Geisel autorizou execução de opositores durante ditadura, diz CIA
Relato de chefe da CIA mostra que, só em 1973, 104 pessoas foram assassinadas pela ditadura militar
Talita Abrantes
Publicado em 10 de maio de 2018 às 18h41.
Última atualização em 10 de maio de 2018 às 19h44.
São Paulo - Segundo um documento secreto de 1974 liberado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, o general Ernesto Geisel (que foi presidente do Brasil entre 1974 e 1979) autorizou a execução de opositores "perigosos" ao regime militar e condicionou o aval de cada caso aoServiço Nacional de Informações (SNI), na época comandado por João Baptista Figueiredo, o último presidente da ditadura militar .
O documento foi desclassificado em 2015 com outros 404 pelo Departamento de Estado Americano, envolvendo oito países da América do Sul. Eles cobrem o período entre 1973 e 1976, durante as presidências dos republicanos Richard Nixon e Gerald Ford.
O memorando é o papel de número 99 e está datado de 11 de abril de 1974, durante o mandato de Nixon e foi escrito por William Colby, diretor da Agência Central de Inteligência (CIA). Foi descoberto pelo pesquisador Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Dos seis parágrafos do documento, dois permanecem sob sigilo. Também não há indicação sobre a fonte do relato.
O documento relata um encontro entre Geisel,Figueiredo, e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino, que na época atuavam no Centro de Inteligência do Exército (CIE). A reunião teria ocorrido em 30 de março de 1974 — 15 dias depois da posse de Geisel na Presidência.
O assunto do memorando é descrito como "decisão do presidente brasileiro Ernesto Geisel de continuar a execução sumária de perigosos subversivos sobre certas condições". O primeiro parágrafo do documento com sete linhas não foi liberado pelo Departamento de Estado americano. É provável que ali estivesse a descrição sobre quem seria a fonte da informação que Colby repassava a Kissinger.
Na ocasião, Tavares disse que o Brasil não poderia ignorar a "ameaça terrorista e subversiva", e que os métodos "extra-legais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos" — proposta que foi apoiada por Figueiredo durante o encontro.
O documento pontua que a política já vinha sendo empregada pelo governo de Emílio Garrastazu Médici, que presidiu o Brasil entre 1969 e 1974.
Segundo o relato, o presidente pediu um tempo para avaliar a seriedade e os potenciais aspectos prejudiciais dessa política. Mas, dias depois, em 1º de abril, ele deu aval à continuidade das execuções e determinou que Figueiredo — que foi presidente do Brasil entre 1979 e 1985 — autorizasse pessoalmente os assassinatos.
"No dia 1.º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política devia continuar, mas que se devia tomar muito cuidado para ter certeza de que somente perigosos subversivos fossem executados", escreveu o diretor da CIA.
O texto ainda afirma que 104 "subversivos" teriam sido mortos pelo governo brasileiro em 1973. Segundo o relatório da Comissão da Verdade,entre 1946 e 1988, ao menos 434 opositores à ditadura foram mortos ou desapareceram no Brasil.
Após o dia 1º de abril de 1974, o CIE coordenou a grande ofensiva contra o partido Comunista Brasileiro que matou dez de seus integrantes, todos sequestrados e mortos em centros clandestinos mantidos pelo órgão.
Durante essa ação, que contava com a participação do destacamento de Operações de Informações (DOI), de São Paulo, outros centenas de militantes comunistas foram presos e três deles morreram no DOI: o tenente José Ferreira de Almeida, o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho, mortes que ocorreram fora do sigilo das ações do CIE. Em razão delas, Geisel afastou do comando do 2º Exército o general Ednardo D´Ávila Melo, em 1976.
Outro lado
Por meio de nota, o Centro de Comunicação Social do Exército informou que "os documentos sigilosos, relativos ao período em questão e que eventualmente pudessem comprovar a veracidade dos fatos narrados foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época". Procurado, o Palácio do Planalto informou que não vai comentar o caso.