade prevê a participação dos Tribunais de Contas nos Acordos de Não Persecução Penal (ANPP) - quando o investigado confessa o crime e se compromete a cumprir cláusulas definidas pelo poder público em troca do encerramento de uma investigação ou processo.

A reforma deu transferiu às Cortes de Contas a atribuição de calcular o valor das multas e definir "parâmetros" para a elaboração desses acordos. Para Moraes, a mudança foi uma intervenção indevida no trabalho do Ministério Público.

"Se coloca aqui um obstáculo à atuação do Ministério Público e da própria atividade jurisdicional. O juiz não vai poder nem homologar o acordo se o Tribunal de Contas não determinar qual é o valor do dano. Isso foge totalmente das atribuições do Tribunal de Contas. E fere a autonomia do Ministério Público."

Punição a partidos políticos

O ministro também defendeu a derrubada do dispositivo que impede a punição, com base na Lei de Improbidade, de partidos políticos e federações partidárias processados por desvio de recursos. A inconstitucionalidade, argumentou o ministro, é "gigantesca".

"Não há lógica em afastar a possibilidade de uma casta somente, dirigentes partidários que recebem o dinheiro público não poderem, assim como qualquer pessoa, serem responsabilizados por improbidade administrativa", defendeu Moraes.

Penas

As punições previstas na Lei de Improbidade Administrativa não necessariamente precisam ser aplicadas em conjunto. Cabe ao juiz responsável analisar a gravidade do caso e decidir as sanções. Essa era uma prática que já prevalecia nos tribunais.

Com a reforma legislativa, houve uma ampliação na gradação das penalidades. O prazo máximo de suspensão dos direitos políticos, por exemplo, foi aumentado de dez para 14 anos. Já nos processos considerados menos graves, quando não há enriquecimento ilícito ou prejuízo aos cofres públicos, não há mais previsão de suspensão dos direitos políticos.

Para Alexandre de Moraes, não há irregularidade neste ponto. "O juiz pode, a partir da análise, decidir o que aplicar, de acordo com a gravidade do fato."

Contratação com o poder público

A proibição de empresas envolvidas em atos de improbidade serem contratadas pelo poder público é outra penalidade prevista na Lei de Improbidade Administrativa. A reforma flexibilizou este ponto, ao prever que restrição de contratação estaria restrita ao ente lesado. Se a condenação por improbidade envolveu serviços prestados à União, por exemplo, a empresa não poderia disputar contratos e licitações federais, mas seguiria apta a oferecer serviços aos Estados e municípios.

Alexandre de Moraes considerou o trecho inconstitucional. "É uma proteção deficiente", defendeu. "Não me parece compatível com uma efetiva proteção ao erário público, um combate efetivo à corrupção."

Nulidade da condenação se houver mudança de tipificação

A nova Lei de Improbidade Administrativa exige que o juiz indique, "com precisão", a tipificação do ato de improbidade assim que receber a réplica da acusação e proíbe qualquer mudança no enquadramento legal dado pelo Ministério Público ao apresentar a ação. Se a regra for descumprida, a decisão é considerada nula.

Ao apresentar o voto, Alexandre de Moraes afirmou que o Congresso tentou "engessar" o Poder Judiciário. "É uma previsão para causar nulidade em cima de nulidade, desde o início ao final, passando pelo meio", criticou. "O juiz jamais pode alterar os fatos, mas ao interpretar os fatos, se o juiz chega a uma outra capitulação legal, ele que vai decidir."

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