Cristo Redentor iluminado com as cores do Brasil: no ano passado, o número de assaltos na capital fluminense aumentou 25 por cento (Buda Mendes/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 24 de junho de 2015 às 12h31.
Rio de Janeiro - Quando tiros foram disparados no mês passado durante o primeiro confronto em sete anos entre a polícia do Rio de Janeiro e supostos traficantes do morro Santa Marta, a reputação do local como favela pacificada com vistas deslumbrantes e uma noite de samba famosa desmoronou.
Ninguém ficou ferido no incidente ocorrido na favela da zona sul carioca habitada por 6 mil pessoas, mas o tiroteio fez muitos questionarem se o programa de pacificação de comunidades, do qual o Santa Marta era uma favela modelo, não está perdendo ímpeto um ano antes da chegada de meio milhão de visitantes para a Olimpíada de 2016.
O incidente, que ocorreu na esteira das mortes de um ciclista e de um turista alemão a facadas em assaltos, despertou temores de que, depois de anos de progresso, a violência esteja voltando a crescer na cidade.
“Estou com medo de que as coisas voltem a ser como antes”, disse Aldinho, que se recusou a dar o sobrenome por receio de consequências, enquanto servia cervejas em uma barraca nas escadas do Santa Marta.
Os dados oficiais confirmam essa visão. No ano passado, o número de assaltos na capital fluminense aumentou 25 por cento, o maior aumento desde que os registros começaram a ser feitos em 1991.
A tendência se mantém – um crescimento de 10 por cento foi registrado nos três primeiros meses de 2015.
O aumento do desemprego, o baixo moral da polícia e o sentimento crescente de desesperança entre os pobres estão contribuindo para o agravamento da violência, na opinião de especialistas em segurança e desenvolvimento.
A tendência é triste para uma cidade que esperava aproveitar a Copa do Mundo do ano passado e a Olimpíada para se tornar mais segura.
O Mundial de 2014 realizado em 12 cidades brasileiras transcorreu praticamente sem incidentes, após as manifestações de rua e a repressão que o antecederam.
“Os anos durante os quais a segurança melhorou foram os anos durante os quais a economia estava forte, a vida das pessoas estava melhorando e elas tinham esperança”, disse Theresa Williamson, líder das Comunidades Catalíticas, instituição de caridade que trabalha com moradores de favela.
“Agora isso está desaparecendo”, disse.
O boom das exportações de commodities, o aumento do consumo e os programas sociais ambiciosos sustentaram uma década de crescimento econômico robusto que tirou 35 milhões de brasileiros da pobreza.
Mas, desde 2012, a economia empacou em função da queda do preço das commodities e da demanda dos consumidores, o que coloca o Brasil no rumo de sua recessão mais grave em um quarto de século este ano.
Alta taxa de homicídio
O centro das iniciativas de segurança do Rio de Janeiro foi a pacificação das favelas por meio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) dentro de comunidades antes controladas pelo tráfico de drogas.
As autoridades louvaram o programa por ajudar a cortar pela metade a taxa de homicídios entre 2006 e 2012, mas o programa atraiu críticas pelo uso excessivo da força por parte de alguns policiais, o que resultou na morte de inocentes.
A redução dos homicídios foi uma parte fundamental do renascimento da cidade, que voltou a crescer como destino turístico.
Mas a taxa de homicídios se mantém na cifra de 20 mortes para cada 100 mil habitantes, o que coloca o Rio entre as metrópoles mais perigosas do mundo – o número é três vezes maior do que o das quatro sedes anteriores das Olimpíadas somadas.
Os organizadores olímpicos afirmam estar trabalhando intensamente com as autoridades para garantir um ambiente seguro durante os Jogos, e que o Rio tem um histórico respeitável como sede de grandes eventos.
A cidade planeja empregar 60 mil agentes de seguranças durante as competições, disse à Reuters uma fonte com conhecimento direto dos planos.
Como primeira favela “pacificada”, o Santa Marta se tornou um modelo para o programa. Em uma tarde ensolarada recente, foi fácil entender porquê.
Uma guia mostrava o local para um grupo de turistas enquanto crianças jogavam bola em um gramado artificial com vista para o mar.
O tenente Gabriel Cavalcante, subcomandante da UPP do local, minimizou o tiroteio do mês passado, um “fato isolado”, e declarou que a presença policial foi reforçada desde então. Os culpados foram identificados, mas fugiram, provavelmente na mata cerrada ao redor do Santa Marta.
“O sentimento de paz e calma foi restaurado”, disse Cavalcante. Mas outros acham que a volta da violência ao Santa Marta é um sinal de abalo no programa como um todo.
Lembrete dos "piores dias"
Desde 2008, foram criadas UPPs em 38 favelas, estabelecendo uma rede que hoje emprega cerca de 10 mil policiais.
Um deles, que atua no Santa Marta e pediu para não ser identificado por não ter permissão de falar com jornalistas, disse acreditar que o programa foi expandido rápido demais e que a diferença de qualidade dos policiais é um problema.
A expansão acelerada também pesou no moral.
“Muitos policiais que estão sendo enviados às UPPs não querem ir. Não estão contentes, e isso afeta a motivação”, afirmou Ubiratan Ângelo, ex-comandante da PM do Rio que lidera a área de segurança da instituição de caridade e instituto de pesquisas Viva Rio.
As preocupações com os custos também estão crescendo no momento em que o Brasil caminha para a recessão e os cofres do Estado do Rio estão sendo afetados pela queda na receita com os royalties do petróleo.
Os dramas nas UPPs coincidem com os assassinatos de grande repercussão em áreas que seus moradores passaram a ver como seguras.
Em fevereiro, um turista alemão morreu depois de ser esfaqueado em plena luz do dia no centro da cidade.
Em maio, um médico de 56 anos foi morto a facadas enquanto voltava para casa de bicicleta no início da noite perto da Lagoa Rodrigo de Freitas, onde serão realizadas as provas de remo da Olimpíada.
“Os assassinatos recentes foram muito brutais, sem medo de represália. Isso me lembra os piores dias do Rio”, disse Maureen Ferreira-Walters, advogada que voltou da Europa em 2011.
A violência a está fazendo pensar em ir embora novamente.