“Está muito tarde para ser candidato”, diz Flávio Rocha
Em entrevista exclusiva a EXAME, o presidente das lojas Riachuelo explica por que descarta ser candidato – embora esteja no radar de Bolsonaro e FHC
Leo Branco
Publicado em 16 de fevereiro de 2018 às 17h28.
Última atualização em 27 de março de 2018 às 12h51.
EXAME conversou com o empresário Flávio Rocha, presidente da rede de lojas Riachuelo e fundador do movimento político Brasil 200 (alusão aos 200 anos de independência que o país completará em 2022). O movimento, lançado em janeiro, reúne empresários como Alberto Saraiva (Habib’s), Sônia Hess (Dudalina) e Antônio Carlos Pipponzi (Raia Drogasil), além de profissionais da iniciativa privada, com a proposta de uma agenda econômica liberal para o Brasil.
Rocha tem viajado Brasil afora para divulgar as ideias do movimento e tem sido sondado por diversos políticos – do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – para assumir uma candidatura em 2018 . Ele nega que haja essa possibilidade . Na entrevista a seguir, Rocha explica os planos do Brasil 200 e por que não considera uma candidatura neste ano.
Uma proposta liberal
Qual é o propósito do movimento Brasil 200?
A força dele está no formato de não ter compromisso com nenhuma campanha eleitoral. Isso nos dá força para palpitar, influir e nos meter nos programas, e falar da nossa angústia. Há algum tempo tínhamos como natural uma troca de ciclo, por causa das ideias muito ruins da nova matriz econômica, da gastança, do aumento dos gastos públicos. A gente imaginava que os ventos liberalizantes estariam soprando do eleitor. Isso se manifestou eloquentemente na eleição de 2016. E achávamos que deveria estar se manifestando de novo em 2018. Mas o tempo está passando e o pânico está aumentando. Se a eleição fosse hoje, e se as pesquisas estiverem certas, nós devolveríamos o Estado para quem fez desse estrago todo. Para a mesma quadrilha. E qual o diagnóstico? Um governo precisa dizer qual é o papel do Estado. Se é o papel de protagonista ou um papel de coadjuvante. Até agora o Estado foi protagonista e se metia em tudo, até na espessura do colarinho do chope. Porém, nós queremos um Estado coadjuvante. Nós queremos um país que tenha um Estado para lhe servir, e não um Estado que seja proprietário das pessoas. Temos um Estado formado por dois por cento da população e que se apropriou do resto.
Por que a falta de um discurso liberal causa pânico?
A esquerda, com ideias erradas, tem a coerência entre o discurso da economia e o dos costumes. Os gurus são (Karl) Marx e outro menos conhecido: (Antonio) Gramsci. Marx está morto, enterrado, ninguém nem perde mais tempo em dizer que socialismo na economia dá errado. O fantasma que nos assombra é Gramsci, que dizia ser necessário fazer uma faxina nos valores judaico-cristãos. Não sou moralista, longe disso. Mas fico indignado com a estratégia, cantada em verso e prosa, por vários autores, de que é preciso bagunçar geral. Você viu um vídeo de uma deputada do PT falando que é preciso quebrar todos os tabus de uma sociedade, sobretudo o do incesto? Para ela, quando se quebrar o último tabu, estaremos prontos para construir a partir do zero a sociedade ideal, que é a sociedade socialista. Contra isso, precisamos não só das ideias do liberalismo, de libertar o poder de geração de riqueza que não está na mão do Estado, mas no indivíduo, mas também de uma agenda conservadora e anti-gramsciana, anti-marxismo cultural, que tenha coerência com o liberalismo. Ou seja, constatamos um apavorante vazio, num cenário político de 37 partidos, com as combinações mais esdrúxulas. Há o Macron brasileiro. Há a Le Pen brasileira. Há tudo menos o óbvio, o liberal, conservador e reformista. Temos a obrigação de apresentar um perfil liberal conservador reformista porque isso é algo que o povo está clamando para ter.
Mas dá para conciliar todos esses conceitos?
Contorcionismo é fazer qualquer coisa fora desse conceito. O lógico seria ter um esquerdista gramsciano ou um marxista de um lado e um Reagan, um Friedman, conservador, do outro. Esse é o normal. O exótico, o estranho, o fora do comum, um anti-convencional é um Macron: direita na economia e esquerda nos costumes. Ou Le Pen, que é direita nos costumes e esquerda na economia.
Mas há movimentos mundo afora pressupondo liberdade na economia e nos costumes, como é o caso do Livres no Brasil.
São libertários, que pressupõem ausência de Estado. Mas, para nós, do Brasil 200, é preciso haver um Estado mínimo. Não precisa ser uma carruagem estatal de 50 por cento do PIB, porque isso nos tira do jogo competitivo. O carrapato está maior que o boi. Quando isso acontece, os dois morrem junto. O boi fica exangue e o carrapato morre junto.
Quem se coloca hoje como o Macron brasileiro? O apresentador de tevê Luciano Huck?
Eu não daria ao Huck ainda o crédito de ser liberal. Estamos aí com uma nova tese, que serve à esquerda, de dizer que esse negócio de esquerda e direita está superado. É antigo, porque os países decidiram 50 anos atrás que iam ser liberais ou estatizantes. Estamos postergando, empurrando com a barriga essa decisão há 50 anos. Por isso a discussão de liberal ou estatizante no Brasil é mais do que atual. Não temos mais tempo para escolher se queremos seguir o lado da Coreia do Norte ou o da Coreia do Sul. Se nós queremos um Estado protagonista ou um Estado servidor.
Possível candidatura em 2018
O senhor já foi candidato a presidente e foi deputado. Tem vontade de voltar à política?
Isso é convocação, é chamamento. Acho que está muito tarde para ser candidato. De fato eu não tenho nem partido. Não tenho voto. Está tarde para construir a densidade eleitoral. Eu tenho a impressão que a gente consegue influir e ser muito mais decisivo, realmente contribuir, para a troca de ciclo, para a mudança no país, que está seriamente ameaçada, com o movimento Brasil 200. Se eu tivesse me lançado de paraquedas, inadvertidamente, e recitando essas ideias como candidato a presidência, nem de longe estaríamos tão próximos de fazer o gol como estamos agora, com a impressionante performance do Brasil 200.
Mas se fosse convocado, pensaria?
Não seria porque na hora que eu dizer que sou candidato imediatamente eu comprometeria o crescimento, a credibilidade e a capacidade de influenciar que o Brasil 200 tem agora. O Brasil 200 só está assim porque não está a serviço de um candidato. Está questionando, palpitando, botando o dedo na ferida, cobrando o porquê dessa lacuna na política. É inexplicável essa lacuna. Falta um Reagan no Brasil. Não um Macron. Falta um rosto que seja contraponto a esse triste período esquerdizante que o país está querendo deixar para trás. Esse contraponto não é só no economês. É no economês e nos costumes. Porque há uma demanda por ordem. E só isso justifica o incrível fenômeno Bolsonaro.
Recentemente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso cogitou seu nome para uma candidatura à Presidência em 2018. Se instado pelo ex-presidente, o senhor aceitaria concorrer – e em que condições?
Não deixa de ser lisonjeiro. Um dos maiores homens públicos do país lembrou-se do meu nome. Infelizmente o sucesso do Brasil 200 deve-se ao fato da sua desvinculação a qualquer projeto eleitoral. Por isso estamos conseguindo ser ouvidos e respeitados.
As conversas com Bolsonaro
Qual é a sua opinião sobre o deputado e pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro?
Acho que ele carrega nas cores na maior parte dos temas. Mas é o único que preenche a demanda por ordem. É o anti-bagunça. Ele é o único que se contrapõe ao bandido, ao sentimento de que o Estado é cúmplice do bandido, que manieta a polícia. Isso é Gramsci e (Herbert) Marcuse, filósofo que falava que não adianta contar com o proletariado, como achava Marx, para quem o proletariado ia formar os exércitos da revolução socialista. Mas bastaram 30 anos de socialismo para a realidade contrariar essas ideias. Quando o capitalismo dispara, o salário sobe também, o trabalhador fica com a sua tela de plasma, tomando a sua cerveja e não vai querer saber de revolução. Agora, quem pode fazer a revolução? O lumpemproletariado. Aí vem a defesa das cracolândias, do MST, do MTST, do PCC. Essa miséria que o PT cultiva é a ferramenta para ele fazer a revolução.
O Bolsonaro então é o único que combate essa visão?
Sim, e merece um elogio por isso. Mas precisamos avaliar a sintonia, o tom de cores, digamos, muito carregadas no discurso dele.
Que tons são esses?
Um deles é o discurso de “bandido bom é bandido morto”. Isso aí ninguém do Brasil 200 compactua. Claro que a gente quer um pouco mais de energia com relação à criminalidade. Está havendo essa lógica de Herbert Marcuse, de que os bandidos são o lumpemproletariado, os totalmente excluídos, são aliados da revolução. Isso leva à leniência, à cumplicidade com os bandidos e ao aumento da criminalidade. O Bolsonaro intui que o povo está acuado. Ele é o único que fala de temas tabus como o desarmamento, a redução da maioridade penal. A classe política, acuada por causa de uma intelectualidade muito vocal, mas que é apenas 0,001% da população, muitas vezes deixa órfãos 70%, 80%, 90% dos eleitores, a imensa maioria que sente na pele o problema da violência. É o cara da favela, que tem que sair de casa e pegar fila no ponto de ônibus para trabalhar, que passa a noite protegendo o filho de bala perdida. Esse cara está órfão. Porque a classe política ainda ouve as teses da intelectualidade, o marxismo cultural. Ou seja, o discurso liberal vai ser a nossa ferramenta para consertar o país consertar a economia destroçada, mas ele não ganha eleição. Existem dois comportamentos nas nossas esperanças eleitorais: um Macron brasileiro, que talvez tenha a ferramenta para consertar a economia, mas não tem para ganhar a eleição porque o povo brasileiro é predominantemente conservador; e há também outro fenômeno que é o cara que fica confinado na estreita fatia do economês, falando de eficiência do Estado, de privatização, de teses econômicas, condenado a um por cento de intenção de voto.
Quantas vezes o senhor esteve com o Bolsonaro?
Umas quatro vezes, com amigos em comum.
Eu já ouvi que o deputado Bolsonaro gostaria de ter o senhor como vice dele. Recentemente, inclusive, ele teceu elogios ao Senhor. Aceitaria um convite dele para ser vice na chapa?
Não aceitaria, em primeiro, lugar porque a nossa estratégia, o nosso formato de movimento é bem-sucedido porque não tem compromisso eleitoral. E, segundo, porque, embora exista alguma afinidade, e o Bolsonaro merecer o crédito de ser o único que está tocando nos temas tabus, nós temos diferenças. A primeira: as reformas. Não vejo como um presidente possa ser bem-sucedido se não se dedicar, de corpo e alma, às reformas. E ele não tem nenhum compromisso com isso. Pelo contrário, ele tem dito que não vai votar nas reformas. Não votou a trabalhista. O Bolsonaro tem uma arma para ter um fortíssimo desempenho eleitoral porque só ele está tocando nos temas em que o eleitor está se sentindo órfão. Mas, com o que tem dito que vai fazer depois de eleito, temo que ele não tenha a ferramenta para consertar o país depois.
Não falta um empresário no projeto de Bolsonaro para que isso se concretize?
Pois é. Eu inclusive vi uma nota recente (publicada por EXAME) em que o Bolsonaro fala da admiração que tem pelo meu nome. Aliás, fiquei até constrangido porque eu tinha dado uma entrevista pouco antes falando que ele era nacionalista e fazendo uma porção de críticas à postura dele. Sem dúvida fico lisonjeado em saber que o Bolsonaro me tem em alta conta, mas eu não posso violentar minhas convicções.
Então o movimento Brasil 200 não apoiaria a candidatura dele como está hoje?
O Brasil 200 quer um candidato que tenha estes pré-requisitos: que seja um liberal na economia e que devolva o Estado ao seu propósito de servir, mas não apenas, como acontece hoje, servir a uma aristocracia burocrática, que não tem um compromisso com o aluno, com o usuário final. O Estado está ensimesmado e serve a essa casta. É só privilégio, é um mecanismo de concentração de renda absurdo. O Estado é um bom abrigo das ameaças e cobra a maior carga tributária do mais pobre para financiar os maiores privilegiados. É isso que a reforma da Previdência está revelando, e está estarrecendo o Brasil. Existimos para fazer realmente um contraponto a esse marxismo cultural, para um compromisso com a ordem depois do período de bagunça intencional dos valores, como uma sórdida estratégia de chegada ao poder. E, para fazer isso, é preciso haver um reformista.
O senhor acha possível o Bolsonaro suavizar o tom, tanto na parte da segurança, no discurso de “bandido bom, bandido morto”, como também na parte da economia, para uma proposta de fato liberal?
Ele tem demonstrado essa preocupação no que toca à economia. Um grande indicador foi ele ter convidado um dos economistas mais geniais e mais liberais, que é o Paulo Guedes, agora mais um apoiador do Brasil 200 com a ressalva do parlamentarismo. O Guedes já deixou claro que não é parlamentarista, como está no nosso decálogo. Então o Bolsonaro está realmente diagnosticando o que propor para a economia. E o Brasil 200 fica muito feliz porque foi um tópico levantado por nós. Dissemos ao Bolsonaro que ele só não é o candidato dos nossos sonhos porque não é um liberal. Um liberal não se faz do dia para a noite. Você precisa não só dizer que é, mas convencer. As convicções liberais, o entendimento das relações de causa e efeito do mercado… O economista Roberto Campos costumava se referir à(ex-ministra da Fazenda no governo Collor)Zélia Cardoso de Mello como uma cristã nova do liberalismo. E cristãos novos têm fé débil.
E o que o Bolsonaro respondeu de volta? Ele vai seguir o conselho?
Eu fiquei bastante impressionado com ele. O Bolsonaro é combatido justamente no que ele está mais próximo de acertar. Que é o fato de ter se libertado da lavagem cerebral do politicamente correto, o que é muito meritório, e está muito próximo do povo em questões como a segurança, a da idade mínima para maioridade penal. Ele está muito mais próximo do povo do que a classe política. Agora, nos preocupa o fato de que na economia há falta de compromisso. Ele sinaliza que ainda não está sintonizado. O que mais separa ele do Brasil 200 é a negação das reformas, não ter votado a reforma trabalhista. Ele poderia ajudar muito agora na questão da Previdência, porque qualquer um que saiba as quatro operações fundamentais da matemática sabe que se não sair a reforma a situação do país explode.
E o Bolsonaro ficou de pensar no assunto?
A bola agora está com o Paulo Guedes. A grande missão do Paulo é fazer do Bolsonaro um liberal na economia e um reformista de fato.
O Senhor ajudaria Bolsonaro num cenário de vitória em 2018?
Sim, mas precisa haver uma sinalização dele de mudanças em algumas crenças. Acreditar que o Estado é a locomotiva da economia é uma visão muito disseminada no meio militar. Uma pessoa que nunca trabalhou numa quitanda, não viu como o livre mercado funciona, corre o risco de incorrer em coisas como a Dilma fazia, de baixar os juros à força, intervir no câmbio, de ter o manche da economia na mão. Entregar isso para o mercado exige um desprendimento e uma convicção de que o mercado é sábio.
Acha que o Bolsonaro leva a sério o discurso estatizante visto em boa parte dos militares brasileiros no período da ditadura?
Eu acho que não. Os que o cercam talvez, mas não são majoritários, nem de longe.
Muitos apoiadores do candidato Bolsonaro defendem um golpe militar para acabar com a corrupção. Como o Brasil 200 se posiciona diante dessa demanda?
Democracia é um valor tão absoluto que é inegociável para nós.
Objetivos do Brasil 200
O Brasil 200 alguma meta em termos de número de adesões?
Não, isso é apenas um termômetro. E a confirmação de que o diagnóstico está certo é que a angústia é muito mais generalizada do que se pode imaginar.
É um movimento eminentemente de empresários ou tem outras frentes também?
Claro que há. O diagnóstico original é o seguinte: existe uma aristocracia burocrática de 2% da população que se apoderou do Estado brasileiro. E eles se apropriam de 50% do esforço de produção, de 34% da carga tributária. O Brasil 200 é um movimento de 98%da população, os que puxam a carruagem, que suam a camisa, que pagam a conta, que pagam os impostos e que são incrivelmente inconscientes de que são o todo da população. A estratégia de dividir para governar é o que mantém esse incrível conflito de 2% da população que subjuga os outros 98%. É o nós contra eles. Esses 2% têm uma habilidade incrível para criar conflitos artificiais. É aquela coisa de “você é inimigo dele porque você é a patroa e ele o empregado então vocês têm que se odiar” ou “você é branca e eu sou negro”. É a habilidade de acirrar, enxergando cada fagulha de conflito, e aí o episódio do movimento feminista, do mimimi, exacerba tudo isso. Isso é um mecanismo eficiente de dominação. A missão do Brasil 200 é dizer: “Olha, nós, dos 98% da população, somos um todo. Temos em comum o fato de nós pagarmos a conta da farra estatal. O nosso inimigo são aqueles que estão em cima da carruagem, que ficam jogando pedra na gente e criando leis absurdas contra quem está puxando a carruagem. Criando um dos 20 piores ambientes de negócios do mundo. Quem criou isso? O pessoal da carruagem. Porque o melhor ambiente negócio é aquele em que a única norma, ou quase a única, é o mercado, com uma pequena regulação do Estado.
Quais as estratégias de mobilização do Brasil 200? O que de fato vocês estão fazendo?
Estamos tentando nos estruturar em todos os estados. Já estamos em 15 ou 17 estados. A primeira missão é fazer eventos regionais. Já fizemos em Recife, Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo. Estamos fazendo programas com propostas sobre diversos temas de interesse nacional. O primeiro foi sobre segurança pública, o próximo é sobre previdência. Queremos instigar o debate. Depois queremos criar células de debate sobre esses temas. Um exemplo: na segurança temos o (advogado e especialista em segurança pública) Benê Barbosa e alguns promotores do Rio de Janeiro. O (médico) Claudio Lottenberg vai coordenar o debate de saúde. Vamos divulgar aos deputados em Brasília um plano de governo para os candidatos à eleição deste ano.
Política X Negócios e família
O senhor passou a semana viajando, dando palestras, envolvido com a política. Saiu do dia a dia na Riachuelo?
Eu falei para os meus pares, eles estavam meio aflitos, “eu estou tirando férias de um mês, mas de meio período”. Então, em vez de tirar um mês, vou tirar meio período por dia. Nesta semana (a anterior ao Carnaval), estive viajando três dias e aproveitei para visitar lojas da Riachuelo nas cidades que visitei. Mas eu imagino que esse ritmo se encerrará com as filiações e as decolagens dos partidos. Eu coloco muito a mão na consciência porque tenho cobrado muito a culpa do que chamo de “empresário-moita”, que é um vilão da situação em que nós estamos. Virou modismo o empresário ficar na sua zona de conforto, o que é um conceito relativo, uma vez que num país que está na 150ª posição em facilidade de fazer negócios não existe zona de conforto. Estamos nessa posição humilhante porque o guardião da competitividade, que é o empresário, se omitiu grosseiramente. Quando o empresário se omite, a cada vez que vem o burocrata com a loucura burocrática, cada nova lei, cada nova norma, é uma ressalva ao livre mercado. O Brasil se tornou a sociedade do lítigio. A “litigation society” à qual (o fundador da fabricante de eletroeletrônicos japonesa Sony) Akio Morita se referia, quando falava dos Estados Unidos, agora é aqui e de longe. Isso é consequência da falta de crença no juiz mais sábio que existe, que é o livre mercado. Quem melhor intui isso, até porque está com a barriga no balcão, quem realmente acredita nisso, é o empresário. Quem menos acredita é o burocrata, que quer regular, quer normatizar, quer definir a espessura do colarinho do chope. Outro dia o Supremo (Tribunal Federal) estava debruçado sobre a seguinte questão: a lei da pipoca. A questão era se o consumidor podia entrar no cinema com a pipoca ou tinha que comprar o ingresso e comprar pipoca lá dentro. O Supremo estava resolvendo isso aí. É o Brasil ter mais ações trabalhistas que o resto do mundo. Oitenta por cento das pessoas que saem de um banco entram com uma ação trabalhista.
E o que o Brasil 200 acha da reforma trabalhista?
Foi a grande conquista do trabalhador. Já caiu 50 por cento o número de ações trabalhistas desde então. Realmente alguma coisa está errada num país que tem 3,5 milhões de ações trabalhistas, quando o resto do mundo produz 1,5 milhão. Pergunte a qualquer presidente de multinacional e ele vai ter esse dado. Outro dia perguntei ao Hélio Magalhães, presidente do Citibank: por que o Citi está saindo do Brasil? A resposta é que um CEO indiano assumiu recentemente o banco no mundo e foi avaliar as operações internacionais e viu que o Brasil tem 1% da receita e 97% das ações trabalhistas. Isso é o quê? É o empresário dando espaço para o burocrata cuidar dessas coisas. Essa aristocracia burocrática, muito letrada, muito douta em leis, mas analfabeta em capitalismo.
Como sua família tem visto seu envolvimento, suas viagens, enfim, esse período que está dedicando ao Brasil 200? No passado, eles já foram contrários a sua ida para a política…
Eles já foram mais contrários, mas acho que é o preço a ser pago. Sei que para a empresa não é o melhor. Nós estamos sendo atacados, caluniados pelas coisas mais absurdas. É incrível como você não consegue manter um debate no plano superior das ideias. Lançamos um ideário do Brasil 200 e a resposta foi chute na canela, dedo no olho e golpe baixo. Os ataques foram pessoais. O Guilherme Boulos (líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) botou nas mídias sociais dele que a Riachuelo tinha sido acusada de trabalho escravo. Isso é mentira e por isso ele está respondendo judicialmente. Vai ter que indenizar o dano que ele fez a uma marca que vale 2 bilhões de reais. Depois vem o (ex-prefeito petista de São Paulo) Fernando Haddad insinuar que a Riachuelo fez empréstimos fraudulentos no BNDES. O crime do BNDES foi financiar o Foro de São Paulo e a política de campeões nacionais. Isso é uma loucura. A política de capital nacional é a arrogância do Estado chegando a tal ponto que ele se julga no direito de dizer: “Flávio, você vai ser o campeão nacional da calça e camisa.”
Ao final, o senhor não teme que a postura do Brasil 200 e a campanha contrária ao movimento acabem respingando nos negócios?
É o preço a ser pago. Mas, primeiro, eu tenho a confiança de que a gente faz tudo certo. Quem não tem essa certeza, quem tem telhado de vidro, não pode fazer o que estou fazendo. Eu tenho tanta certeza que está tudo em ordem que estou correndo esse risco. E mesmo assim não estou isento de calúnias. Agora estão me acusando de homofóbico. Existe até campanha na internet de um pessoal quebrando o cartão Riachuelo, tirando foto e boicotando a Riachuelo.
O conservador e os transsexuais
O senhor pensa em fazer algo contra essa campanha nas redes sociais?
Estão inclusive fazendo uma campanha contra a Riachuelo dizendo que eu sou homofóbico. Uma empresa de moda não tem como ser isso. Por curiosidade, descobrimos, junto ao RH da Riachuelo, que nós somos o maior empregador de transsexuais do Brasil. Há 500 transsexuais trabalhando na empresa. Deus não foi justo ao distribuir o talento criativo e o senso estético. Deu aos gays uma maior dose de talento estético do que aos simples mortais. Quando a gente deixou que os nossos funcionários usassem o nome social nos crachás, descobrimos que 500 dos nossos colegas aqui usam um nome social de um gênero diferente do gênero do nome de batismo. Recentemente, recebi um vídeo de um funcionário nosso, a Michele, um transsexual, expulso de casa quando descobriram a sexualidade dele. Foi parar na rua e foi contratado pela Riachuelo dentro do programa Trabalho Novo, da prefeitura de São Paulo. Quando ele viu a gente ser acusado de homofobia, ficou indignado. Gravou o vídeo e vai por na internet. Isso está acontecendo em várias lojas, de quem sabe que isso é mentira.
Esse tipo de reação contrária ao Brasil 200 não seria esperada por parte de quem foge do padrão defendido pelo movimento, liberal na economia e conservador nos costumes?
Mas foge em quê? Ser conservador é se indignar contra a estratégia sórdida de Gramsci, de Marcuse, da Escola de Frankfurt, de erotização precoce, de quem faz vídeos com apologia ao incesto. Nenhum gay, lésbica, ninguém em sã consciência pode concordar que se destruam os alicerces da sociedade em nome de uma ideologia. Tem que destruir tudo em nome de uma ideologia que claramente deu errado e que vai dar errado?
Então, para o movimento Brasil 200, um sujeito que é homossexual pode ser conservador nos costumes?
Ser conservador não é ser moralista. Estou longe de ser um moralista. Eu sou só antigramsciano, porque eu acho Gramsci um monstro.
Olhando para a eleição presidencial de 2018, com quais dos pré-candidatos o Brasil 200 se identifica?
Nós podemos fazer o nosso gol de várias maneiras. Por exemplo, fazendo o João Amoêdo (pré-candidato à presidência pelo partido NOVO) sair do economês e se posicionar nas questões dos costumes, fazendo um contraponto não só ao que o socialismo, o petismo, fez de errado na economia, mas ao que os petistas fizeram de errado nos costumes. O (ministro da Fazenda) Henrique Meirelles também poderia fazer isso. O (governador de São Paulo) Geraldo Alckmin poderia se posicionar também nessas bandeiras dos costumes em que não se posiciona hoje. Alckmin tem uma agenda surpreendente porque é um conservador na vida pessoal, mas não tem se posicionado dessa maneira. A candidatura dele poderia ter o apoio do Brasil 200 caso tivesse um posicionamento mais firme. Alckmin tem sido volátil, como na questão da privatização (em que foi reticente na eleição de 2006). Eu acho que ele poderia, sim, realmente ocupar esse espaço. Mas precisaria ter posições mais firmes. Recentemente eu o alertei sobre isso. Mas obtive dele a resposta de que o adversário do PSDB não é o Lula, o adversário é o Bolsonaro. Ou seja, com relação aos costumes ele não vai se posicionar. Do Bolsonaro já falamos. Ou seja, se qualquer um desses movimentos acontecer, nós estaremos mais próximos de atender essa gigantesca demanda não atendida.
E com a esquerda, vocês pretendem dialogar de alguma maneira?
Eu não acredito que tenhamos êxito em convencer a Manuela D’ Ávila (deputada federal gaúcha e pré-candidata à presidência pelo PC do B) em se tornar uma capitalista defensora do livre mercado. Eu acho que os ajustes desse lado são mais de estratégia, de encorajar alguns candidatos a ser menos sensíveis à ditadura do politicamente correto e assumirem as bandeiras que estão órfãs. Você não muda a cabeça das pessoas. Mas muda a estratégia. Há muita gente escondendo o que pensa, deixando de atender imensos contingentes do eleitorado por causa da ditadura do politicamente correto.
E qual a sua avaliação sobre empresários que hoje têm cargos eletivos, como o prefeito paulistano João Doria?
Acho que são heróis. Se tivéssemos mais desses, nós estaríamos impregnando esse meio em que há uma clara hegemonia da visão burocrática, da visão regulatória, com algumas pitadas ou doses maiores da sensibilidade inata ao empresário, das relações de causa e efeito do mercado. Com isso conseguiríamos impregnar mais as decisões governamentais com a sabedoria do livre mercado e reduzir a burrice da hiperregulação.
Mas, no início da nossa entrevista, o senhor falou do pânico que dá ver que, depois das crises na política e na economia brasileira nos últimos anos, as pesquisas eleitorais mostram à frente alguém que defende as teses que resultaram nessas crises. Se a coisa não mudar e o Senhor fosse convocado para um projeto diferente de governo, aceitaria?
Eu acho que o caminho é muito mais longo para chegar ao objetivo. Nós temos atalhos para evitar o desastre de um retrocesso. A esquerda já fez um mea culpa. Não vamos enfrentar um Lulinha paz e amor. Vai ser um Lula radical. Essa nova esquerda que está aí já fez um diagnóstico do que fizeram de errado e o resultado é apavorante. Eles acham que o impeachment houve porque eles não aparelharam suficientemente o Judiciário, as Forças Armadas e não amordaçaram suficientemente a imprensa. Ou seja, se voltarmos, isso aqui vira a Venezuela.
Se as ideias do Brasil 200 forem vencedoras na eleição de 2018, o que a gente pode esperar dos próximos cinco anos?
Vamos ter muito a comemorar. Em 2022, ao fim do próximo mandato presidencial, iremos comemorar os 200 anos da libertação da Coroa portuguesa e muito mais do que isso. Os quatro anos da libertação de uma instituição muito mais opressora do que foi a Coroa portuguesa que é o Estado brasileiro na situação de hoje. A começar que, na época da Coroa, a Inconfidência Mineira se rebelou contra o quinto [cobrança de 20% sobre as riquezas minerais extraídas]. Hoje o Estado se apropria de muito mais do que isso, só para começar.