Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. (Miguel Schincariol/Evaristo Sá/Getty Images)
Reuters
Publicado em 18 de março de 2021 às 13h08.
Última atualização em 18 de março de 2021 às 13h23.
A possível entrada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na corrida ao Palácio do Planalto no próximo ano fez com que aliados do presidente Jair Bolsonaro no centrão aumentassem o custo do apoio ao atual chefe do Executivo, disseram fontes à Reuters nos últimos dias, sinalizando até que não descartam apoiar o petista na sucessão presidencial.
Lula foi beneficiado na semana passada por uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin que anulou condenações e processos contra ele, restabelecendo os direitos políticos após ter sido barrado da disputa em 2018 -- ainda não é uma determinação definitiva, ressalte-se.
Na primeira entrevista após a decisão do STF, Lula colocou-se como um antagonista de Bolsonaro, deixou em aberto a possibilidade de concorrer a um terceiro mandato e ainda sinalizou que iria buscar antigos aliados --muitos deles que agora apoiam o atual presidente.
"Lula é um cara muito encantador, ele fez determinados acenos e vai levar a política a continuar polarizada entre ele e Bolsonaro", disse uma liderança parlamentar que apoia o atual presidente e já esteve com o petista, mas preferiu não se identificar.
Segundo essa liderança, o que acontecer este ano, principalmente em relação à gestão da pandemia do coronavírus e da crise econômica, será decisivo para que o centrão --hoje principal âncora do governo no Congresso-- decida se vai manter o apoio coeso e irrestrito a Bolsonaro.
O sinal mais evidente da mudança no humor dos aliados de Bolsonaro --embora ninguém vá fazer essa vinculação diretamente-- se deu na pressão para a troca do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, homem de confiança do presidente, que passou a ser fritado abertamente pelo centrão.
Capitaneado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o grupo tentou emplacar a médica Ludhmila Hajjar para o lugar de Pazuello, argumentando que ela tinha "capacidade técnica e de diálogo político". A fala ocorreu após Bolsonaro se reunir com a médica no Planalto.
As declarações de Lira ocorreram quando o país passou a atravessar o pior momento da pandemia do coronavírus desde o início da crise sanitária e em meio a duras críticas quanto à ineficiência na atuação de Pazuello, alvo de investigações do Ministério Público e sob ameaça de ser alvo de uma CPI no Senado.
Uma fonte ligada a Pazuello reconheceu à Reuters que a pressão do centrão, após a reabilitação política de Lula, foi um dos fatores que pesaram na antecipação da saída dele do comando da Saúde. Mesmo diante das críticas, segundo essa fonte, não estava no radar do ministro sair da pasta.
Apesar do apoio de Lira, Ludhmila recusou o convite por dificuldades de sintonia com o presidente e após ser alvo de ataques. Chegou a ser cogitado outro nome, o deputado Doutor Luizinho (PP-RJ), mas Bolsonaro preteriu essa indicação e escolheu o médico cardiologista Marcelo Queiroga para o cargo, ligado ao seu primogênito, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e que deu sinais de alinhamento com a cartilha do chefe do Executivo.
Nos bastidores, Lira tem dito que era preciso fazer a troca no ministério por alguém que resolva e que não há tempo a perder, segundo uma fonte ligada a ele. "Independentemente de quem seja, não adianta mudar para não resolver", afirmou.
O grupo não comemorou de forma efusiva a escolha de Marcelo Queiroga, e tem dado sinais de que não deverá ter tanta paciência com a nova troca --a quarta para o cargo durante a pandemia.
"Não tem outra palavra para o novo ministro da saúde Marcelo Queiroga que não seja: torcemos muito para dar certo! Dar errado terá como preço mais alguns milhares de brasileiros mortos. Seremos vigilantes e firmes para que o Ministério da Saúde corrija os rumos para prevenção e vacinação!", alertou no Twitter Marcelo Ramos (PL-AM), primeiro vice-presidente da Câmara.
Um atuação de cobrança maior em relação ao governo é esperada, segundo as fontes relataram à Reuters.
Para o líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), a imagem de Bolsonaro está desgastada por sua "administração irresponsável" do país e alega que os aliados dele vão sentir isso.
O senador avalia que Lula serve como porta-voz dos eleitores que "perceberam que o Brasil está caminhando em direção a um precipício neste governo Bolsonaro".
"Muitos políticos também começam a perceber isso e é preciso lembrar que o pior lugar para um político é aquele em que o eleitor não sabe de que lado ele está", disse.
"Uma frente ampla deve ser construída para 2022 e como o próprio Lula falou em seu discurso a esquerda não pode ter medo de dialogar com setores conservadores", reforçou ele à Reuters.
Além disso, a avaliação corrente entre as fontes ouvidas pela Reuters é que a reabilitação política de Lula vai reduzir o espaço para candidaturas do chamado centro, que se coloquem fora da polarização entre o petista e Bolsonaro.
Segundo uma das fontes, um sinal disso foi a possibilidade de o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), dita em entrevista, concorrer à reeleição em 2022, o que o deixaria fora da disputa ao Palácio do Planalto. Outros nomes também perdem mais tração neste momento, afirmou essa fonte ligada ao centrão.
"Vai ficar um contra o outro e as demais candidaturas ficam periféricas e vão avaliar quem vão apoiar no segundo turno", disse à Reuters a liderança que está com Bolsonaro, mas que já apoiou Lula.
Por ora, o centrão deve seguir com Bolsonaro e, mesmo diante da queda de popularidade e do agravamento da crise sanitária, não está no radar um rompimento com o presidente. Mas uma das fontes ouvidas, ligada ao grupo, destacou que não há a necessidade de se manter totalmente fiel ao atual chefe do Executivo.
"Há uma nuvem, uma alternativa palpável e que não pode ser desprezada", resumiu essa fonte, ao avaliar que o grupo trabalha sempre para estar no governo, seja qual for.