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Estou só esperando a morte chegar, diz idosa moradora da favela do Mandela

ONG Rio de Paz voltou à comunidade nesta terça, após alimentos se esgotarem em ação no último sábado

Rio de Janeiro: população da favela do Mandela recebe doações durante pandemia de coronavírus (Fabio Teixeira/Getty Images)

Rio de Janeiro: população da favela do Mandela recebe doações durante pandemia de coronavírus (Fabio Teixeira/Getty Images)

AO

Agência O Globo

Publicado em 22 de abril de 2020 às 11h42.

Diferentemente do calendário, a fome não pausa durante um feriado ou uma quarentena. Ao contrário, agrava-se e desespera aqueles que só obtêm alguma renda se puderem se virar, como vários desempregados e trabalhadores autônomos que moram nas favelas do Rio. Por isso, a ONG Rio de Paz repetiu nesta terça-feira uma doação de cestas básicas no Mandela, no complexo de Manguinhos, na Zona Norte.

Os voluntários estiveram no local no último sábado, mas não puderam atender a todos e garantiram que voltariam nesta terça para entregar os alimentos à enorme fila de necessitados. Uma delas era Maria das Dores Costa, de 80 anos, que foi sozinha buscar a pesada cesta básica. No local, recebeu auxilio para colocar as doações em um carrinho de feira e levar para casa.

"Essa ajuda é muito importante, muito. Está difícil colocar o pão na mesa. Recebo uma pensãozinha desse tamanho e não tenho ajuda de nada. O que eu estou esperando da vida no meio dessa crise toda? A morte. Estou esperando minha hora chegar", disse, com um sorriso triste no rosto.

Já Patrícia Lis Araújo da Silva, de 43 anos, e o filho mais velho, Robert Logan, de 19, são dois dos vários autônomos que tiveram a rotina de trabalho alterada — e, consequentemente, viram a renda despencar — em meio à pandemia. Na casa, moram ainda a filha mais nova de Patrícia, de 18 anos, e a filhinha da moça, um bebê de três meses. A chefe de família estima que a cesta só deve durar uns 15 dias. Depois disso, não sabe como farão para se alimentar.

"Meu filho entrega quentinhas e, por causa do coronavírus, está trabalhando em dias alternados. Eu sou revendedora de cosméticos, mas quase ninguém comprou por não saber quando iria receber. Essa cesta foi uma ajuda muito grande. Mas, quando terminar, vou depender de nova doação, pois não sabemos quando a quarentena vai acabar e essa doença também", preocupou-se.

Nílsia dos Santos, de 49 anos, sentia muita falta de ar e não pretendia sair de casa nesta terça. Mas, ao receber uma ligação avisando das doações, correu para garantir uma cesta para a família. A catadora batalha para sustentar os quatro filhos. O que já estava difícil, segundo ela, piorou com o coronavírus.

"Está difícil trabalhar, ninguém aqui em casa está conseguindo emprego. Eu cato latinha, papelão, ferro, ontem mesmo comprei pão de manhã para eles porque estávamos sem. A cesta deve durar uma semana, a gente vive dessa ajuda que nos dão. Hoje eu fui ao médico, ele me mandou ficar em casa, mas recebi o recado e tive que sair. Mas tenho asma e bronquite só", garantiu.

O morador Rui de Oliveira Santos, de 68 anos, também abriu as portas de sua casa simples, onde mora sozinho. Ele mostrou sua dispensa pequena e vazia, com poucos utensílios de louça e sem nenhum alimento até a doação preenchê-la. Um pouco mais tranquilo em relação às próprias necessidades, ele pretende, agora, retribuir a ajuda que recebeu.

"Ganhar essas cestas básicas é um alívio, porque eu só recebo dia 5 e já não tinha mais nada, a dispensa estava vazia. Para mim, foi uma boa mesmo. Essa cesta dura uns três ou quatro meses, pois sou eu sozinho. Se sair o dinheiro que estou pensando aí, vou retribuir. Vou comprar uma cesta e entregar para vocês. Se sair o meu décimo terceiro, vou colaborar também", planejou.

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