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Fora do governo, Moro pode ser maior adversário de Bolsonaro

O desafio mais imediato do ex-ministro da Justiça é provar suas acusações de que o presidente pressionou para interferir politicamente na PF

Moro: 15 meses após sua primeira incursão na política, o paranaense de 47 anos deixou o governo profundamente desiludido, disseram duas pessoas próximas (Andre Coelho/Getty Images)

Moro: 15 meses após sua primeira incursão na política, o paranaense de 47 anos deixou o governo profundamente desiludido, disseram duas pessoas próximas (Andre Coelho/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 6 de maio de 2020 às 15h11.

Última atualização em 6 de maio de 2020 às 16h19.

Sergio Moro está de volta à ofensiva.

Fora do governo, o ex-ministro e ex-juiz responsável pela maior operação de combate à corrupção no país pode se tornar o maior obstáculo político do presidente Jair Bolsonaro.

O desafio mais imediato do ex-ministro da Justiça é provar suas acusações de que Bolsonaro pressionou para interferir politicamente na Polícia Federal, mesmo que isso possa levar ao impeachment de mais um presidente.

“Meu objetivo foi apenas revelar as circunstâncias de minha saída e proteger a Polícia Federal brasileira de interferências arbitrárias”, disse Moro em respostas escritas à Bloomberg. “Devia a verdade à população brasileira. Não era minha intenção prejudicar o governo. As consequências das revelações não estão sob  meu controle”, complementou.

Quinze meses após sua primeira incursão na política, Moro, um paranaense de 47 anos, deixou o governo profundamente desiludido, disseram duas pessoas próximas dele sob condição de anonimato.

Desde que o Supremo Tribunal Federal autorizou investigar suas denúncias, Moro passou a se dedicar totalmente ao caso, junto com seus advogados. Fechou o apartamento em que morava em Brasília no dia seguinte ao pedido de demissão e voltou para sua casa, em Curitiba. Além do inquérito em que é testemunha de tentativa de interferência política de Bolsonaro, o ex-ministro responde a inquérito que o coloca como possível responsável por calúnia e denunciação caluniosa aberto pela Procuradoria-Geral da República por suas acusações feitas contra o presidente.

Crise política

Embora um processo de impeachment contra Bolsonaro seja assunto distante em meio à pandemia do coronavírus, a saída de Moro desencadeou uma crise política que forçou o presidente a buscar o apoio dos parlamentares do Centrão — muitos deles envolvidos em acusações de corrupção. O velho toma lá dá cá, condenado por Bolsonaro durante a campanha política, é o que pode blindá-lo no Congresso contra o avanço de qualquer projeto que tenha o objetivo de tirá-lo do poder.

Até aliados do presidente, entre os quais integrantes das Forças Armadas, expressaram respeito pelo ex-juiz, embora muitos tenham desaprovado sua decisão de deixar o governo partindo para o ataque.

“A avaliação unânime dos militares é de que Moro é admirável e fez um trabalho de valor indiscutível, mas a crítica que se faz é sobre a forma com que ele saiu. Ele saiu atirando, e isso é um pecado mortal na visão militar”, disse o general da reserva Paulo Chagas, próximo da ativa das Forças Armadas e voz respeitada no meio militar. “Bolsonaro deveria ter mostrado mais respeito pelo que Moro defendia.”

Máfia da Sicília

Moro renunciou ao cargo após várias batalhas dentro do governo, incluindo sua campanha para aprovar o projeto anticrime que foi bastante diluído antes de se tornar lei no fim do ano passado. Embora as derrotas impostas pelo Congresso não tenham enfraquecido sua decisão de continuar no governo, Moro se sentia cada vez mais desconfortável com as decisões do presidente. Além das frequentes tentativas de Bolsonaro de trocar diretores e superintendentes na PF, Moro se mostrou muito contrariado com o apoio do presidente à implementação do juiz de garantias e com a ideia de tirar de suas mãos a área da segurança pública, recriando um ministério específico.

Outro fator que desgastou o relacionamento foi a abordagem do presidente em relação ao coronavírus. Moro ficou constrangido com a posição de Bolsonaro contra o isolamento social para controlar o surto e seu apoio a manifestações contra instituições democráticas e em defesa do AI-5, disse uma fonte próxima a ele.

Embora tenha deixado o cargo desiludido, a natureza de sua saída e seu status de celebridade tornam inevitável a especulação sobre seu futuro político. Mais tentadora é a perspectiva de uma corrida presidencial em 2022, provavelmente contra Bolsonaro.

Moro evita o assunto: “As especulações sobre um eventual futuro político só me prejudicaram até o momento como juiz e depois como ministro”.

Ele agora avalia ofertas de universidades e empresas privadas para trabalhar como professor de direito ou consultor de compliance. Por mais que tente escapar da abordagem sobre seu futuro político, os partidos têm as portas abertas para tentar conquistá-lo.

Nenhum prazer

Moro é bem consciente de seu potencial nas urnas, segundo um amigo que pediu para conversar sob condição de anonimato. Seu capital político é ainda mais forte por ser visto como o responsável por colocar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atrás das grades.

“O futuro do Moro tem duas alternativas: ou ele vai para advocacia e palestras ou ele vira candidato à Presidência da República. Não tem meio termo, é uma coisa ou outra”, disse José Nelto, vice-líder do Podemos na Câmara dos Deputados. Ele observou que o ex-juiz enfrentou a fúria da esquerda durante a Operação Lava-Jato, e agora enfrenta a mesma ira da extrema direita que apoia Bolsonaro.

O Novo, assim como o Podemos, tem esperanças de uma filiação de Moro. “Na questão do combate à corrupção, ele tem alinhamento com o Novo”, disse Paulo Ganime, líder do partido na Câmara.

Como teve acesso a informações sigilosas na sua gestão como ministro, Moro requisitou a quarentena ao governo. Com isso, ele manterá por seis meses seus vencimentos de cerca de 30.000 reais por mês.

Denunciar Bolsonaro não foi algo que deixou Moro feliz, segundo outra pessoa próxima ao ex-ministro. Mas ele achou necessário explicar claramente suas razões para pedir demissão e avaliou que seria pior encobrir informações. Quando perguntado se está arrependido de ter abandonado uma carreira de sucesso de mais de duas décadas para ficar alguns meses no cargo de ministro, Moro diz que não e que o combate à corrupção é o que precisa prevalecer:

“Não me arrependo, permaneci fiel aos compromissos que assumi ao ingressar no governo e até o último dia”, afirmou. “Principalmente (mantive o compromisso) de fortalecer as instituições para combater a corrupção e defender a integridade do governo e das leis, temas muito importantes no Brasil.”

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